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domingo, dezembro 26, 2010

Perspectiva

calendario2011

 

Quando criança e adolescente, ouvia muito falar em filosofia de vida, hoje essa expressão está meio fora de moda, talvez porque filosofia ou qualquer exercício intelectual esteja completamente démodé, tanto quanto a palavra démodé.

Pois bem, de tanto ouvir a dita expressão, ficava me perguntando qual seria minha filosofia de vida, quais seriam meus objetivos, quais os melhores caminhos a alcançá-los e tais que coisas. Deveras, esse negócio de filosofar é trabalhoso. E, em se tratando do próprio umbigo, não adianta ler Anaxágoras, São Tomás de Aquino, Aristóteles, Kant, Kierkegaard, Sartre, Pascal ou seja lá que nome dos mais altos panteões filosóficos, eles não conhecem seu umbigo. Ou melhor, meu umbigo.

Pensar é como aquela dorzinha muscular no dia seguinte a uma caminhada: dói, mas é gostoso. Eu buscava entender o que me movia, além de arroz, feijão e as ordens da mãe para ir à escola, estudar e lavar as próprias cuecas.

Um dia, após uma viagem de avião, comecei a entender como deveria viver e como eu já vivia e não sabia. Adotei para mim a filosofia do avião: “Senhores passageiros, em caso de descompressão da cabine, máscaras de oxigênio cairão do teto. Coloque a sua primeiro para depois tentar ajudar às pessoas ao seu redor”, diz aquela voz feminina robótica e fria como o ar das alturas.

Entendi que aquilo que eu achava egoísmo é autopreservação e solidariedade. Se você não estiver bem, como poderá ajudar aos outros? Se quem te cerca estiver mal, como você poderá ficar bem? Há um ciclo, uma simbiose entre mim e quem me cerca? Não sei se círculo ou simbiose, mas há uma interdependência. Se meu vizinho estiver empregado, alimentado e feliz, não pulará o muro para roubar minha casa; se eu estiver empregado, alimentado e abrigado, poderei começar a ajudar ao vozinho, ao vizinho do vizinho, ao quarteirão e pela cidade a fora.

Havia me presenteado com uma filosofia de vida. Ou melhor, aquela aeromoça havia me dado este presente.

Depois de muitas cabeçadas, muitas mudanças de rumo, de prumo e de objetivos, entendi que olhar para trás é perda de tempo, a não ser quando for para tirar alguma lição ou acalentar o coração com boa memória, mas por puro saudosismo, por autopiedade, autoflagelação ou qualquer outra forma de sofrer, é burrice. Presenteei-me com a segunda filosofia de vida: viver em perspectiva.

Antes disso eu lia e assistia a todas as retrospectivas dos anos que se acabavam, já não o faço mais. Numa olhadela rápida por cima dos ombros, agora que toquei no assunto, vejo um monte de perrengues, todos ultrapassados, alegrias indeléveis da memória e do coração; vejo os vizinhos no mesmo caminhos; alguns, graças a Deus, poucos cadáveres; muitos surgimentos, por parto ou pela proximidade da nova amizade. Há, no ano que se acaba, nada mais e nem menos que vida, pura e simples vida. E ela continua.

Nada de olhar para trás apenas pelo prazer da saudade, hora de apontar o nariz para a frente e caminhar sem medo, firme e honestamente, preparado para dores, amores, alegrias, dores de cabeça, fortuna ou dureza, pouco importa. Planejar nada tem a ver com adivinhar, predizer, sofrer por antecipação ou contar com o ovo no fiofó da galinha. Planejar para o sucesso, sabendo que troncos atravessados na estrada surgirão, mas sem temor. A cada passo uma alegria por ter conseguido dá-lo e já preparando para o próximo, em frente sempre.

Primeiro coloque sua máscara de oxigênio, depois de ter a respiração ordenada, ajudar à senhora da cadeira ao lado e pensar no pouso da aeronave, não na decolagem que já foi.

Sejamos muito felizes em 2011, sem pensar muitos em 2010.

