Pesquisar neste blog e nos da lista

segunda-feira, fevereiro 27, 2006

Uma coisa é uma coisa, outra coisa não tenho a mínima idéia do que seja.


E arte estrangeira também.

Carnaval II


O que você gostaria que fosse feito com o dinheiro dos impostos que você paga? Imagino que a resposta deva ser unânime. Todos nós queremos que seja investido em educação, saúde, manutenção de estradas, benefícios aos aposentados, segurança pública, habitação, financiamento para pequenas e médias empresas que geram milhões de empregos permanentes, enfim, que seja revertido em bem estar para toda a população.

Infelizmente boa parte desses impostos é desviada e não usada naquilo a que é destinada. E o maior responsável por esse desvio são justamente aqueles que deveriam zelar pela sua aplicação.

Inadmissível a quantia milionária que os governos do Rio/Rio, São Paulo/São Paulo e Salvador/Bahia, por exemplo, dão de presente para as instituições carnavalescas.

Só na construção da Cidade do Samba, no Rio, foram aplicados mais de R$ 5 milhões, o suficiente para se construir 250 casas populares; as escolas de samba recebem, a fundo perdido, mais alguns muitos milhões; os cachês dos artistas são inflacionados nessa época do ano e pagos, em boa parte, pelos governos estaduais e/ou municipais.

Os blocos de carnaval soteropolitanos faturam milhões só com a venda de abadás. Imagine o faturamento de um bloco quetenha 2 mil participantes e vende cada fantasia por R$ 1.200. Só aí são quase 2,5 milhões de reais na receita. Esses blocos realizam festas durante todo o ano, assim como as escolas de samba, ou seja, são empresas bem organizadas e, como qualquer empresa, devem ser responsáveis pela sua renda ou prejuízo.

A importância cultural e social do carnaval é inegável. Para se ter uma idéia, em Salvador 7% de população economicamente ativa ganha seu sustento na indústria das festas e micaretas, no carnaval são empregados 50 mil cordeiros, aqueles rapazes que levam as cordas de isolamento dos blocos; no Rio, milhares de pessoas são empregadas pelas escolas de samba durantetodo o ano. Centenas de milhares de estrangeiros vêm ao Brasil inteiro e deixam mais de R$ 2,5 bilhões no país. A maior parte desse dinheiro fica na economia informal e não paga impostos, uma outra parte considerável sonega os tributos que deveriam ser pagos à União, aos estados e municípios, não compensando, portanto, a quantia que o estado dá de graça àquelas entidades.

Aos governos cabe a obrigação de divulgar a festa aqui dentro e no exterior por meio de suas agências de turismo, dar segurança para os brincantes, iluminar e limpar as vias públicas por onde ocorrerão os cortejos, guiar e informar os turistas, mater os portos e aeroportos em boas condições de funcionamento, mas bancar a festa deveria ficar por conta de quem fatura diretamente com ela: escolas de samba e blocos, hotéis, cervejarias, associações comerciais, companhias de transporte aéreas e terrestres, bares e restaurantes...

Não é pra isso que pago impostos.

domingo, fevereiro 26, 2006

Se for para morrer de batida na estrada ou no carnaval, que seja de limão.


Pelo menos faz-se alguma arte

Carnaval I


Se o sujeito é um classe média remediado ou de casta inferior - não me venham com o papo politicamente correto de que no Brasil não existem castas, por favor - e não lhe resta grana para viajar para um hotel fazenda ou para Marte, se não gosta de carnaval, está ferrado nos dias momescos.

É o único assunto das conversas no país. Se você resolve ficar em casa assistindo à televisão, invariavelmente terá que ver carnaval. Em um canal mostram-se os desfiles das escolas de samba, em outro mostram-se os cachorrinhos amestrados correndo atrás de caminhão e obedecendo todos os comandos do batedor de tambor que ganha uma boa grana para gritar em seus ouvidos pelas ruas de Salvador, num terceiro canal mostram-se os caquéticos, caducos e sem graça bailes de salão iguaizinhos àqueles em que nossas avós balançavam os esqueletos pelos meados do século passado. Em todos, a programação é interrompida para mostrar "flashes" até da ressaca dos bêbados que dormiram na areia e sequer lembram onde moram.

Por não gostar de carnaval, o pobre mortal não pode fugir para o exterior, fica condenado a ver gente suada semi nua (nada contra, pelo contrário), gente se amontoando, carros gigantescos com esculturas coloridas e inexplicáveis ou caixas acústicas monstruosas, celebridades e falsas celebridades, propaganda de cerveja e muito repórter puto da vida porque está trabalhando, mas tendo que manter pendurado no nariz aquele sorriso amarelo de aeromoça após fazer perguntas imbecis a foliões imbecis. Uma repórter de Salvador perguntou ao Ziraldo, qual era asensação de um carioca ao acompanhar o carnaval de Salvador. A pobre coitada é a única no país que não sabe que Ziraldo é mineiro. E bundas, muitas bundas, bundas de todas as cores, formatos e idades. Se bobear, verá até a bunda mumificada da Dercy Gonçalves.

sábado, fevereiro 25, 2006

Não sou cachorro para correr atrás de caminhão


Me permitam um recadinho para meu amigo Maucir.
O texto sobre o Pelourinho, caro Maucir, referia-se ao Pelourinho soteropolitano mesmo. O texto e os personagens eu criei a partir de uma conversa que tive com um morador dali há dez anos. Ele me falou que muitos daqueles que eram proprietários dos imóveis históricos foram afastados para a periferia pelo governo do estado na época em que aconteceu a grande reforma e modernização do Centro Histórico.
Haviam muitos roubos e assaltos na região, mormente de turistas desavisados. Os imóveis foram doados - na verdade, vendidos ou arrendados, mas por valores muito inferiores aos de mercado - para pessoas amigas de políticos.
Os roubos e furtos reduziram-se drasticamente com a iluminação e o policiamento efetivos, mas o tráfico de drogas - maconha e cocaina, principalmente - aumentaram e, nas palavras daquele morador, "é muito mais seguro porque quem compra são pessoas das classes média e alta, além de turistas". Como não acontecem brigas ou qualquer outro tipo de violência, a polícia faz vistas grossas.
Como nossa conversa ocorreu há dez anos e você hoje tem apenas dezenove, não deve ter convivido com essa realidade, além do que, o governo baiano detém a grande imprensa sob suas asas, além dos artistas da música, mais influentes (de)formadores de opinião do estado. Não convém expor a verdade dos fatos para a grande massa.
Não se indigne com meu relato, mas com quem faz com que fatos assim aconteçam.

quinta-feira, fevereiro 23, 2006

"LAPTOPspirose é um vírus transmitido pela urina do MOUSE."


Você sabe o que é um pelourinho?


Comércio no Pelô


Bându e Bêngue nasceram no mesmo dia no mesmo cortiço na ladeira do Pelourinho.

