Conjuntivide dá no terceiro olho?
Demitido
Quando tinha dezoito anos, cursando contabilidade numa escola estadual de segundo grau, Diocleciano foi convidado pelo filho mais velho da patroa de sua mãe, dona Kattyllenny, para trabalhar na empresa de plano de saúde que o rapaz acabara de criar.
Por trinta e dois anos Diocleciano não faltou um dia, participou de todas as etapas de crescimento da firma que já se tornara uma das maiores do ramo, atendendo mal, como é praxe no ramo, em todo o país. Por detrás de sua mesa viu milhares de outros empregados serem admitidos, promovidos e demitidos. Aprendeu com Crinauro, o patrão, a ser frio ao dizer a um cliente que o plano contratado não cobria esse ou aquele atendimento médico.
Acompanhava as mudanças impostas pelos sucessivos governos na legislação que regia os planos de saúde, viu seu patrão ficar rico, esteve no velório e no enterro do milionário Crinauro, esteve na posse de Crinauro Júnior na presidência da empresa, fez parte da modernização que trocara as máquinas Olivetti de datilografia por IBM elétricas e depois por computadores. Viu antigos companheiros serem substituídos por jovens doutores recém-formados, com sangue fresco e frio correndo nas veias e milhares de idéias renovadoras.
Certo dia, ao chegar ao trabalho, foi avisado pela secretária dos Recursos Humanos que deveria apresentar-se imediatamente ao chefe do setor. Seria comunicado que estava sendo demitido e que cumpriria os trinta dias de aviso prévio, pelo estóico gerente.
Sem perguntar por que, sem discutir, sem demonstrar qualquer emoção Diocleciano assinou os papéis, deu baixa na Carteira Profissional e voltou para sua escrivaninha.
No mês seguinte pareceu que nada havia mudado. O homem de 50 anos e rala cabeleira branca continuava a aparecer pontualmente, batia o ponto, assumia o lugar em sua mesa de mais de três décadas e trabalhava normalmente.
Para a surpresa de todos, apareceu no trigésimo primeiro dia e repetiu a rotina. Chamado novamente à gerência de R.H. foi comunicado que não precisaria voltar mais, já não trabalhava mais ali.
Com um simples "sim, senhor" despediu-se do gerente e voltou ao trabalho. Naquela idade só sabia fazer aquilo e ninguém mais contrataria alguém tão velho para um trabalho que qualquer garoto faria pela metade do salário.
No dia seguinte, mais uma vez viam Diocleciano trabalhando normalmente.
De nada adiantou trocarem as senhas dos computadores, as fechaduras, chamarem os seguranças... Diocleciano arrumava um jeito de voltar à antiga mesa, descobrir as novas senhas, esperar alguém abrir a porta para entrar junto, dar a volta no prédio e entrar pelos fundos junto com o pessoal dos serviços gerais que não ousava lhe dizer palavra.
Acostumados com sua insistente presença e não vendo mal nenhum naquela teimosia, terminaram desistindo do teimoso ex-funcionário. Estava sendo dispendioso e desgastante se preocuparem tanto com aquele velho que, ademais, era eficiente nas tarefas a que se propunha. Dois meses depois de sua demissão, após uma reunião os diretores concluíram que melhor seria deixar Diocleciano em paz e concentrarem-se nos rombos de caixa que vinham se repetindo constatemente sem que qualquer um daqueles muitos técnicos conseguisse explicar o mistério. Não era nenhuma quantia assustadora que pusesse em risco a manutenção da empresa, mas eram diárias as pequenas diferenças na contabilidade. As contas nunca batiam.
Contrataram consultores, fizeram serões e serões, infinitas reuniões, funcionários substituídos a cada semana, setores terceirizados e o mistério continuava: para onde e como estava saindo aquele dinheiro? Indiferente ao pânico que se formara indiferente à sua presença, Diocleciano trabalhava.
Por cinco anos as coisas continuaram na mesma. Trocaram os programas dos computadores, trocaram os consultores, trocaram os diretores, aumentaram as seguranças, mas o dinheiro continuava sumindo e Diocleciano continuava trabalhando. Já se calculava em mais de dois milhões a quantia sumiada nesse período. Não era nenhuma exorbitância para o império, por outro lado, era uma quantia nada desprezível em qualquer lugar do mundo.
Algo diferente aconteceu certo dia. Embora ninguém lhe desse atenção, todos perceberam sua ausência. Diocleciano não aparecera para trabalhar, o que foi um misto de alívio, saudade e piadas. O velhinho estava em Fernando de Noronho, curtindo a aposentadoria na pousada que montara, mais de dois milhões na conta e uma rede na varanda. Coincidentemente naquele dia o caixa da empresa não acusou qualquer irregularidade.