©Marcos Pontes

sábado, dezembro 11, 2010

Nossos medinhos e Gramsci

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Em que se diferenciam as ditaduras vermelhas idealizadas pelo russo Lênin e o italiano Gramsci? Se bem que a idealizada por Lênin também foi implantada, enquanto que a de Gramsci nasceu em seus anos de cadeia. O brutamontes Mussolini deu a ele lápis, caneta, comida e todo o tempo do mundo para maquinar suas idéias. Entre tantas, talvez essa seja a maior burrice de Mussolini uma vez que a obra do Gramsci perdura ao passo que os malfeitos de Il Duce já se perdem no fog da história.
A principal diferença entre os dois modelos é o tipo de medo. Lênin impôs o medo palpável, o medo real das armas, da brutalidade dos agentes do estado, da KGB, do MVD, do Exército Vermelho, do seqüestro, da Sibéria; já Gramsci, bem mais sutil e paciente, investiu no medo de assombração, aquele medinho escondido sem se saber exatamente do quê. O medo do desconhecido, das maquinações maquiavélicas, do preconceito no verdadeiro sentido, de coisa pré concebida e que, por isso mesmo, deveria ser evitada, desmontada e negada.
Ao ver o movimento gay, por exemplo, negar o modelo de família predominante como sendo uma coisa ultrapassada, percebe-se nas entrelinhas a revolução gramsciana, gritando em surdina que tudo o que já existia deve ser negado. Dos bancos das universidades, principalmente as de ciências humanas, às cartilhas da pré-escola a revolução gramsciana mostra suas garras encobertas por veludo. Temos que reaprender a ler para percebermos no subtexto o pretexto da revolução embutido.
Sabendo que quem faz a cabeça do povaréu brasileiro são as novelas e o Jornal Nacional, aí a mente revolucionária investiu seus esforços sob o manto do politicamente correto, criando tabus modernos. Se antes da revolução feminista era tabu mulher “séria” sair de casa de calça comprida ou cantar o cara que lhe agradasse, depois da queima de sutiãs passou a ser feio discriminar as que tomassem a iniciativa, o mesmo acontece hoje em relação à erotização infantil, o homossexualismo, o aquecimento global, o consumo de carne vermelha, o consumo de supérfluos e por aí a fora.
Depois que criaram Xuxa, menina alguma quis mais ser Marie Curie. Pensar dói, mais fácil balançar a bundinha do que tentar interpretar um livro cheio de letras e palavras impossíveis; depois que inventaram Bruno Cateaubriand, nenhum menino sonhou em ser Garrincha. Pra quê suar, trabalhar pesado pra ganhar uns caraminguás e morrer de cirrose hepática se pode viver à champagne, morar na Zona Sul e aparecer cheio de glamour em qualquer programinha de celebridade?
Inverter os valores e criar medinhos contra o que está estabelecido é a tática gramsciana e na ponta de lança desse exército estão os gays que escrevem novelas e os jornalistas que fazem os jornais nacionais, não apenas o Jornal Nacional, por meio de releases enviados pelos todos poderosos assessores de imprensa. Jornalistas não precisam mais pensar, transformaram-se em copiadores que publicam o que as empresas, políticos, editoras e agências de notícias enviam. Não há sequer a necessidade de checar informações, já que suas fontes são as próprias personagens da notícia.
Não é à toa que Franklin Martins, um gramsciano profissional, foi alçado à condição de Göebbels particular de Lula nesses quase oito anos. Como poucos esse jornalista sabe manipular os medos coletivos. Por anos ele foi um dos editores dos jornais da Globo, conhece como pouquíssimos o inconsciente coletivo e sabe usar dos nossos medinhos em favor da causa revolucionária petista como nem o Maquiavel redivivo, Zé Dirceu, saberia fazê-lo. Dirceu é um executivo do mal, enquanto que Martins é um intelectual, portanto muito mais perigoso.
A propósito, se levantarmos todos os assessores de imprensa e dirigentes da área de comunicação social dos repetidos governos, desde Figueiredo, perceberemos que quase todos saíram dos quadros da Globo. Alexandre Garcia (Figueiredo), Antônio Brito (Tancredo/Sarney), Tereza Cruvinel (TV Brasil), Hélio Costa (Lula/Ministério das Comunicações), Franklin Martins e sabe-se lá quantos outros mais. Não entro no quartel dos que condenam a Globo, o Papa e a Coca-Cola por todos os males do país, isso também é hipocrisia coletiva, mas a Globo nos deve muito Porter formado esses mentores da revolução vermelha silenciosa que se instala aos pouquinhos e sem doer.