Os pais de Bându, Leôndia e Lucivaldo, eram lavadeira e guarda noturno; os pais de Bêngue, Carmêndia e Clodimir, eram empregada doméstica e apontador do jogo do bicho.

Infância feliz tanto quanto a pobreza permitia. Baba nas ladeiras, um ou outro dólar de turista desavisado que arriscava um passeio pelo sítio histórico.

Os serviços da casa saiam de graça ou na base do escambo. O eletricista, o encanador, o carpinteiro, a costureira... Todos vizinhos, compadres e amigos, quando não, irmãos. Se não havia perspectiva de riqueza, havia o conforto da casa própria e a solidariedade entre pobres iguais.

Bêngue e Bându desde pequenos freqüentavam o Colégio Central com suas calças curtas de tergal e a camisa branca sempre engomadinha por mãinha Leôndia.

Rapazinhos, carregavam caixas e mercadorias no Mercado Central e estudavam à noite no Central cada vez mais decaído.

O governo, de olho grande nos visitantes estrangeiros, desapropriou os casarões e casinhas, expulsou os moradores para o subúrbio longínquo e rifou os imóveis entre seus amigos. A vendedora de acarajé, amiga de artistas famosos, ganhou um restaurante e virou estrela nacional; o sobrinho do deputado da situação que morava na Barra, ganhou o sobrado e montou um bar; o sapateiro, sem padrinhos importantes, foi afastado para um casebre na Federação.

Lucivaldo e Clodimir, sem amigos influentes, preferiram voltar para Feira de Santana. Bându e Bêngue, já maiores de idade, ganhando seu próprio sustento, embora pouco, suficiente, viraram garçon e guia turístico no próprio Pelourinho.

Iluminaram as ruas, pintaram as fachadas, fizeram propaganda na tevê e no exterior e os turistas apareceram em hordas. O policiamento eficaz inibiu os roubos e assaltos. Mais seguro cobrar caro no côco, no abará e na cerveja.

Insatisfeitos com seus salários no lugar onde corriam euros a rodo, Bêngue e Bându partiram para o comércio seguro e protegido pela lei, o tráfico de drogas.

quarta-feira, fevereiro 22, 2006

A bigorna dura mais que o martelo.


Eu?

Remorso


Qual a pior coisa que você já fez? Me perguntaram isso hoje.

Como não acredito em pecado, Céu e Inferno e mais esse montão de coisas que colocam em nossas cabeças desde antes do surgimento das leis estatais e universais, com o único propósito de nos matarem na linha de comportamento social desejado por quem mantinha o poder, excluo qualquer resposta que endosse esses conceitos.

As melhores e piores coisas que já fiz são aquelas que me fazem bem e as que me deixam péssimo.

A princípio pode soar como um tratado de defesa do egoísmo, mas, pensando em minha resposta, cheguei à conclusão de que não é bem assim.

Se me fosse perguntado qual a melhor coisa que fiz na vida, teria dificuldade de responder. Menos porque tenha feito tantas boas ações que fique difícil escolher a melhor, mais por não tê-las feito em quantidade suficiente. Faço as coisas instintivamente, sem analisar se me farão bem ou se farão mal a quem quer que seja. Basta não magoar, não ferir ninguém, não lesar outras pessoas e nem ser lesado. As alternativas são suficientemente diversificadas para que sejam tomadas as decisões menos dolorosas, mesmo que sejam as menos fáceis.

Talvez por isso não tenha muito do que me arrepender. A vida é fácil e leve, não necessita de pesos extra.

Peso na consciência tenho apenas do soco que dei no estômago do Rogério, quando tínhamos onze anos, por ciúmes da Soraya. Nesse dia aprendi que amor nenhum compensa uma agressão física, muito menos a concorrência. Nesse expediente sou nada competitivo.

segunda-feira, fevereiro 20, 2006

Conjuntivide dá no terceiro olho?



Dói mais que coração partido?

Demitido


Quando tinha dezoito anos, cursando contabilidade numa escola estadual de segundo grau, Diocleciano foi convidado pelo filho mais velho da patroa de sua mãe, dona Kattyllenny, para trabalhar na empresa de plano de saúde que o rapaz acabara de criar.

Por trinta e dois anos Diocleciano não faltou um dia, participou de todas as etapas de crescimento da firma que já se tornara uma das maiores do ramo, atendendo mal, como é praxe no ramo, em todo o país. Por detrás de sua mesa viu milhares de outros empregados serem admitidos, promovidos e demitidos. Aprendeu com Crinauro, o patrão, a ser frio ao dizer a um cliente que o plano contratado não cobria esse ou aquele atendimento médico.

Acompanhava as mudanças impostas pelos sucessivos governos na legislação que regia os planos de saúde, viu seu patrão ficar rico, esteve no velório e no enterro do milionário Crinauro, esteve na posse de Crinauro Júnior na presidência da empresa, fez parte da modernização que trocara as máquinas Olivetti de datilografia por IBM elétricas e depois por computadores. Viu antigos companheiros serem substituídos por jovens doutores recém-formados, com sangue fresco e frio correndo nas veias e milhares de idéias renovadoras.

Certo dia, ao chegar ao trabalho, foi avisado pela secretária dos Recursos Humanos que deveria apresentar-se imediatamente ao chefe do setor. Seria comunicado que estava sendo demitido e que cumpriria os trinta dias de aviso prévio, pelo estóico gerente.

Sem perguntar por que, sem discutir, sem demonstrar qualquer emoção Diocleciano assinou os papéis, deu baixa na Carteira Profissional e voltou para sua escrivaninha.

No mês seguinte pareceu que nada havia mudado. O homem de 50 anos e rala cabeleira branca continuava a aparecer pontualmente, batia o ponto, assumia o lugar em sua mesa de mais de três décadas e trabalhava normalmente.

Para a surpresa de todos, apareceu no trigésimo primeiro dia e repetiu a rotina. Chamado novamente à gerência de R.H. foi comunicado que não precisaria voltar mais, já não trabalhava mais ali.

Com um simples "sim, senhor" despediu-se do gerente e voltou ao trabalho. Naquela idade só sabia fazer aquilo e ninguém mais contrataria alguém tão velho para um trabalho que qualquer garoto faria pela metade do salário.

No dia seguinte, mais uma vez viam Diocleciano trabalhando normalmente.

De nada adiantou trocarem as senhas dos computadores, as fechaduras, chamarem os seguranças... Diocleciano arrumava um jeito de voltar à antiga mesa, descobrir as novas senhas, esperar alguém abrir a porta para entrar junto, dar a volta no prédio e entrar pelos fundos junto com o pessoal dos serviços gerais que não ousava lhe dizer palavra.

