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sábado, fevereiro 18, 2006

O tédio vicia.




Tem texto meu na Gueixa. Voto nulo é o tema.



Tudo demais cansa


Palestra


Ela falava e falava e falava...

Ele mantinha o interesse, olhos acompanhando seus gestos e ouvidos acompanhando cada uma das muitas faces dela.

Na parede os ponteiros do relógio viajavam no tempo que deveria correr e ele sequer olhava o mostrador, absorto que estava na voz e no que ela dizia.

Sob as luzes frias das lâmpadas fluorescentes e no frescor do ar condicionado, a manhã passava agradavelmente.

Ela demonstrava saber exatamente sobre o que falava. Não titubeava, não tropeçava nas palavras e conceitos e isso o deixava atento, desperto, conquistado.

Casualmente os olhos dele fitaram o relógio. Surpreso, percebeu que já havia passado uma hora e o prazer de ouvi-la não o deixara sentir enfado ou cansaço.

Ela alternava transparências no projetor, expunha gráficos, números, frases, fontes de pesquisa enquanto falava, falava, falava...

Ele começou a perceber pigarros, movimentos mais constantes de nádegas arrastando-se no tecido sintético dos assentos à sua volta. Uma leve inquietação espalhava-se no auditório agora à semi-luz para que as figuras projetadas na tela branca pudessem ser lidas com clareza.

Talvez contaminado pelo leve rebuliço, ele já não percebia as palavras dela com a mesma clareza, já não sentia o mesmo interesse pelo tema, já sentia formigamento no traseiro. E ela falava, falava, falava... Sem emoção, técnica, fria, monotônica.

Ele agora já olhava propositadamente para o relógio na parede e conferia com o seu de pulso. Duas horas e meia. Dos relógios seu olhos percorreram o salão e viu tédio, olhos semi-abertos, bocejos escondidos por mãos, conversas ao pé de ouvido enquanto ela falava, falava, falava, falava...

Essa sua última memória consciente.

De repente ouviu gargalhadas e falatório descontrolado. Deitado no carpete do auditório, acordou percebendo que havia dormido sentado.

Enfim, pelo menos por enquanto, ela parara de falar.

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