©Marcos Pontes

quarta-feira, dezembro 08, 2010

Educação, melhoria relativa

Educação

 

“Todos pela Educação”, “Escola para todos”, “Educação solidária”... São muitos os programas oficiais e “projetos” privados em busca de uma educação pública de qualidade, pelo menos pró-forma.

Um parênteses: “projetos”, no parágrafo anterior, está entre aspas por conta de minha desconfiança com projetos e ONG. Primeiro porque projeto significa algo futuro, plano de algo a ser executado; projeto, portanto, palavra tão em voga, é a consubstanciação da máxima do autor austríaco “o Brasil é o país do futuro”. Num país em que o presente vive pedindo socorro, o futuro só pode ser incerto. E em relação às ONG, a desconfiança dá-se por conta das enormes falcatruas, noticiadas á mancheia, envolvendo esses “institutos”, “fundações” e que tais. Há mais ONG roubando o erário do que bandidos nas ruas cariocas. Fecho parênteses.

A divulgação dos resultados do Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa), avaliação anual da educação mundo a fora, realizado pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) volta a colocar a educação em primeiro plano. Para os governistas e emprenhados pelas orelhas, o discurso ufanista de que estamos no caminho certo e o país melhorou; para opositores e profissionais da área da oposição ou isentos, há muita vitrine e pouco conteúdo.

Cláudio Moura Castro, um dos mais renomados especialistas em educação nacional deu uma no cravo e outra na ferradura em sua última análise sobre o Pisa. Percebe que em se tratando de meios materiais, deveras a escola pública melhorou. Não falta mais papel, carteiras, instalações físicas adequadas, alimentação escolar, piso nacional de salário dos professores etc, tudo graças ao Fundo Nacional da educação. Nisso ele está mais ou menos certo.

Recursos financeiros há, deixaram de faltar, mas sua fiscalização ainda é precária. Dinheiro para ônibus escolares zero quilômetro tornam-se aluguel de ônibus caindo aos pedaços; em salas de 50 alunos, superlotação comum em cursos noturnos, contam com 40 carteiras; alimentação escolar que deveria contar com cardápio montado por nutricionistas, via de regra são criados pelo menor preço e não pela melhor qualidade. Dos males o menor, uma vez que em regiões mais pobres a alimentação escolar é o melhor ou único atrativo para manter o aluno da escola.

A alimentação escolar e a Bolsa Família ajudaram a manter as crianças mais tempo na escola, o que torna mais alvissareira a melhoria dos índices internacionais. O tempo de escola é um dos critérios na avaliação da OCDE e este, sem dúvida, tem melhorado desde o governo de FHC, é poça em que foi criado o FNDE e a Bolsa Escola, o que há, então, de ruim? A qualidade.

A nova Lei de Diretrizes e Base da Educação, em vigor desde 1997, obrigava a qualificação dos professores, com terceiro grau, até 2007. Aos trupicões esse item da LDB foi cumprido. Municípios fizeram convênios com universidades públicas, fundações e faculdades particulares, presenciais ou a distância. A finada Licenciatura curta ressuscitou como medida emergencial e alguns professores foram “capacitados” em dois anos, a toque de caixa. Os menos exigentes dirão que melhor isso do que nada. Eu até concordaria se esse pouco não fosse quase nada. Não foram aplicados em grande escala, nessas capacitações, programas de qualificação de fato.

Educação, lógico, é investimento a longo prazo, o início foi dado, mas para gestores que não analisam o futuro, principalmente de tema tão complexo que a maioria não domina, mas tão somente seu próprio futuro eleitoral, nega-se a investir a totalidade do que a lei reza que deve ser investido.

Educação continua sendo mote de campanhas eleitorais e pouco de realizações de fato.

São muitos os descalabros, desmandos e desvios, mas isso é assunto para outro texto. A qualidade dos livros didáticos é duvidosa.