Acostumados com sua insistente presença e não vendo mal nenhum naquela teimosia, terminaram desistindo do teimoso ex-funcionário. Estava sendo dispendioso e desgastante se preocuparem tanto com aquele velho que, ademais, era eficiente nas tarefas a que se propunha. Dois meses depois de sua demissão, após uma reunião os diretores concluíram que melhor seria deixar Diocleciano em paz e concentrarem-se nos rombos de caixa que vinham se repetindo constatemente sem que qualquer um daqueles muitos técnicos conseguisse explicar o mistério. Não era nenhuma quantia assustadora que pusesse em risco a manutenção da empresa, mas eram diárias as pequenas diferenças na contabilidade. As contas nunca batiam.

Contrataram consultores, fizeram serões e serões, infinitas reuniões, funcionários substituídos a cada semana, setores terceirizados e o mistério continuava: para onde e como estava saindo aquele dinheiro? Indiferente ao pânico que se formara indiferente à sua presença, Diocleciano trabalhava.

Por cinco anos as coisas continuaram na mesma. Trocaram os programas dos computadores, trocaram os consultores, trocaram os diretores, aumentaram as seguranças, mas o dinheiro continuava sumindo e Diocleciano continuava trabalhando. Já se calculava em mais de dois milhões a quantia sumiada nesse período. Não era nenhuma exorbitância para o império, por outro lado, era uma quantia nada desprezível em qualquer lugar do mundo.

Algo diferente aconteceu certo dia. Embora ninguém lhe desse atenção, todos perceberam sua ausência. Diocleciano não aparecera para trabalhar, o que foi um misto de alívio, saudade e piadas. O velhinho estava em Fernando de Noronho, curtindo a aposentadoria na pousada que montara, mais de dois milhões na conta e uma rede na varanda. Coincidentemente naquele dia o caixa da empresa não acusou qualquer irregularidade.

sábado, fevereiro 18, 2006

O tédio vicia.




Tem texto meu na Gueixa. Voto nulo é o tema.



Tudo demais cansa


Palestra


Ela falava e falava e falava...

Ele mantinha o interesse, olhos acompanhando seus gestos e ouvidos acompanhando cada uma das muitas faces dela.

Na parede os ponteiros do relógio viajavam no tempo que deveria correr e ele sequer olhava o mostrador, absorto que estava na voz e no que ela dizia.

Sob as luzes frias das lâmpadas fluorescentes e no frescor do ar condicionado, a manhã passava agradavelmente.

Ela demonstrava saber exatamente sobre o que falava. Não titubeava, não tropeçava nas palavras e conceitos e isso o deixava atento, desperto, conquistado.

Casualmente os olhos dele fitaram o relógio. Surpreso, percebeu que já havia passado uma hora e o prazer de ouvi-la não o deixara sentir enfado ou cansaço.

Ela alternava transparências no projetor, expunha gráficos, números, frases, fontes de pesquisa enquanto falava, falava, falava...

Ele começou a perceber pigarros, movimentos mais constantes de nádegas arrastando-se no tecido sintético dos assentos à sua volta. Uma leve inquietação espalhava-se no auditório agora à semi-luz para que as figuras projetadas na tela branca pudessem ser lidas com clareza.

Talvez contaminado pelo leve rebuliço, ele já não percebia as palavras dela com a mesma clareza, já não sentia o mesmo interesse pelo tema, já sentia formigamento no traseiro. E ela falava, falava, falava... Sem emoção, técnica, fria, monotônica.

Ele agora já olhava propositadamente para o relógio na parede e conferia com o seu de pulso. Duas horas e meia. Dos relógios seu olhos percorreram o salão e viu tédio, olhos semi-abertos, bocejos escondidos por mãos, conversas ao pé de ouvido enquanto ela falava, falava, falava, falava...

Essa sua última memória consciente.

De repente ouviu gargalhadas e falatório descontrolado. Deitado no carpete do auditório, acordou percebendo que havia dormido sentado.

Enfim, pelo menos por enquanto, ela parara de falar.

sexta-feira, fevereiro 17, 2006

"A modéstia é a vaidade escondida atrás da porta."
(Mário Quintana)


Blog é reflexo da vaidade.


Post Comunitário


Há um bom tempo não participo dos posts comunitários da Micha, culpa de Cronos, mas resolvi dar uma desenferrujada.

Em junho de 2003 fui apresentado ao blog's world por duas amigas. A maioria dos blogs que me mostravam eram diários adolescentes. Meu espírito de "dona Candinha" logo se cansou de ficar bisbilhotando a vida alheia.

Mais íntimo dessas páginas pessoais, aos poucos fui conhecendo blogs literários, páginas com temas além do umbigo do dono, blogs sobre artes, culinária, humorísticos, jornalísticos...

E aí foi me dando comichão para eu criar o meu. Até então me considerava apenas um voyeur. Com a ajuda da Flávia - que não bloga mais -, amiga viciada em Weezer e em blogs, montei o Voyeur Ousado. O porque de voyeur eu já expliquei; o ousado, por tomar coragem de me expor. Se alguém tiver alguma curiosidade, ele ainda está no ar. Puro acidente: perdi o acesso depois de sair do Terra.

De qualquer maneira, já estava furioso com o Weblogger e sua incompetência, que não melhorou nada nesses três anos.

Daí, migrei para o Zip.Net e criei o Esculacho e Simpatia. Depois de fazer uma campanha contra o sistema de comentários deles, fui expulso e o blog foi apagado. Uma pena, gostava muito dele, além de ter perdido vários textos de que gostava e dos quais não tinha back-up.

Aí a Karina veio em meu socorro e me ajudou a montar este aqui. A Lelinha, com seu bom gosto e criatividade, me presenteou com o template.

O modelo havia se mantido intacto e fazendo jus ao nome, pelo menos para mim. Escrevia notas sobre os acontecimentos do dia, principalmente políticos, e acrescentava com um esculacho crítico e bem humorado, embora ranzinza (características fortes da minha personalidade, fazer o quê?). Gostava e gosto disso - coisa que o Morcego faz muito bem, com algumas diferenças e mais talento-, mas o tempo foi ficando curto para o trabalho que dava fazer minhas postagens diárias.

Na marra, tive que migrar para o formato mais literário, sem deixar de lado a crítica aos costumes e vícios da modernidade, muitas vezes medievais.

As visitas diminuíram consideravelmente, confirmando o que todo mundo já sabe: poucos brasileiros costumam ler, ou talvez a qualidade dos textos não agrade tanto. Para mim, porém, é um grande prazer exercitar a escrita e conhecer gente interessante como você, caro leitor.

quinta-feira, fevereiro 16, 2006

"Todo homem luta com mais bravura por seus interesses do que por seus direitos."
(Napoleão Bonaparte)


Cota é esmola!


