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segunda-feira, janeiro 05, 2009

Novo Acordo Ortográfico - Prós e Contras

Os Acordos

Em 1910, pouco tempo depois da instauração da República no Brasil, uma “comissão de notáveis” reuniu-se em Portugal com o propósito de discutir, normatizar e unificar a aplicação da língua através de uma “ortografia simplificada” que passaria a ser usada nas publicações oficiais e no ensino. Nessa primeira tentativa, as normas portuguesas prevaleceram, o que não mudou muito nos lados de cá do Atlântico. Contudo, o povo brasileiro, mais miscigenado culturalmente que o luso, tinha a cada dia novas palavras e influências incorporando-se à língua falada e à escrita. Essa característica de dinamização ainda é mais notada nos dias de hoje, tanto que os outros seis países que falam português costumam adotar gírias e neologismos brasileiros com mais facilidade e freqüência do que nós adotamos deles.

Esse constante enriquecimento da língua portuguesa falada no Brasil levou alguns teóricos a discutirem a existência de uma língua brasileira, originada da portuguesa, mas com independência em sua estrutura. Tal discussão ainda permanece, embora mais apagada nesses tempos tediosamente politicamente corretos. Nos anos 60, 70 e 80 a regra era falar mal da colonização portuguesa, do extrativismo e contrabando de nossas riquezeas. Hoje, com a balela de "resgate histórico", temos a aobrigação de enaltecer nossos ancestrais índios, negros e europeus. Assim deveria ter sido sempre, não por oredem da política mandatária momentânea.

Como não é difícil de se entender, a dita reforma de 1910 não deu em muita coisa. O Brasil recebia, além de portugueses, italianos e japoneses em grande levas, o que tinha reflexos diretos na estrutura da gramática praticada e no léxico. A despeito da vontade dos governos, a população, que é quem realmente usa a língua, não deu bola para os acordos de gabinetes, falava e fala como bem lhe conviesse. Brasil e Portugal continuavam a falar portugueses tão diferentes, ao ponto de parecerem dois idiomas. Mais uma vez os doutos se reuniram, dessa feita em 1924. Membros da Academia de Ciências de Lisboa e da Academia Brasileira de Letras voltaram a discutir a unificação ortográfica. Um dos pecados, entre tantos, dos dois grupos, foi desprezar os demais países lusófonos. Desprezaram também o povaréu, vício que ainda persiste entre as elites econômicas e intelectuais que julgam o homem do povo como gado que tem que seguir as determinações dos ditos “escalões superiores”. As reuniões de 1924 levaram a um acordo firmado em 1931. Portugal impôs as regras e nós adotamos a ortografia decidida em Lisboa em 1910. Tecnologicamente já afirmávamos nosso eterno atraso em relação à Europa. Adotávamos com 21 anos de atraso as normas que Portugal estabelecera. O Brasil de ’31 usava o português que Portugal começou a usar em ’10. Óbvio que a unificação não daria certo, já nascera velha.

Foram necessários oito anos para que os acadêmicos e governantes percebessem que a defasagem ainda existia e havia se agravado. Mais uma reunião dos catedráticos se fazia necessária e esta ocorreu em 1943 e deu origem ao Acordo Ortográfico de 1945. Tal acordo tornou-se lei em Portugal, mas foi desprezado pelo Congresso brasileiro. Nessa época os intelectuais brasileiros davam muito mais importância ao francês e à França do que ao português e Portugal, por isso não fizeram qualquer interferência junto aos políticos para que as unificações ortográfica e gramatical se efetivassem. O que regia a língua no Brasil era o Formulário Ortográfico de 1943, uma espécie de minuta do acordo firmado em 1945. Portugal adotava o acordo final e nós ficávamos com o rascunho.