Por trinta e dois anos Diocleciano não faltou um dia, participou de todas as etapas de crescimento da firma que já se tornara uma das maiores do ramo, atendendo mal, como é praxe no ramo, em todo o país. Por detrás de sua mesa viu milhares de outros empregados serem admitidos, promovidos e demitidos. Aprendeu com Crinauro, o patrão, a ser frio ao dizer a um cliente que o plano contratado não cobria esse ou aquele atendimento médico.
Acompanhava as mudanças impostas pelos sucessivos governos na legislação que regia os planos de saúde, viu seu patrão ficar rico, esteve no velório e no enterro do milionário Crinauro, esteve na posse de Crinauro Júnior na presidência da empresa, fez parte da modernização que trocara as máquinas Olivetti de datilografia por IBM elétricas e depois por computadores. Viu antigos companheiros serem substituídos por jovens doutores recém-formados, com sangue fresco e frio correndo nas veias e milhares de idéias renovadoras.
Certo dia, ao chegar ao trabalho, foi avisado pela secretária dos Recursos Humanos que deveria apresentar-se imediatamente ao chefe do setor. Seria comunicado que estava sendo demitido e que cumpriria os trinta dias de aviso prévio, pelo estóico gerente.
Sem perguntar por que, sem discutir, sem demonstrar qualquer emoção Diocleciano assinou os papéis, deu baixa na Carteira Profissional e voltou para sua escrivaninha.
No mês seguinte pareceu que nada havia mudado. O homem de 50 anos e rala cabeleira branca continuava a aparecer pontualmente, batia o ponto, assumia o lugar em sua mesa de mais de três décadas e trabalhava normalmente.
Para a surpresa de todos, apareceu no trigésimo primeiro dia e repetiu a rotina. Chamado novamente à gerência de R.H. foi comunicado que não precisaria voltar mais, já não trabalhava mais ali.
Com um simples "sim, senhor" despediu-se do gerente e voltou ao trabalho. Naquela idade só sabia fazer aquilo e ninguém mais contrataria alguém tão velho para um trabalho que qualquer garoto faria pela metade do salário.
No dia seguinte, mais uma vez viam Diocleciano trabalhando normalmente.
De nada adiantou trocarem as senhas dos computadores, as fechaduras, chamarem os seguranças... Diocleciano arrumava um jeito de voltar à antiga mesa, descobrir as novas senhas, esperar alguém abrir a porta para entrar junto, dar a volta no prédio e entrar pelos fundos junto com o pessoal dos serviços gerais que não ousava lhe dizer palavra.
Acostumados com sua insistente presença e não vendo mal nenhum naquela teimosia, terminaram desistindo do teimoso ex-funcionário. Estava sendo dispendioso e desgastante se preocuparem tanto com aquele velho que, ademais, era eficiente nas tarefas a que se propunha. Dois meses depois de sua demissão, após uma reunião os diretores concluíram que melhor seria deixar Diocleciano em paz e concentrarem-se nos rombos de caixa que vinham se repetindo constatemente sem que qualquer um daqueles muitos técnicos conseguisse explicar o mistério. Não era nenhuma quantia assustadora que pusesse em risco a manutenção da empresa, mas eram diárias as pequenas diferenças na contabilidade. As contas nunca batiam.
Contrataram consultores, fizeram serões e serões, infinitas reuniões, funcionários substituídos a cada semana, setores terceirizados e o mistério continuava: para onde e como estava saindo aquele dinheiro? Indiferente ao pânico que se formara indiferente à sua presença, Diocleciano trabalhava.
Por cinco anos as coisas continuaram na mesma. Trocaram os programas dos computadores, trocaram os consultores, trocaram os diretores, aumentaram as seguranças, mas o dinheiro continuava sumindo e Diocleciano continuava trabalhando. Já se calculava em mais de dois milhões a quantia sumiada nesse período. Não era nenhuma exorbitância para o império, por outro lado, era uma quantia nada desprezível em qualquer lugar do mundo.
Algo diferente aconteceu certo dia. Embora ninguém lhe desse atenção, todos perceberam sua ausência. Diocleciano não aparecera para trabalhar, o que foi um misto de alívio, saudade e piadas. O velhinho estava em Fernando de Noronho, curtindo a aposentadoria na pousada que montara, mais de dois milhões na conta e uma rede na varanda. Coincidentemente naquele dia o caixa da empresa não acusou qualquer irregularidade.
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