Cotas II


Se os governos quisessem, efetivamente, resolver o problema da educação pública deficiente, teriam que tomar algumas atitudes redicais e definitivas. Nada de fazer a coisa gradualmente, covardemente e sem um comando eficaz. Algo difícil, principalmente num governo que cede até mesmo à greve de fome solitária de um frei "num sei quem" do interior de Pernambuco que, provavelmente, estava a seviço de algum político influente.

A primeira dessas medidas seria a reformulação geral de seus quadros de professores. Se foram criados planos de demissões voluntárias, os PDV, para enxugar as máquinas da Petrobrás, das telefônicas, das empresas de eletricidade e de vários órgãos estatais durante o governo FHC, com o propósito de tornar essas empresas mais atraentes para os investidores e potencialmente compradores, algo parecido poderia ser feito na educação.

São milhares os professores velhos e cansados de salas de aulas, que vão às escolas apenas visando seus salários, sem mais nenhum compromisso com a melhor qualificação de seus alunos. Esses homens e mulheres cansados de guerra, comprometem substancialmente o trabalho realizado por seus colegas bem intencionados.

As secretarias municipais e estaduais de educação têm obrigação de afastá-los do trabalho direto com os educandos.

Que se façam PDV's na educação, que se coloquem os mestres exaustos em bibliotecas, secretarias escolares, almoxarifados, no serviço social ou em qualquer outra ocupação. Que se demitam os que não se demitirem e não puderem ser aproveitados em outras funções.

Vai-se às portas das universidades e contratem-se novos profissionais, necessitados de um salário, cheios de vontade de trabalhar, com projetos aplicáveis e atualizados em seus conhecimentos. Gente que fale a língua dos jovens e que ainda mantém intactos seus ideais. Isso não é um libelo contra os mais velhos, muito pelo contrário, mas um manifesto, sim, contra aqueles que não são educadores, tenham a idade que tiverem. Os que não são professores, mas "dadores de aulas".

Que os novos profissionais sejam alertados de que lhes será cobrada produtividade, assiduidade, pontualidade, postura profissional. Que os conselhos de educação, alimentação escolar e serviço social sejam incentivados a trabalharem em conjunto.

Que sejam pagos salários dignos e pontuais aos professores e aos demais profissionais da área.

Que sejam criados cursinhos pré-vestibular públicos, bem equipados e com professores eficientemente concursados e remunerados.

Sendo tomadas medidas como essas, não há necessidade de se dar esmolas para cidadãos por eles serem negros, índios e/ou pobres. Políticas de cotas seriam desnecessárias e repudiadas pela sociedade que paga impostos para ser bem assistida e não seccionada em castas ou em cores.

quarta-feira, fevereiro 15, 2006

"Mas doutor uma esmola
a um homem que é são
ou lhe mata de vergonha
ou vicia o cidadão."

(Luiz Gonzaga)


Universidade para todos?

Cotas I


Já que o brasileiro vê sacanagem em tudo e sempre encontra interesses escusos em qualquer coisa ( na maioria das vezes com razão, reconheço), de antemão deixo claro que, se não sou negro, sou quase, o típico "pardo" e que, por toda a vida, estudei em escolas públicas. Além do mais, classe média remediada, ou quase. Não há, portanto, qualquer interesse aqui em defender os mais abastados ou discriminar os menos favorecidos.

O propósito desse texto é, mais uma vez, repudiar a política de cotas para negros e oriundos de escolas públicas por acesso às universidades federais.

Esse tipo de coisa, discriminatória ao avesso, e paternalista como é praxis na política brasileira, em nada ajuda quem quer que seja. Ou melhor, ajuda um mínimo de bons estudantes que independem da escola de onde vieram e ao governo, que faz média com os pobres e negros, parcela considerável da sociedade nacional, tão grande que chegamos a duvidar que são minoria.

Na maioria dos casos de cotistas, o que vai ocorrer será um abandono, ainda maior do que o que já existe, dos alunos que não tem uma base educacional sólida para agüentarem o tranco dos cursos mais difíceis como as engenharias, medicina, odontologia, física, matemática e os mais caros. Ou vão criar a "bolsa-equipamento" para que os mais pobres comprem seus computadores e estetoscópios? E vão baixar a qualidade de ensino já defeiuoso, em alguns casos, das universidades federais?

O ProUni, sim, é um programa altamente válido, em que todos lucram. Os alunos de baixa renda conseguem seu acesso a um curso superior; as universidades particulares preenchem seus espaços ociosos; o governo faz sua média com as classes menos favorecidas realizando uma tarefa social; os impostos recebem um emprego louvável; as famílias experimentam uma melhora em seu status quo; a sociedade terá mais mão-de-obra qualificada. Enfim, só restará ao beneficiado se esforçar, que é o mínimo que se espera de um universitário, e conquistar sua promoção.

Dar vagas, porém 50% das vagas (antes se falava em 20%, o que já é um absurdo) pelo simples fato de a pessoa ser negra, índia ou pobre, é um atraso absurdo.

A classe média, maior prejudicada com essa política, fica acuada contra a parede, com medo de manifestar-se contra esse absurdo sob o risco de ser acusada de discriminação social, caso abra a boca para protestar.

A mesma classe média que se esforça para colocar seus filhos nas melhores escolas para que sejam concorrentes mais bem preparados e vêem as regras do jogo mudarem aos 45 minutos do segundo tempo.

O correto e desejado por quem entende um pouquinho de educação, seriam os governos darem escolas decentes, com professores bem preparados para que seus alunos concorressem em igualdade de condições com os das boas escolas particulares. Mas isso dá tabalho, e no serviço público poucos querem trabalhar de verdade, e ainda menos os que realmente têm coragem de ousar e contrariar interesses que a própria mídia incute em parte da população, justamente a parte menos satisfeita.

Criaram uma nona série no ensino fundamental, mas poderiam criar cursos pré-vestibular públicos sérios.

É o caminho das facilidades passando uma rasteira no mérito pessoal.

segunda-feira, fevereiro 13, 2006

"Não faça aos outros o que não queres que te façam", ensina a Bíblia. Das duas uma: ou nego a Bíblia ou nego a morena do 502.


Rapel


Rapel


Atanagildo havia a ceitado o convite de Siderlene, sua musa a quem tentava conquistar, para fazer rapel. Domingo cedo a garota o pegou em casa e partiram para o campo. No carro de Siderlene, além dos dois, iam duas amigas jovens lindas e animadas da Siderlene e todas aquelas tralhas de cordas e mosquetões.

Aos poucos, enquanto acordava de vez, Atanagildo começa a tomar consciência da besteira que fizera. Na tentativa de impressionar a garota, amante da vida ao ar livre e de esportes radicais, aceitara o convite sem ter-se questionado antes se seria capaz de realizar tal tarefa. Sua acrofobia adormecida voltava à tona.