Há falta de planos de carreira; há o advento da malfadada formação continuada, mais um meio de manter o aluno em sala de aula e melhorar os índices internacionais; há a excessiva intromissão de pais leigos na regência de salas e gerenciamento das escolas; há a intromissão dos prefeitos no destino das verbas do PDDE e do PDE, verbas que são depositadas direto nas contas bancárias de cada escola e administradas diretamente pelos diretores e conselheiros; há a escolha de livros didáticos “mais fáceis”, que permitem que professores mal preparados consigam dar suas aulas sem maiores dores de cabeça. São muitas as contra-marés empurrando o barco de um desejado desenvolvimento rumo às condições antigas.

Todo o recurso financeiro direcionado para a melhoria da educação não compra a consciência e nem muda o mau preparo intelectual de muitos professores e gestores da educação. Muito ainda há a ser feito para que a decantada melhoria se dê mais do que apenas melhoria dos índices.

 

©Marcos Pontes

terça-feira, dezembro 07, 2010

Cachorro só cheira cachorro

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A personalidade fuçadora e inquieta e a ascensão social de Lula podem ter sido motivo de orgulho de Dona Lindu, sua digníssima progenitora, mas seu caráter seria motivo de vergonha, disso ele deu exemplos mil durante esses seus trinta e poucos anos de notoriedade pública.

Este primeiro parágrafo não foi lá uma grande introdução ao tema, então reescrevo-o assim: Cachorro só cheira cu de cachorro. Ficou muito mais deselegante, mas está mais de acordo com a idéia a ser desenvolvida.

Como tenho quase que as mesmas origens pobres e nordestinas do presidente, sei bem que o máximo de convites que recebíamos era para o aniversário do filho da vizinha com bolinho feito em casa e Q-Suco. Se as posses fossem um pouquinho maiores, guaraná.

Como fui um adolescente irresponsável e cheio de rebeldia, com ou sem causa, como foi Lula, penetrei muita festa, fosse por autoafirmação típica da idade, fosse para superar o complexo de rejeição por não ter sido convidado, seja apenas para comer e beber de graça.

Já adulto, muito provavelmente Lula recebia mais convites para churrascão na laje de algum companheiro, casamento de alguém do bairro ou companheiro do sindicato do que para festa de posse da nova diretoria do Corínthians ou da inauguração de alguma galeria de arte e, também provavelmente, penetrou em várias festas com os amigos da 51.

Hoje recebi um e-mail do blogueiro, tuiteiro e amigo admirado, Ery Roberto (@eryroberto ) em que dizia que ele ouvira pela CBN que 200 pessoas haviam entrado via carteiradas na festa da CBF, no Teatro Municipal do Rio, em que foram premiados os melhores times, torcidas, jogadores, técnicos e árbitros do campeonato brasileiro, fazendo com que vários convidados fossem barrados.

Saí em busca de notícias a respeito e tudo o que encontrei foi um artigo no Terra. Mais uma vez a imprensa comprada falhou. Aliás, quem noticiou o tumulto, culpou a CBF e seu cerimonial.

Assisti a alguns trechos da solenidade e percebi a superlotação das galerias, mas não imaginava que o motivo fora a entrada dos amigos do rei. Gente do mesmo caráter defeituoso do líder que forçaram a entrada, deixando de fora, por motivo de segurança, convidados de fato. Até o capitão do Corinthians, time terceiro colocado, e que deveria receber o troféu de bronze, fora barrado e mandado de volta para casa.

Lula pode ter deixado a pobreza, mas a pobreza de espírito não o abandonou e, pelo visto, continua se fazendo acompanhar por seus iguais. Legalmente, o que ocorreu poderia ser classificado como tráfico de influência por parte de seus companheiros. E me pergunto que multidão seria essas, quais seriam os 200 que se convidaram, deixando de fora quem deveria estar dentro.

A imprensa, mais uma vez, falhou ao não procurar a origem da bagunça, sobrando para a CBF o ônus.

Se num simples evento futebolístico as portas são derrubadas por amigos de Lula, fico me perguntando quantas portas e leis não são derrubadas em eventos em que os participantes catam cargos, comissões e dinheiro público? Quanta dessa gente não trata o país como uma festinha de bolo caseiro e Q-Suco e se apossa dele sem licença e sem convite? Quão grande não deve ser a participação do presidente no arrombamento de festas, seja por omissão, seja por cumplicidade permitida?

 

©Marcos Pontes

segunda-feira, dezembro 06, 2010

Samba é jazz?

