- Não é meu hábito copiar artigos alheios, mas gostei da análise do Samuel Celestino no Jornal A Tarde, por isso a reproduzo:
O Pato Manco
O pato manco a quem Lula lançou uma boia de salvamento morreu. Quem preside o Senado Federal é a sombra do ex-poderoso coronel maranhense, oligarca do seu feudo e do feudo grilado, o Amapá, onde instalou um falso domicílio eleitoral para chegar ao Senado, já que não poderia sê-lo por seu Estado. Isso aconteceu ao deixar a Presidência da República, com o maior índice de inflação de que se tem notícia.
O pato manco do Senado é um vulto que atravessa agora os corredores do Congresso, e anda sem ser perturbado pelo Senado, sem ter atrás (como acontece com todos os presidentes) uma romaria de jornalistas, repórteres fotográficos e cinegrafistas. Embora não seja essa a razão, deve-se à imprensa dar um crédito especial por deixar-lhe em paz.
É bom que Sarney consulte a si próprio e sinta que não valeu a troca da sua cadeira pela promessa de apoio à candidatura Dilma, representando o fisiológico PT nacional. Vocês acham que resta a José Sarney poder para afiançar uma aliança? O PT e o PMDB estão bem, vivem uma aliança em plano nacional aos tropeços porque as legendas tropeçam e se desencontram nas políticas estaduais.
Em diversas unidades da Federação os partidos se bicam na corrida para os governos estaduais, a exemplo daqui, onde Jaques Wagner dança uma valsa e Geddel Vieira Lima, um xaxado. Ou vice-versa, porque não sei o gosto que têm de música e ritmos. Na Bahia, no entanto, há uma diferença: tanto Wagner como o PMDB de Geddel apoiam Dilma. Mas a razão, translúcida, clara, está no fato de Geddel ser ministro. E aí está a resposta para os petistas que enxergam com viseira, o que não conseguem numa visão de 180 graus, quando pedem a saída dele do ministério: o fato de Geddel ser ministro nada tem a ver com a Bahia e, sim, com a sucessão presidencial.
O PMDB é picotado em interesses. Tem duas correntes marcantes: em uma está, ou estaria, a força do pato manco Sarney; na outra, o agrupamento do presidente da Câmara dos deputados, Michel Temer, da qual Geddel Vieira Lima é integrante. Daí porque o governador Wagner ter dito que o acordo para Vieira Lima ser ministro não foi feito com ele, e, sim, pelo presidente Lula com Michel Temer.
O que foi então que o PT, o presidente Lula e a pré-candidata Dilma ganharam com a luta que empreenderam para mantê-lo na cadeira? Nada, absolutamente nada. Ao contrário, perderam e muito, por estarem agora em tertúlias com o que há de pior na instituição. Lula deve se arrepender de ter falado, um dia, da existência de 300 picaretas no Congresso. Ou lembrar, nostálgico, de outros tempos em que era um visionário de ética e da República limpa, honesta, federalista. O tempo é mesmo implacável: melhora ou piora até determinar o fim de um ciclo. De coisas e de pessoas.
Agora, Sarney tem de ficar mesmo é “sentadinho na cadeira” (lembra-me outro episódio registrado no Senado) como ficou provado na segunda-feira. Aproveitou um plenário vazio, ou propositadamente vazio, com apenas sete senadores, para fazer um discurso sobre o centenário da morte de Euclides da Cunha, autor de Os Sertões, que viveu entre a gçória e a tragédia.
Era um discurso para ficar apenas na sua biografia, corroída pelas traças, política, intelectual que é. Não deu importância que lá, num cantinho, estava o senador petista Eduardo Suplicy, que, em aparte, o questionou sobre a crise e as embrulhadas administrativas da instituição. Sarney respondeu falando em “educação”. Ora, educação de Suplicy. O que o petista queria saber do pato manco era sobre ética, a tentativa de alardear a crise não passou, porque jamais passará. Pelo contrário, ficará registrada na história do Senado como um dos seus momentos mais tristes e inglórios.
Agora, José Sarney fica a entender que lhe é proibido falar da tribuna. Ficar sentado na cadeira da presidência é a pena que lhe é imposta. Porque é possível que toda vez que ele quiser discursar, o fará sabendo que a qualquer momento poderá ser aparteado por um dos senadores. Se tiver a coragem de subir à tribuna, estará tr~emulo, inseguro, patinando nas palavras.
Porque se pato já anda feio, imagine um pato manco, expressão cunhada pelos americanos para rotular políticos que caíram em desgraça e perderam o respeito e a confiança.
©Marcos Pontes