Lá pelos treze, quatorze anos li um daqueles aforismos geniais do Millôr Fernandes e perdi meu medo de pensar: “o livre pensar é só pensar”, e expor o que eu pensava, independentemente de meu pensamento ser contrário ao senso comum, vez por outra.
Talvez um pouco antes, talvez um pouco depois, li a dispensa de Groucho Marx à oferta de um clube para ele tornar-se sócio: “jamais aceitaria ser sócio de um clube que me aceitasse como sócio”.
Esses dois “conselhos” tornaram-se meu norte intelectual. Jamais me deixaria prender ao pensamento alheio e nem me furtaria de dizer o que penso sobre os diversos temas ou se não consigo pensar, evitando sempre a aglomeração em torno de uma idéia, embora às vezes isso pareça ser inevitável, como no caso da campanha pelas “diretas já” ou pelo pedido de impeachment de Collor. Mas aí já não cabem apenas opiniões pessoais, mas a postura cidadã de pedido por justiça, o que deveria ser uma unanimidade inteligente, mesmo que o conceito de justiça seja diferente de um para outro e de ética seja nulo para muitos.
Hoje ouço e leio Olavo de Carvalho, uma das mentes mais lúcidas do pensamento conservador, honesto o suficiente para admitir que mesmo entre seus pares existe uma desonestidade intelectual criminosa, venalidade e distorção de fatos para não dar o braço a torcer quando sua argumentação mostra-se falha. Mas, seguindo o conselho do Millôr, ponho-me à vontade para discordar do mestre Olavo quando acho conspiracionista demais algumas de suas teorias, sem, porém, admirar sua liberdade de pensamento, sem prender-se nas regras pré estabelecidas pela grande fábrica de pensamentos únicos que lança idéias únicas, análise rasas e um sentimento universal de vaquinha de presépio ao redor do globo. Pior, com viés francamente esquerdista fantasiado de corretismo.
Quem lê o mundo por outra cartilha que não a do pensamento único ocidental tornou-se um pária, um leproso intelectual, um “reacionário” (talvez o melhor e mais cruel xingamento de que faz uso a esquerda quando surge alguém que contrarie as ordens do politburo vermelho). Estamos todos tacitamente obrigados a condenar o tabaco e defender a maconha; em achar que pobre é lindo e rico é bandido; a acreditar que pretos, índios, mulheres, homossexuais e latinos são coitadinhos explorados e brancos, homens e hétero são os vilões que massacram o verdadeiro povo; que pichar paredes é liberdade de expressão; a crer que a desonestidade de seus pares é relativa e a corrupção de seus adversários políticos é absoluta; a achar que o multiculturalismo é a nova cultural global, mesmo crente que a globalização é invenção nociva dos imperialistas capitalistas; a pregar que ler a Veja é atestado de burrice e desinformar-se, já que a verdadeira e isenta informação está na Carta Capital; a criticar as instituições seculares e estabelecidas, como as forças armadas, a igreja, a escola conteudista, a família, o Estado e a autoridade por serem conceitos ultrapassados e o correto é a liberdade de fazer o que lhe vier à telha, desrespeitando as regras, sem perceber que isso é apenas uma manipulação para anular as atuais normas sociais para, depois da anarquia instalada, impor novas regras, essencialmente esquerdistas, para se evitar o caos.
O politicamente correto usa da imbecilidade massiva, atrela à sua carroça os idiotas úteis. Com o auxílio de imprensa, novelas e músicas popularescas e seus artistas com sorriso de plástico para se impor em todos os cantinhos, penetrando nas frestas como a água e o ar, natural e silenciosamente, sem deixar o populacho perceber que está se afogando paulatinamente.
Continuo defendendo que grupos tolhem o livre pensamento, mas não vejo outra saída se não a oposição franca e uníssona contra essa lavagem cerebral coletiva e idiotizante. Desarmar as consciências é tão ou mais grave do que desarmar as mãos. É maneira pacífica de tornar zumbis os cidadãos, fazer deles seus soldados para massacrar as novas minorias, aqueles que se recusam a ceder à uniformização de pensamentos e crenças. Dizer basta, diariamente, a essa massificação da idiotice é autopreservação, é forma de manter-se vivo nesse mar de fezes e mal cheiro que teima em nos afogar.
©Marcos Pontes