Garoto do interior onde os prédios mais altos não passavam de sobrados de dois pavimentos, Atanagildo lembrava agora do dia em que fôra visitar o primo, morador do décimo andar de um prédio na Barra, em Salvador. Impressionado com a vista que se tinha do mar, saiu para a varanda a fim de ver melhor. Lembra-se como se estivesse vivendo aquilo nesse momento, do frio que sentiu lhe percorrer o espinhaço, da vertigem, da sudorese quando olhou para a avenida que passava em frente ao prédio; de como teve que segurar-se com força no parapeito para não desmaiar e de como o primo teve que conduzi-lo de volta para dentro do apartamento.

Com os pés na realidade, perguntava-se por que fôra tão covarde a ponto de não admitir seu medo de altura. Recuar agora seria uma vergonha muito maior. Se falasse antes, ela entenderia, saberia que não é uma coisa consciente, mas, não, o bobão tinha que topar o convite e se via dentro de um carro com três atraentes e aventureiras garotas, tendo certeza que estaria sendo vítima de piedade e chacota dentro de uma hora.

Depois de algum tempo de subida sinuosa por uma estrada de cascalho entre árvores e pastos, chegaram ao platô, onde já havia uma pequena e barulhenta multidão os esperando.

Naquele ambiente em que era possível sentir não só o cheiro, mas uma névoa densa de adrenalina, a adrenalina de Atanagildo empestava o ambiente e sua cueca.

Um bonitão com cara de super-herói de quadrinhos convocou os novatos para instruções sobre o uso do equipamento e as medidas de segurança.

Atanagildo ficou aliviado ao perceber que além dele, haviam mais doze novatos. Entre tantos, poderia se esconder melhor e, talvez, passar despercebido.

Tudo ia bem enquanto as instruções não passavam de nós, cordas, grampos, posição do corpo, como segurar a corda, o que evitar fazer e tal e coisa. O instutor instruia e Aatanagildo fazia caras e bocas, demonstrando que entendia tudinho, que não teria problema em praticar.

A descida pelo paredão de pedra começou numa seqüência acordada entre os veteranos. Desceria um antigo, depois um novato e essa alternância continuaria até o último.

Cavalheirescamente, Atanagildo ofereceu-se para ser o derradeiro. Para os outros foi uma atitude simpática, para ele foi um tempo a mais para pensar no que fazer.

Siderlene foi a quarta veterana a descer. Vendo-se sem os olhares de admiração e vigilância da amiga, sem ter pensado em nenhuma saída honrosa, Atanagildo embrenhou-se no mato e levou três dias para caminhar os cinqüenta quilômetros até sua casa, de onde não sai há um mês e sequer atende o telefone.

domingo, fevereiro 12, 2006

Quem?



Apelidos


Preciso acabar com essa mania de colocar apelido em tudo e qualquer coisa.

Criei esse hábito ainda guri. Com um tantão de irmãos que tenho, não via uns chamarem aos outros senão pelo nome. Não haviam apelidos lá em casa. Mas o rebeldinho aqui foi logo chamando o Normando de "coco seco" por conta de seus cabelos aloirados e o Ronaldo de "pirulito", a quem eu creditava uma cabeça de tamanho avantajado, o que corrigiu-se com o tempo.

No primário, segunda ou terceira série, tinha um coleguinha que cada vez que era xingado ou alvo de alguma brincadeira, respondia "nós dois". "Bobão!", e ele "nós dois". Nesse caso não fui eu quem apelidou, o próprio batizou-se de "nós dois", eu apenas dei uma forcinha pra popularizar o tratamento. Até hoje tento lembrar o nome do camarada, mas não consigo. Só lembro do apelido.

Meus alunos criaram uma comunidade pra mim no Orkut e eu coloquei um tópico: "Que apelido eu coloquei em você". Não entendendo bem o espírito da coisa, várias meninas disseram que as apelidei de "amarela". Isso não é verdade. Amarela não é apelido, é tratamento. Todo mundo é amarelo, uns mais claros, outros mais escuros, outros mais amarelos, mas todos amarelos. O baiano criou o "meu rei", o "pedinha" (corruptela de "pedrinha", por conta do tal pedra 90), como forma de cumprimentar qualquer pessoa, principalmente aqueles conhecidos de quem se esqueceu o nome. Para não passar pelo constrangimento de tratar uma pessoa pelo nome errado, o "meu rei" e o "pedinha" podem ser usados em qualquer situação e ninguém se ofende. Já meio baiano pelo tempo em que vivo aqui, peguei o jeitinho e criei o "amarelo/a".

Não tem como controlar, a coisa é automática. É só me dar dois centavos de intimidade que seu nome logo vira outra coisa. A Ozanir virou "Ozana nas alturas"; A Célia virou "Célia Maria"; Eugênio é "Ogênio"; Jaíza é por mim conhecida por "Jáiza", o que a deixa furiosa, aumentando minha vontade de chamá-la assim; Clemens é "Cremilda" ou "Creme", dependendo da ocasião e do ambiente; Paulos são dois no ambiente de trabalho. Um é baiano e outro mineiro. Para diferenciá-los um é "Paulo Macaxeira" eo outro, "Paulo pão-de-queijo"; O Ari virou Ariovaldo. E por aí vai. Esses são alguns dos que apenas dou uma arranjadinha no nome verdadeiro. Mais legais são os apelidos que retratam uma característica do apelidado.

Uma garota que vai fazer o vestibular, mas parou de estudar, passou a ser chamada de Faesa, uma faculdadezinha meia-boca de Vitória; Matheus, gordinho, virou "Skol", redondo, redondo; uma garota que tem um cabeção enorme, é a BH, Big Head; o mesmo cabeção tem o Valentim, que nas horas de carinho é "Valente", nos momentos de porrada torna-se o "estrupador de Camisetas"; a Priscila é linda em seus 1,45 m, "Pee-Wee"; Iane, "Inhame"; Juliana, "Jujuba"; e mais uns tantos.

As coisas também são rebatizadas: calculadora é calculatriz; apagador, apagatório; abridor de garafas, abritório; banheiro, unitário, afinal, tirando os banheiros de bar e os femininos, ninguém costuma ir acompanhado; garfo, forquilha...

Não teve graça pra você? Pois eu me divirto.

E por que preciso parar com isso? Primeiro, porque costumo esquecer os nomes das pessoas e passo a conhecê-las só pelo apelido. Em algumas situações é um atraso terrível. Alguém me fala de outro alguém e só lembro da pessoa meia hora depois que meu interlocutor se esforça em me dar as características da pessoa; segundo, tem horas que pareço estar falando em algum dialeto africano que só eu conheço, daí tenho que repetir a frase com as palavras corretas, o que gera um atraso da porra numa conversação.

sábado, fevereiro 11, 2006

Quem mais gosta de ver homens fortes, suados, correndo e se agarrando? As mulheres? Não, os torcedores de futebol.