 

 

Jazz é um ritmo estadunidense, de origem nas raízes negras, ou afroamericanas, como preferem os moderninhos politicamente corretos. Sua letras têm um forte caráter de improviso e ritmo sincopado. De 1914 até hoje, passando por Ray Charles e chegando a Amy Winehouse, as letras se prenderam em lamentar amores perdidos ou espinafrar o/a amante fujão/ona. Puxou para as dores de corno e break hearts. As mais moderninhas, como Rihanna, que quem a defenda como jazzista, partem para esculachar o objeto do desejo, ao contrário dos mais antigos, que se faziam de esculachado. Sinal dos tempos.

Já o samba, de origens ainda duvidosas levando estudiosos a se contradizerem, uns afirmando que ele é baiano, outros apostando que é carioca e os mais puristas defendendo a continentalidade africana, nasceu, isso sem qualquer dúvida, também da musicalidade negra, assim como o jazz.

A contradição em torno da origem do samba talvez dê-se por não existir só um tipo de samba, portanto, o que saiu da Bahia e foi para o Rio de Janeiro sofreu suas alterações, adaptando-se à temática, ao ritmo e os costumes cariocas. Os negros não vieram todos do mesmo lugar em navios negreiros, foram tirados de vários campos da África, principalmente do região subsaariana, tendo, portanto, as mais diversas bases culturais.

Samba de coco, samba de tambor, samba canção, samba de enredo... São muitas as variações e diversas as influências, desde o simples batuque tribal africano, passando pelo maxixe, a polca e até a música clássica. Tem até samba que nem parece samba. Para um leigo como eu, o Samba do Avião, do Tom Jobim, é difícil classificar como samba, mas se o autor disse que é e os estudiosos também, então, é.

Se na minha curta pesquisa não descobri muita variação temática, por outro lado, o samba fala de tudo, desde o gago apaixonado, do Noel, até os costumes da malandragem, como Pelo Telefone, do Donga; fala de amores perdidos e de catástrofes urbanas. Não se prende um ritmo e nem a um tema. O samba fala até de si mesmo, como em Samba de uma nota só, de Newton Mendonça e Tom. O samba não é, portanto, apenas um ritmo, mas um estilo, formado por vários subestilos.

O samba é jazz? Não, samba é samba e jazz é jazz. O fato de terem nascido do mesmo banzo da mãe preta não faz deles siameses. As sete notas são muito maiores do que a análise rasa de qualquer maniqueísta que tenta dar títulos fáceis e fazerem comparações incabidas.

Felizes dos que conseguem gostar de ambos sem a preocupação de compará-los. Quem não gosta de jazz, bom sujeito não é.

 

A @MarKramer , tuiteira sempre presente em minha TL (time line, para os não íntimos), sugeriu e eu, temeroso por dominar o tema, demorei a criar coragem para desenvolvê-lo. Não se intimide e dê seu pitaco.

 

©Marcos Pontes

sexta-feira, dezembro 03, 2010

Buraco sem fundo

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Precisaremos de um Wik Leaks nacional para descobrirmos as despesas do poder público?

Ah, dirão os governistas, mas existem sites, como o Portal Transparência, que mostra para onde está indo o dinheiro, basta pesquisar. Eu, um crédulo duvidoso, uma Velhinha de Taubaté ressabiada, digo que não é bem assim.

Temos uma fama histórica, principalmente aqui dentro, de sermos um povo criativo. Criamos o balão dirigível, depois o avião, criamos a máquina de escrever e deixamos a patente para os gringos, há quem diga que criamos a máquina fotográfica e deixamos os créditos para Louis Daguerre, há poucos anos vivíamos com inflação mensal de dois dígitos e tirávamos de letra, mas também somos criativos do mal.

Criamos, por exemplo, a nota fiscal fria, a maior invenção para os administradores públicos corruptos. No tempo da megainflação, uma obra era licitada por um preço, mas devido à alta constante dos preços, pagávamos várias vezes esse preço e as obras ainda ficavam pela metade ou eram concluídas com material inferior ao contratado. Com um arremedo de fiscalização e a Lei de Responsabilidade Fiscal, as obras inacabadas ficaram muito à vista e os bandidos tiveram que diversificar, descobriram a propaganda.

