Quando criança e adolescente, ouvia muito falar em filosofia de vida, hoje essa expressão está meio fora de moda, talvez porque filosofia ou qualquer exercício intelectual esteja completamente démodé, tanto quanto a palavra démodé.
Pois bem, de tanto ouvir a dita expressão, ficava me perguntando qual seria minha filosofia de vida, quais seriam meus objetivos, quais os melhores caminhos a alcançá-los e tais que coisas. Deveras, esse negócio de filosofar é trabalhoso. E, em se tratando do próprio umbigo, não adianta ler Anaxágoras, São Tomás de Aquino, Aristóteles, Kant, Kierkegaard, Sartre, Pascal ou seja lá que nome dos mais altos panteões filosóficos, eles não conhecem seu umbigo. Ou melhor, meu umbigo.
Pensar é como aquela dorzinha muscular no dia seguinte a uma caminhada: dói, mas é gostoso. Eu buscava entender o que me movia, além de arroz, feijão e as ordens da mãe para ir à escola, estudar e lavar as próprias cuecas.
Um dia, após uma viagem de avião, comecei a entender como deveria viver e como eu já vivia e não sabia. Adotei para mim a filosofia do avião: “Senhores passageiros, em caso de descompressão da cabine, máscaras de oxigênio cairão do teto. Coloque a sua primeiro para depois tentar ajudar às pessoas ao seu redor”, diz aquela voz feminina robótica e fria como o ar das alturas.
Entendi que aquilo que eu achava egoísmo é autopreservação e solidariedade. Se você não estiver bem, como poderá ajudar aos outros? Se quem te cerca estiver mal, como você poderá ficar bem? Há um ciclo, uma simbiose entre mim e quem me cerca? Não sei se círculo ou simbiose, mas há uma interdependência. Se meu vizinho estiver empregado, alimentado e feliz, não pulará o muro para roubar minha casa; se eu estiver empregado, alimentado e abrigado, poderei começar a ajudar ao vozinho, ao vizinho do vizinho, ao quarteirão e pela cidade a fora.
Havia me presenteado com uma filosofia de vida. Ou melhor, aquela aeromoça havia me dado este presente.
Depois de muitas cabeçadas, muitas mudanças de rumo, de prumo e de objetivos, entendi que olhar para trás é perda de tempo, a não ser quando for para tirar alguma lição ou acalentar o coração com boa memória, mas por puro saudosismo, por autopiedade, autoflagelação ou qualquer outra forma de sofrer, é burrice. Presenteei-me com a segunda filosofia de vida: viver em perspectiva.
Antes disso eu lia e assistia a todas as retrospectivas dos anos que se acabavam, já não o faço mais. Numa olhadela rápida por cima dos ombros, agora que toquei no assunto, vejo um monte de perrengues, todos ultrapassados, alegrias indeléveis da memória e do coração; vejo os vizinhos no mesmo caminhos; alguns, graças a Deus, poucos cadáveres; muitos surgimentos, por parto ou pela proximidade da nova amizade. Há, no ano que se acaba, nada mais e nem menos que vida, pura e simples vida. E ela continua.
Nada de olhar para trás apenas pelo prazer da saudade, hora de apontar o nariz para a frente e caminhar sem medo, firme e honestamente, preparado para dores, amores, alegrias, dores de cabeça, fortuna ou dureza, pouco importa. Planejar nada tem a ver com adivinhar, predizer, sofrer por antecipação ou contar com o ovo no fiofó da galinha. Planejar para o sucesso, sabendo que troncos atravessados na estrada surgirão, mas sem temor. A cada passo uma alegria por ter conseguido dá-lo e já preparando para o próximo, em frente sempre.
Primeiro coloque sua máscara de oxigênio, depois de ter a respiração ordenada, ajudar à senhora da cadeira ao lado e pensar no pouso da aeronave, não na decolagem que já foi.
Sejamos muito felizes em 2011, sem pensar muitos em 2010.
©Marcos Pontes