Mané


Mané


Prazer, Chefia. Adenevaldo Gobera Sidônio, Gobera por parte de mãe e Sidônio por parte de pai. Pode me chamar de Guêbo, a seu dispor. Guêbo do Cavaco, pra ser mais claro. 72 anos de puro samba e malandragem. Filho de Josenaldo Sidônio e Adegeilza Gobera Sidônio, nascido em Pau Grande, terra do Mané, saca o Mané? Pois é, mermão, o maior craque que os quadrado de grama já viu. Vossa senhoria sabia que o Mané era amigão do meu progenitor? E era mermo! Que zé Pelé! Maradona era fichinha. Craque mermo era o Mané. Além do que, era um sujeito de prima. Depois das pelada lá no campinho do arranca-tôco, passava na bodega do velho Jôse - era assim que ele chamava meu velho - e encaçapava umas branquinha legal, isso quando não era antes do quebra-canela. Só não conseguiram quebrar as canela do Mané. O cara era mais liso que enguia ensaboada, ninguém encostava no negão. Tá, ele não era negão, tava mais pra índio, incrusive pegava passarinho com as facilidade que só os índio têm. Mas nós chamava ele de Negão. Uma vez o Mané me deu um dibre que minhas perna quais fica orta que nem as dele. Dotê, eu puderia falá do cumpade Mané até vossa incelênça ficar com calo nos ouvido, mas o senhor tá quereno saber mesmo é da minha labuta, né mermo? Pois toca o intêrro! Quando o Mané veio pro Rio, meu pai num viu mais porque ficar em Pau Grande. Queria ver o Mné esculachar os "joão" no Maraca e veio embora também. Mudamo pra essa merma casa onde moro hoje, aqui em Bonsucesso. Tu num vai acreditar, doutor, mas todo dia tinha jornalista quereno falar cum meu pai, tudo afim de ouvir umas história sobre o Mané. A vizinhança, tudo gente boa, mas sem capilé pra pagar nem a geral, vinha pro boeco do velho Jôse pra ouvir os jogos do Bota no rádio rabo-quente, de antes do transistor, que meu pai deixava no máximo. Cada dibre do craque era como se fosse um gol. Era o dia que mais vendia cachaça pros proleta e cevejo pros abonado. Até framenguista virava Botafogo quando o Mané jogava. Aí meu velho contava as história de Pau Grande pra malandragem, até alta madruga. Devo muito a Pau Grande. Os camarada ma admira porque fui amigo do Mané e as mulher gosta de mim porque sou de pau grande. Sacou? Sacou?

quinta-feira, fevereiro 09, 2006

"O dinheiro não é tudo e, muitas vezes, não é nem mesmo suficiente."


Capinzal, SC

"E no entanto, ela se move..."


Ninguém na praça àquela hora. De vez em quando o vigia noturno passava ali em sua ronda pelo quarteirão e não via qualquer coisa fora do normal. Não ver qualquer anormalidade nas ruas de Capitel Santo Antônio, bairro distante de Caínzal, cidade com menos de vinte e cinco mil habitantes, é quase uma redundância. Na pequena cidade catarinense, o máximo que acontecia era uma discussão na feira por conta do repolho. O chucrute estava ficando caro...

Vigia noturno era apenas uma desculpa de alguns bons amigos para dar uma ocupação para Wilfredo, pai de três guris.

Na noite fresca de março, Wilfredo passeava pelas ruas calçadas, radinho de pilha no ouvido, apito no bolso e o despreocupado ar de quem sabia que não encontraria sequer ladrão de galinha. O cacetete pendurado no cinto era apenas cacoete da profissão.

Em sua terceira passada, em posição diametralmente oposta à em que se encontrava, viu o doutor Asdrúbal sentado sob a luz do poste, vestindo um pijama de listras. Ficou curioso em saber o que levava o advogado a colocar-se ali àquela hora, mas conteve-se. Primeiro, porque o doutor negava-se a contribuir com seu minguado salário, o que o isentava de vigiar a casa do rábula; segundo, porque o doutor Asdrúbal fora o advogado da ferrovia em que Wilfredo trabalhara e o fizera perder todo o dinheiro a que se jlgava merecedor na causa trabalhista que abrira contra os ex-empregadores. O advogado jamais seria perdoado pelo vigilante.

Tentando ignorar o advogado, Wilfredo continuou sua ronda.

Mais uma volta no quarteirão, não pôde evitar uma olhadela em direção ao banco onde Asdrúbal se encontrava. Teve a impressão de que ele arfava, com a cabeça caída sobre o peito. Estaria o doutor passando mal? Rescostou-se em uma árvore e, por alguns minutos, enquanto pitava, não desprendeu os olhos do outro homem. Quando já se preparava para retomar sua caminhada, viu Asdrúbal cair de lado abruptamente e, com as pernas penduradas do banco, o tronco dilatar-se e comprimir-se com sofreguidão. O advogado tentava respirar e o ar lhe faltava.

Wilfredo tirou o apito do bolso e o soprava a todos pulmões enquanto corria em direção ao banco onde se encontrava seu desafeto.

Aos poucos as janelas ao redor iluminavam-se, algumas eram abertas mostrando os moradores assustados atrás de suas caras de sono, outros saiam para as varandas e calçadas. Todos viam Wilfredo socar o peito do advogado e soprar forte em sua boca na tentativa de dilatar-lhe os brônquíolos e refazer o coração retomar o pulso.

Ainda sonolento o médico, doutor Astrogildo, logo percebeu o que acontecia. Entrou em casa correndo, recolheu sua maleta com os apetrechos médicosao mesmo tempo re ordenava à mulher que ligasse para a ambulância e, acelerado, foi ajudar o vigilante que já suava em seus esforços de salvar a vida daquele que por tantas vezes desejara que morresse.

Os primeiros socorros ministrados por Wilfredo, aprendidos num curso obrigatório para os funcionários da ferrovia, ressuscitaram o homem que depusera contra ele.

terça-feira, fevereiro 07, 2006

"O tempo é o melhor professor, mas mata todos os seus pupilos."


Noite e dia se confundem




Tem texto meu na Gueixa.



O Menino Que Nunca Dormia


Aderaldo não dormia. Ainda bebê, recém saído do útero, apresentava os olhos arregalados. Chorava quando sentia fome, chorava quando tinha sede, chorava quando sentia cólicas, chorava quando sujava os cueiros, mas não dormia.

A mãe o colocava no colo, cantava mil cantigas de ninar, mas o pequeno Aderaldo sequer mostrava sinais de sono. Caladinho, observava os lábios da mãe se mexendo, ouvia a voz melodiosa que todas as mães, mesmo as mais desafinadas, têm quando cantam "tutu marambá, "boi da cara preta" ou outras cantigas para seus filhotes dormirem.

Com o tempo os pais desistiram, acostumaram-se com a insônia permanente do guri. Acreditavam que a criança dormia depois deles e não se preocupavam. O pai, curioso, passou a acordar de madrugada na esperança de encontrar o filho de olhos fechados no berço. Pé ante pé se aproximava, mas lá estava aquelas bolinhas escuras o observando.