O mais notório dos bandidos da propaganda terminou sendo Duda Mendonça. Quantos milhões mesmo foram dados a ele pelo candidato Lula e pelo seu primeiro ano de governo e depositados no exterior sem prestação de contas ao Fisco? Fala-se em mais de trinta milhões. E onde estão as propagandas? Ah, essas são voláteis. Acabou-se o prazo de sua veiculação e elas, simplesmente, evaporam-se deixando vaga lembrança nuns poucos que as assistiram ou leram ou ouviram, nos demais, um vazio total.

A propaganda tornou-se as obras inacabadas da nova era republicana. Não deixam rastros, assim como honorários de advogados. Como não há tabela, eles cobram o preço que quiserem, os governos passam uma nota de cem quando só pagaram 50 e o restante fica para dividir entre os amiguinhos.

Em se tratando de despesas não comprovadas do governo federal, o buraco mais fundo, mais escuro e menos prospectado está na ciranda dos cartões corporativos da primeira dama e da Presidência da República. Em nome da segurança nacional, os gastos são escamoteados.

Mas são poucos milhões, perto do muito que é desviado. O que o presidente e sua digníssima estátua de cera e botox gastam com cartão corporativo nem faz cócegas nos milhões desviados em todos os escalões do governo. Se só na Assembléia Legislativa do Paraná desviaram-se 100 milhões de reais, quanto não foi pelo ralo sujo dos ministérios?

A reforma do Palácio da Alvorada passa dos 100 milhões, boa parte deles entregues sem licitação às empreiteiras amigas; o jato presidencial foi outra fábula e já se fala em comprar outro, talvez pela nova presidente ocupa mais lugar que o batráquio que sai; a FAB deverá comprar os Rafalle, muito menos eficientes que os F-18, o que leva à desconfiança de que a propina a ser paga deva ser muito boa e por aí vai.

Sintomático o fato de que os maiores financiadores das campanhas eleitorais, não só a nível federal, mas também nos estaduais, foram empreiteiras. Estariam elas comprando a aprovação em licitações às custas de financiamentos legais? Não digo que sim, mas desconfio profundamente.

Pagar impostos não é tão ruim, péssimo é não recebê-los de volta em benefícios para todos e ver uma fatia muito gorda ser engolida pelos corruptos que nos governam. Esse papo do novo ministério de gastar menos e equilibradamente já é sepultado no nascedouro a partir do momento em que o insigne partinte presidente defende compra de um avião milionário e estrangeiro. Um pouco menos pior seria se se comprasse avião da Embraer, que exporta para empresas e governos, mas não vende para o nosso próprio governo federal.

 

O tema desse texto foi desenvolvido a partir da sugestão da tuiteira @Zinha_09, a quem agradeço.

 

©Marcos Pontes

quinta-feira, dezembro 02, 2010

No meu tempo já era assim

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No Brasil Colônia a política era hereditária. Só os ricos e nobres (parece piada falar em nobreza num arremedo de país colonizado por traficantes, escravistas, ladrões e desterrados), além de seus apaniguados, poderiam exercer cargos públicos. Na inauguração dos governos instituiu-se o nepotismo.

Essa prática tornou-se característica permanente, ou quase.

Dom Pedro I, no auge de sua diarréia às margens do Ipiranga nos separou politicamente da matriz, mas as moscas permaneceram. De pai para filho desde 1510, os cargos públicos permaneceram nas mãos dos amiguinhos, puxa-sacos e dos filhos playboys dos grandes comerciantes que poderiam emplacar suas crias na gerência do Estado.

Veio a república e o vício permaneceu. Deodoro mudou a forma, mas não o conteúdo do modo de se fazer política por aqui.

Já estava arraigada na cultura político-administrativa nacional a práxis de se colocar nos cargos e eleger para os parlamentos municipais, estaduais e federal não os mais competentes nem os mais técnicos, mas os mais fiéis ao chefe de algum clã. Raramente alguém conseguia furar o cerco e emplacar-se. Oligarquias proliferavam-se e solidificavam-se Brasil a dentro.

