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segunda-feira, fevereiro 13, 2006

"Não faça aos outros o que não queres que te façam", ensina a Bíblia. Das duas uma: ou nego a Bíblia ou nego a morena do 502.


Rapel


Rapel


Atanagildo havia a ceitado o convite de Siderlene, sua musa a quem tentava conquistar, para fazer rapel. Domingo cedo a garota o pegou em casa e partiram para o campo. No carro de Siderlene, além dos dois, iam duas amigas jovens lindas e animadas da Siderlene e todas aquelas tralhas de cordas e mosquetões.

Aos poucos, enquanto acordava de vez, Atanagildo começa a tomar consciência da besteira que fizera. Na tentativa de impressionar a garota, amante da vida ao ar livre e de esportes radicais, aceitara o convite sem ter-se questionado antes se seria capaz de realizar tal tarefa. Sua acrofobia adormecida voltava à tona.

Garoto do interior onde os prédios mais altos não passavam de sobrados de dois pavimentos, Atanagildo lembrava agora do dia em que fôra visitar o primo, morador do décimo andar de um prédio na Barra, em Salvador. Impressionado com a vista que se tinha do mar, saiu para a varanda a fim de ver melhor. Lembra-se como se estivesse vivendo aquilo nesse momento, do frio que sentiu lhe percorrer o espinhaço, da vertigem, da sudorese quando olhou para a avenida que passava em frente ao prédio; de como teve que segurar-se com força no parapeito para não desmaiar e de como o primo teve que conduzi-lo de volta para dentro do apartamento.

Com os pés na realidade, perguntava-se por que fôra tão covarde a ponto de não admitir seu medo de altura. Recuar agora seria uma vergonha muito maior. Se falasse antes, ela entenderia, saberia que não é uma coisa consciente, mas, não, o bobão tinha que topar o convite e se via dentro de um carro com três atraentes e aventureiras garotas, tendo certeza que estaria sendo vítima de piedade e chacota dentro de uma hora.

Depois de algum tempo de subida sinuosa por uma estrada de cascalho entre árvores e pastos, chegaram ao platô, onde já havia uma pequena e barulhenta multidão os esperando.

Naquele ambiente em que era possível sentir não só o cheiro, mas uma névoa densa de adrenalina, a adrenalina de Atanagildo empestava o ambiente e sua cueca.

Um bonitão com cara de super-herói de quadrinhos convocou os novatos para instruções sobre o uso do equipamento e as medidas de segurança.

Atanagildo ficou aliviado ao perceber que além dele, haviam mais doze novatos. Entre tantos, poderia se esconder melhor e, talvez, passar despercebido.

Tudo ia bem enquanto as instruções não passavam de nós, cordas, grampos, posição do corpo, como segurar a corda, o que evitar fazer e tal e coisa. O instutor instruia e Aatanagildo fazia caras e bocas, demonstrando que entendia tudinho, que não teria problema em praticar.

A descida pelo paredão de pedra começou numa seqüência acordada entre os veteranos. Desceria um antigo, depois um novato e essa alternância continuaria até o último.

Cavalheirescamente, Atanagildo ofereceu-se para ser o derradeiro. Para os outros foi uma atitude simpática, para ele foi um tempo a mais para pensar no que fazer.

Siderlene foi a quarta veterana a descer. Vendo-se sem os olhares de admiração e vigilância da amiga, sem ter pensado em nenhuma saída honrosa, Atanagildo embrenhou-se no mato e levou três dias para caminhar os cinqüenta quilômetros até sua casa, de onde não sai há um mês e sequer atende o telefone.

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