Apenas por cisma o levaram ao médico, que não acreditou no relato dos pais de Aderaldo. Por via das dúvidas, deixaram o garoto internado por dois dias no hospital, monitorado 24 horas por uma enfermeira, que caia no sono antes da sua substituta aparecer, mas sequer um cochilo foi observado pela equipe médica ou por aquele monte de eletrodos colados em sua cabecinha. Como os exames clínicos não acusvam uma anormalidade que fosse, o liberaram.

Aderaldo crescia, estudava, jogava bola, brincava com os colegas, batia e apanhava, apaixonava-se pelas professoras e pelas colegas... Vida normal de menino, mas não dormia.

Para preeencher as madrugadas, o garoto lia tudo o que lhe passava diante dos olhos abertos, jogava ao computador, estudava, assaltava a geladeira, fazia amigos virtuais, mas não dormia.

Tornou-se um funcionário exemplar no mrcado financeiro. Seus olhos não perdiam nada do que acontecia nas bolsas de valores de todo o mundo. De madrugada, enquanto seus colegas e concorrentes dormiam, Aderaldo acompanhava as bolsas de Tóquio e de Seul. Investia, especulava, fazia fortuna.

Conseguiu uma velhice rica e confortável. Envelheceu desperto como vivera. Em seu enterro, fecharam o caixão, mas não conseguiram fechar seus olhos.

segunda-feira, fevereiro 06, 2006

"Quanto de álcool se precisa para ficar completamente honesto?"
(Woody Allen)



Tem texto meu na Gueixa.


Vale a pena assistir

Um Bom e Um Péssimo


Antes que o Pedro, o Gabriel e mais algum atento leitor desse blog que tenha memória me apedrejem, quero deixar claro que o texto abaixo não é uma crítica do ponto de vista jornalístico, muito menos uma recomendação, apenas impressões pessoais.

Contraditório, eu? Confesso.

Eu gosto de escarafunchar as prateleiras de vídeos que ninguém mais vê ou que foram sucesso e que não assisti junto com todo mundo ou, ainda, locar filmes que ninguém viu. Volta meia faço isso.

No último final de semana aluguei o Escorpião de Jade, do Woody Allen, e o Vítimas Inocentes, com a participação do Morgan Freeman.

O Escorpião foi fácil. Gosto do humor sutil, original e inteligente de Allen. Se um dia eu aprender a escrever, que seja do jeito que esse sujeito faz. Tenho inveja de cada diálogo, cada referência que ele coloca dentro do contexto.

Fico imaginando alguns amigos meus assistindo a esse filme. A cada gargalhada minha, eles perguntariam do que eu estava rindo. Ou eu sou um completo débil mental ou eles não entenderam a piada ou eu estaria rindo apenas para dar a impressão de que entendera alguma frase vazia como uma criação altamente intelectual. A verdade é que os textos de Allen são biscoito fino.

É ou não é coisa de uma mente diferente da média das mentes humanas?

- Nunca aposte num cavalo que tem mal de Parkinson.

- O lugar é esfumaçado, o que diminui seu trabalho com a maquiagem.

- Sou mais esperta e mais rápida que você. Sinta-se ameaçado mesmo.(A Helen Hunt fala isso no meio de uma das muitas discussões com Allen).

- Por pior que a economia fique, você não vai passar fome. (Uma cantada que Allen dá na secretária).

- A vida fica tão complicada quando achamos que é simples... (Dan Aykroyd, tentando convencer a amante que vai deixar a esposa).

- Você é tão adolescente...
- Mas... Bonitinho?

- Detestaria ter eu atrás de mim.

- Se eu morrer enquanto estivermos juntos, pede ao embalsamador para não desmanchar o meu sorriso.

Sem falar na cara que ele faz ao ser hipnotizado. Me fez lembrar o saudoso Costinha, cuja cara por si já era uma piada.

Mas nem tudo são flores.

Estou há dois dias tentando entender qual a intençaõ do autor de Vítimas Inocentes. Se a intenção do cara era fazer um alerta aos jovens do seu envolvimento com o tráfico de drogas, foi apenas mais ou menos bem sucedido.

A narração do filme é confusa, pelo menos para alguém como eu que não tenho o ouvido tão afinado para perceber as diferenças de timbres nas vozes de quatro jovens negros estadunidenses. Pois a narração é assim. A cada momento a narração cabe a um dos personagens.

Peguei o filme por dois motivos: um, eu nunca ouvira falar dele (agora sei porque); dois, é (ou era, depoisdessa) sempre um prazer ver Morgan Freeman interpretando.

A história é confusa.

Os atores são péssimos. Tem gente olhando para a câmara a cada momento, tem criança que reclama da falta de doce com sorriso nos lábios, tem até defunto que pisca.

Vítima inocente, só uma. As outras duas mortes são de traficantes. Um comete suicídio e outro é assassinado na prisão por ter matado a filha de outro bandido. O título poderia ser Uma Vítima Inocente, Só Uma.

Erros de continuidade.

Não vou reclamar pelo dinheiro gasto porque o primeiro valeu o dobro do que paguei.

domingo, fevereiro 05, 2006

"- Ai meu Deus; ele está morto! E agora, o que a gente faz?!
- A carteira, relógio e o boné são meus".



Cruel, muito cruel


Amor Platônico Também Termina


Teobaldo nutria por Ziluê um amor inesplicável. Nunca haviam conversado, não sabiam o telefone um do outro ou sequer sabiam seus gostos, mas o frio na coluna e o embrulho na boca do estômago eram constantes è simples lembrança dela.

Tinham um casal, amigo comum, que casaria em fevereiro, na véspera do carnaval. Adevando, o noivo, prático e farrista, idealizaria a festa de recepção aos convidados como um baile de carnaval. Decoração havaiana com cenário de papelão e plástico, vodca a rodo, bebidas tropicais a base de frutas e petiscos. Ambiente propício para oembebedamento geral.

Durante toda a festa Teobaldo vigiava Ziluê à distância. Via o alvo dos seus suspiros emborcar as taças na boca e saracotear pelo salão. A moça não percebia um assédio ou outro de algum solitário, sua festa resumia-se às bebidas e à dança. Depois de poucas horas e muitas doses, suas passadas já não conseguiam ser retas o que fez o zeloso Teobaldo aproximar-se para um socorro que se fizesse necessário. E não demorou.

Ziluê entonteceu, ficou pálida, ensaiou um desmaio no meio do passe de uma dança de axé. Antes que fosse ao chão teve o amparo dos braços do admirador que a levou para um banco do jardim, abanou-a com uma folha de bananeira retirada da decoração, assistiu ao seu vômito sem cara de nojo, trouxe uma garrafa de água mineral para que tirasse o gosto ruim da boca e ouviu suas lamúrias de b~ebada.