O país ampliava suas fronteiras e os ratos se proliferavam, como ainda hoje e pela natureza dos ratos, em progressão geométrica. Dividiram-se as capitanias hereditárias, depois os estados para dar lugar aos mantenedores financeiros das famílias mandonas, seja pela paz, seja pela cisão. Novos estados, novas oligarquias.

O Nordeste é sempre o berço das oligarquias, no ideário popular, mas elas apenas mudam de forma em todo o país. Se no Maranhão há hoje a mais conhecida das oligarquias, com a malta Sarney mandando, desmandando e contando com o apoio sucessivo dos governantes federais e do Judiciário, em toda a Federação existem os grupelhos familiares se dividindo e alternando nos postos eletivos ou indicados.

Na Bahia, os Magalhães; em Pernambuco, os Arraes; no Rio, os Brizola e os Maia; em Minas, os Neves; no Ceará, os Cals; no Pará, os Barbalho; em Santa Catarina, os Amin... Não precisa governar diretamente e nem estar nas manchetes do noticiário político, mas estão lá, ocupando ou indicando, postos importantes da máquina ou ocupando cadeiras com o sobrenome ou com nomes de agregados nos legislativos e judiciários.

Os Maia, por exemplo, no Rio, criaram Índio, o vice de Serra. Se esse moço tiver equilíbrio e esperteza, logo se emancipa de sua família criadora e forma seu próprio feudo. Via de regra, é assim que se faz.

João Durval Carneiro, por exemplo, foi catapultado à condição de celebridade política por Antônio Carlos Magalhães. Ganhou nome e vulto, separou-se do seu Frankenstein e hoje tem filho prefeito de Salvador, nora deputada federal eleita, outro filho deputado federal e ele próprio no Senado. Os Siqueira Campos ganharam o estado de Tocantins de presente, quando este foi separado de Goiás – que, por sua vez divide seu território e seus cargos públicos com parentes e amigos de Íris Rezende e Marconi Pirillo. Os Siqueira Campos fizeram fortuna, abandonaram o poder virtual, mas espalham-se como metástase nas estranhas do estado.

Via de regra, mesmo quando fora do poder virtual, chefes de oligarquias fazem candidatos e emplacam alguns, usam de sua influência, chantagem e poder econômico para preencherem cargos estratégicos para seus negócios e negociatas, indicam desembargadores e delegados... A festa está feita, os caminhos abertos para fazerem, desfazerem e, literalmente, soltarem e prenderem.

A política nacional é viciada em todos os seus níveis. Quem conhece algum partido por dentro já deve ter visto, por exemplo, um candidato a candidato, por exemplo, a deputado estadual ser “convencido” pelos dirigentes do partido a abrir mão de sua candidatura e apoiar alguém de mais interesse para a cúpula. Não interessa se aquele afastado seria melhor parlamentar do que o indicado, o que interessa é o que o eleito pode fazer pelos amiguinhos .

Na atual montagem do mega ministério da presidente eleita, está claríssima a manobra dos bastidores. A presidente não tem a mínima força política natural, seu único trunfo é ser próxima do Lula, amiga do capo, mas não é amiga do Dirceu, o dono herdeiro do PT, nem de seus coligados; não é amiga, sequer interlocutora de seu vice, o testa – e que testa cheia de botox – de ferro do PMDB. Por essas e outras, os rios da política só correm para pó mar de lama das lideranças.

Ingenuidade do eleitor que acredita que pode mudar a política mudando os políticos. O feudalismo, a corrupção, o nepotismo e o oligarquismo corre da mesma cor nas veias de todos eles, antigos ou recém aparecidos.

 

Tema desenvolvido a partir de sugestão do tuiteiro @JrMouraBa , a quem agradeço.

 

©Marcos Pontes

quarta-feira, dezembro 01, 2010

Gente Humilde

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“Eu nunca sonhei com você

Nunca fui ao cinema

Não gosto de samba

Não vou a Ipanema

Não gosto de chuva

Nem gosto de sol...” (Lígia, de Chico Buarque e Tom Jobim)

Quando a moda musical era a música sertaneja, que algum engraçadinho apelidou excelentemente como “sertanojo”, aquela ex-sem-terra e hoje piloto de Fórmula Truck, Débora Rodrigues, xingou uma celebridade, de quem não lembro o nome, porque o rapaz havia dito que não gostava do dito estilo musical. Agora me vejo imaginando o que o povo de Ipanema falaria mal do Chico e do Tom por eles não gostarem de sol e jamais terem ido a Ipanema; o quanto seriam xingados pelos sambistas por não gostarem de samba. Se eu tivesse um pouquinho mais de bom humor, me divertiria com a chatice que o mundo tem se tornado.

