O conheci alguns meses antes do primeiro turno das eleições. Eu na oposição ao governo Lula e ele numa posição meio dúbia. Hoje entendo essa posição, era mais ou menos a que assumi no primeiro ano de mandato do Lula, apoio à distância, menos por crença no que ele poderia fazer, mais por querer que ele realmente fizesse algo melhor.
O Dedo pesquisava dados políticos, sociais, econômicos, fosse o que fosse, e os comparava com os mesmos números do governo FHC. Era um pesquisador. Por vezes pensei em deixar de segui-lo, até por não gostar muito de pseudônimos, sem falar que seu avatar não mostrava seu rosto. Era mais um anônimo sem face. Mas aí ele entrou em um entrevero com algum petista e eu fiquei do seu lado. Naquela hora ele tomou uma posição mais clara e não mais se afastou dela, pelo contrário, colocava-se cada dia mais à distância da situação, abraçava a précandidatura tucana e a abraçou com força depois. Não afastou-se um milímetro de suas convicções.
Suas pesquisas tonaram-se mais profundas e seu discurso mais contundente. Nos aproximamos mais, passamos a trocar idéias mais amiúde e links diariamente, mas nunca falávamos de nossas vidas. Não sabia seu nome ou a cidade de onde postava, sua idade, sua escolaridade ou profissão e ainda não sei quase nada disso, e nem vem ao caso. Este rapaz mostrou-se um verdadeiro brasileiro, de alma e coração, corajoso em sua postura e convicto em suas posições. Levava nas ações o vigor da juventude.
Passaram-se as eleições, perdemos todos, e ainda no dia 10 de novembro ele postou no Twitter ” E me desligo do twitter, minha missão terminou p hora! Obrigado aos amigos q fiz aqui e que continuarão comigo, de todas as vertentes. Um bj”. Como eu estava cansado, abatido e com uma tremenda ressaca eleitoral, não dei importância à segunda postagem depois dessa, que dizia “E me desligo do twitter, minha missão terminou p hora! Obrigado aos amigos q fiz aqui e que continuarão comigo, de todas as vertentes. Um bj”. Perdi a chance de dar-lhe uma força. Apenas me despedi desejando bom descanso e retorno breve, precisaríamos dele.
Mas ele não conseguiu ficar longe do front. Já no dia três ele voltava à carga. Parabenizou José Serra, de quem ele tornou-se interlocutor constante, além de cabo eleitoral atuante. Remontava-se como opositor de primeiro minuto ao governo que assumirá em janeiro. Voltava a mostrar-se o garoto forte, partia para a luta antecipada.
Poucos dias depois fiquei sabendo que estava hospitalizado e com leucemia. Foi um baque. Nunca pensamos ou esperamos que um jovem vigoroso seja vítima de doença tão cruel. Mostrei minha solidariedade e fiquei na torcida ansiosa como vários outros amigos virtuais. Na negativa da dor, o tratava como se tivesse apenas um dente inflamado ou uma caxumba que logo passa. Mandava-lhe uma ou outra mensagem de conforto. Ele jamais respondeu a qualquer delas. Ocupava seu tempo virtual com postagens ácidas e certeiras contra o governo atual.
Vejo agora o quanto ele amava deveras o país em que nascera. Não se queixava das dores, dos remédios ou dos prognósticos. Pouquíssimas vezes referia-se ao quarto do hospital e, em algumas delas, com mensagens simples, como “Saudade do café”. A doença era um detalhe, o bem estar do país era a bandeira. E ele lutou, sem dúvida, até o último suspiro.
Ainda sei muito pouco de sua vida, mas não importa mais. O exemplo que deixou é sua biografia, seu legado de convicções, fé e luta como poucos brasileiros podem repetir.
Sua última postagem foi uma piada para uma amiga: “@miaeloin hahahaha eu comilao? Comida de hospital e um misterio... Todas tem o mesmo sabor, nenhum!! Nos EUA no Brasil, Sao Paulo, Parana...”. É, para mim, o seu adeus.
A propósito, o vídeo do início do post é o que ele mantinha em seu perfil no Twitter. Mais uma prova de seu amor ao país e sua esperança de um Brasil melhor. Tomara que possamos dar esse presente a ele um dia.
Boa viagem, Raphael.
©Marcos Pontes