A moça falava o quão era infeliz; que se apixonara pelo professor de química da faculdade, mas não era correspondida; que para fazer ciúme ao mestre, tomara Caléfolas como namorado, justamente o mais feio, burro e sem graça colega de turma; que Caléfolas era feio e burro, mas tinha uma cantada infalível; que perdera sua pureza para Caléfolas; que depois de empanturrar-se, lamber os dedos e passar as línguas nos lábios, Caléfolas a abandonara; que engravidara; que fora expulsa de casa pelo pai, velho conservador bedel da prefeitura; que, desempregada e sem poupança, fizera um aborto para não colocar no mundo uma criança sem pai e sem futuro; que morava num quartinho de pensão e vendia pules do jogo do bicho para poder manter-se; que gastava tudo em roupas para causar uma boa impressão e talvez ser beliscada pela sorte de um bom marido oude um bom emprego.

Teobaldo a levou para casa e prometeu-se nunca mais beber.

quinta-feira, fevereiro 02, 2006

"Ecologia é coisa de veadinho. E de macaquinho, de leãozinho, de elefantinho..."




Perdas e ganhos é o tema do meu texto hoje estreando no blog da Cláudia. Vai conferir?



Tudo começa no flerte

Erótico?


De uma ponta do balcão ela logo o notou na outra. Alto, bonito, olhos claros, sorriso branco, roupas elegantes e bem sustentadas pelo corpo forte, olhar de homem seguro se bem sucedido.

Assim que chegara, ele logo viu-se atraído por aquela loura que bebia um coquetel verde azulado. Alta, olhos amendoados, busto empinado como se quisesse saltar para a liberdade, cintura esculpida por cinzel de mestre, pernas aparentemente perfeitas sob o longo azul turquesa, sustentando-se sobre os saltos finos como a ponteira de um peão.

Não demorou para que estivessem na pista de trocando salivas e pernas nas danças e suspiros e juras nos ouvidos. O álcool, a dança e o calor já fervilhavam idéias libidinosas.

Mais um pouco e estavam no carro que ele guiava apressado tentando manter a concentração, enquanto ela lambia seu pescoço e apalpava as coxas e mais.

Pouco tempo depois, praticamente arrombavam a porta do quarto do motel. Ele, garanhão escolado, sabia que bastava afastar as alças que aquele vestido cairia até o chão sem dificuldade. Ela, amante de tantos homens, não tinha dificuldade de abrir-lhe os botões da camisa. Ele abria qualquer de sutiã com destreza e aquele não foi diferente. Ela, sem perder a concentração nas línguas entrelaçadas, arrancava-lhe a camisa de dentro das calças com maestria. Ele estranhava o peso do sutiã, mas não dava importância. Ela estranhava a aspereza no contato de suas barrigas, mas não se importava. Ele enfiava as mãos espalmadas dentro da calcinha para arrancá-la mais facilmente. Ela abria o cinto e o zíper como já fizera tantas vezes antes. Ele estranhava a fofura do tecido da calcinha, enquanto ela estranhava a falta de ereção.

Na penumbra se atiraram na cama. Mãos, pernas e bocas a mil. Ela se esforçava para fazê-lo rijo e ele para suportar seu hálito. Depois de muito tempo de tentativas que ambos se enganavam como preliminares, em cinco minutos deram por encerrado o ato. Ele bufava, ela fazia muxôxos de resignação. Sem sequer um "boa noite", viraram-se e dormiram como dois condenados à mesma cela.

Mal amanhecia, ambos se apressavam a deixar o lugar do martírio. Olhando o sutiã no chão ele entendeu o peso extra, enchimento de silicone. Olhando-o nos olhos, ela viu que seus olhos azuis também eram de silicone. Vendo a calcinha, ele entendeu que o tato diferente fora por causa do enchimento de algodão. Ela, vendo a cinta no chão, entendeu porque a barriga dele parecera áspera. Ao ver as pernas finas e marcadas por escapamento de moto, ele entendeu porque ela usava longo no verão quando todas as outras na boate usavam mini-saia. Percebendo que os dentes eram artificiais, ela entendeu porque seu sorriso era branco. Ao lavar o rosto, ela sentiu seu hálito pútrido e, envergonhada, entendeu a impotência do parceiro. Ao lembrar-se de sua impotência, ele apressou-se a abandonar o motel antes que ela voltasse do banheiro. Cavalheirescamente, não esqueceu de deixar trinta reais sobre a cama para que ela pegasse um táxi.





Não gosto de contos eróticos. Me sinto como se olhando oklhando pela fechadura. Sem falar nos clichês. Como sujeito esculahado que sou, resolvi escrever um anti-erótico.

quarta-feira, fevereiro 01, 2006

"Não leve a vida a sério... você não vai sair vivo dela!"




Como alguns de vocês não conseguiam comentar no Haloscan, o anjo da guarda desse blog, Lelinha, inseriu um segundo sistema de comentário com a ajuda da Dinda Gueixa.


Família perfeita.

Vida Dura


Qual é? Vai ficar encarando? Tira o olho, mané! Tá, tô bem vestido, tô sabendo, mas esse lance de você ficar me tirando não tá pegando nada bem. Sou macho, cara! Tá vendo essa magricela aí do lado? Por que não olha pra ela?
...
Pelo visto gostou mesmo da minha roupa... Vai lá dentro, cara. Tem um monte iguais a essa, sem falar que com essa barriguinha que você carrega a duras penas, minha camisa não vai caber em você, muito menos a calça. Imagina se tua cintura vai caber nesse cós... Isso, vai embora, isso aqui não é pro seu bico, não. Vai procurar algo que te vista lá no RM. Não sabe o que é o RM? Raimundo Marreteiro, bobão! Aquele cearense da barraca de camelô ali do outro lado da rua.
...
Opa! Boa tarde, gostosa. Tá gostando do que vê? Isso, dá uma voltinha, aprecia o material. Olha só meu corpãp, barriguinha de tanque, bíceps perfeitos... Hein? Hein? Me leva pra casa, avião. Isso, vai lá, conversa com a Charleana.
...
Sabia que você ia voltar. Isso, Charleana, tira o cinto, assim... Vai, abre o zíper. Que gostoso... Quê isso? Vai tirar minha calça aqui mesmo, na frente do povão? Safadinha.

Ô! Volta aqui! Devolve minha roupa! Socorro, segurança! Pega essas duas aí!

...

Colé, Zoaldo? Me larga, cara! Não! No depósito não, Zoaldo! Me larga, cara! Só porque você é maior que eu? Me põe no chão, camarada, por favor, por favor...

Vai me deixar aqui, amigão? Sozinho nessa sala escura, úmida, mal cheirosa? Faz isso comigo não. Tenha piedade.

Droga! Essa vida de manequim de loja é um saco!