Você é quase obrigado a gostar de filme brasileiro, de novela brasileira, de futebol, de Chico Anísio (ou Anysio, porque pobres de espírito adoram y e w) e mais um monte de coisinhas.

Está no receituário dos politicamente corretos, dos papagaios acéfalos e nos livros de auto ajuda para os papagaios acéfalos: Se você quer fazer sucesso, comece sendo você mesmo. Só essa segunda oração do período tão imbecil já daria uma enciclopédia. Como ser “você mesmo”? Alguém consegue ser outra pessoa? Até quando você finge ser quem não é, está sendo você mesmo, ou seja, uma pessoa dissimulada.

Como vou ser eu mesmo se eu for, por exemplo, um pedófilo? “Por favor, respeitem minha opção sexual, eu sou um pedófilo e exijo respeito”. Tá legal, mudemos, então, as leis e o senso popular para que o pedófilo seja aceito como um respeitável cidadão e não um psicopata. Para isso, modifiquemos também os anais da psiquiatria.

“Por favor, troquem a arrumadeira do meu quarto. A atual é lésbica e eu sou homófobo”. Prontamente o hóspede teria seu pedido, afinal de contas ser homófobo é um direito seu tanto quanto ser lésbica é direito da camareira.

Ah, mas o politicamente correto também não diz que somos todos iguais? Aliás, o politicamente correto diz que temos que saber viver com as diferenças. Peraí, afinal de contas somos todos iguais ou todos diferentes? Ou somos todos iguais em nossas diferenças? Ou somos todos diferentes em nossa igualdade?

“Senhor, por favor, sente-se e aperte o cinto, o avião está pronto para decolar”; “Não, aeromoça (só os comissários de bordo se tratam como comissários de bordo, repararam?), vocês colocaram um oriental na poltrona ao lado da minha e eu sou racista”; “Bem, senhor, como ele chegou primeiro, arrumaremos para o senhor um lugar na primeira classe ao lado de outro negro”. Tá, todos teríamos o direito de sermos racistas, como se houvesse mais de uma raça humana, mas isso é papo para biólogos e filósofos.

O politicamente correto prega, por exemplo, o respeito ao credo alheio proibindo drasticamente que se fale mal dos credos minoritários, como o judaísmo ou as religiões afro-brasileiras, mas falar mal do catolicismo, pode. Tudo o que for maioria está sujeito a pedradas e aceitação passiva dos politicamente corretos. Pode-se, por exemplo, xingar um machista, mas nem pensar em macular as convicções feministas; pode-se ultrajar o patrimônio dos ricos (tá, os ricos não são maioria em número, mas são em numerários o que faz deles alvos legítimos dos pobres, desculpa, dos menos favorecidos, historicamente explorados e blá-blá-blá esquerdista), mas nem pensa em chamar pobre de pobre. O mesmo Chico Buarque, na magnífica e emocionante “Gente Humilde” apelidava pobres de gente humilde. Pobre é ofensa.

Aliás, virou ofensa chamar bairro de bairro e favela de favela. Agora são “comunidades”. Coletivo de “gente humilde” é “comunidade”. Os milionários de Angra não formam comunidade em seus condomínios fechados; os sócios do Pen Club não formam uma comunidade; não pode mais existir a comunidade científica. Esses privilegiados que arrumem outro nome para suas associações, comunidade é coisa de “gente humilde”.

Esse mundinho está muito chato! Já passou da hora de acabarmos com essas tais “justiças sociais” e os pseudo “resgates históricos” . Justiça social é tratar todo cidadão com os mesmos direitos como manda a Constituição Federal e não criar castas privilegiadas pela cor da pele, opção sexual, altura ou massa corporal. Resgate histórico é desculpa de recalcados que, a seu favor, pregam que as gerações atuais paguem pelos desmandos de seus tetravós, impingindo a todos os crimes de outrem, num claro desrespeito às normas legais.

 

©Marcos Pontes