Em 1971, uma nova tentativa e um novo acordo. Perceberam os estudiosos que a maior discrepância entre os falares e escreveres dos dois países estava na acentuação. Foi, então, a acentuação o alvo maior da reforma proposta. O resultado, pela primeira vez, foi realmente proveitoso. As diferenças foram diminuídas em 70%, índices nada desprezáveis. Desde a primeira tentativa de uniformização, há 61 anos, pela primeira vez acontecia algo de verdade nessa direção. O povo, porém, continuava esquecido e com a “mania maluca” de inventar palavras, criar gírias, subverter as normas doutas. Felizes com os resultados obtidos em ’71, nova cúpula foi reunida em 1973. Novas discussões, novas propostas e novo acordo que deveria ser promulgado nos dois países em 1975. A prova de que tais acordos eram mais políticos do que literários é comprovada com a não adoção oficial do que fora decidido por conta das ditaduras que regiam Brasil e Portugal. Os generais não se preocupavam com o idioma e seus praticantes, mas com o poder.

Em 1986, durante o governo de José Sarney, escritor eleito para a Academia Brasileira de Letras em 1980, no Rio de Janeiro, são reunidos, pela primeira vez, os sete países lusófonos (Portugal, Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe – Timor Leste ainda não tinha sua independência reconhecida). Mais um acordo foi firmado, mas não foi levado adiante. Se já era difícil praticar acordos entre apenas dois países, como esperar que com sete seria mais fácil?

Quatro anos depois, em Lisboa, é firmado o Acordo Ortográfico de 1990, que agora se solidifica com as reformas adotadas em todos os países de língua portuguesa a partir de primeiro de janeiro de 2009.

Esse acordo vingará? Provavelmente com parcialidade, como todos os demais. Para nós é meio difícil saber como estão sendo recebidas as mudanças nos demais países, por outro lado, por aqui a imprensa bem que tem tentado esclarecer as dúvidas, resta saber se os leitores e escritores estão interessados, preparados e aptos para saná-las.

Ironicamente, dos três Poderes da República, somente o Judiciário Federal se preparou e adaptou para as mudanças. Segundo informa a Folha de São Paulo, o executivo e o Legislativo continuam aplicando a velha ortografia (engraçado chamar de velho o que deixou de vigorar há poucos dias, coisa da modernidade veloz). O presidente da República, que se orgulha de jamais ter lido um livro, assinou o acordo, os parlamentares o aprovaram e nenhum dos dois adota. Ou seja, leis são para os cidadãos, não para quem as faz, o que nos leva a concluir que quem faz as leis não são cidadãos. Mas essa é outra história.

Como Se Atualizar

Jornais, revistas e sites estão divulgando amplamente a nova ortografia, onde acontecem mudanças e onde tudo continua como está. Ainda existem controvérsias em relação, principalmente, ao uso do hífen em algumas palavras, numa clara demonstração de que a língua não é estática e as interpretações das regras também não são uniformes. Se os acadêmicos e doutores não conseguem concordar em tudo, o que esperar de cidadãos comuns e estudantes?

Certa vez ouvi de um amigo juiz de direito que muitos de seus colegas se opunham a mudanças nos Códigos Civil e Penal para não terem que voltar a estudar. Togados há 20, 30 anos, teriam de voltar à carteira de estudante para aprenderem as novas regras. Levando-se em conta que os professores de gramáticas e literatura são muito mais numerosos que os juízes, é de se esperar que a quantidade de despreparados e desinteressados também seja muito maior, o que refletirá diretamente no aprendizado dos estudantes.

É para os pais e alunos começarem a se preocupar com os próximos vestibulares e concursos. Muito provavelmente as universidades já estarão preparadas para exigirem as normas vigentes, não será admissível, como prega a Constituição Federal e os preceitos legais a alegação de desconhecimento das leis. Como as novas regras ortográficas são lei, todo cidadão terá de conhecê-las, mesmo que os mandatários do país não as conheçam.

Para quem usa a língua para se comunicar apenas, sem a obrigatoriedade do uso formal exigido pelos concursos, a adaptação será mais lenta e difícil, caso se queira aprender empiricamente. Por muito tempo os adultos cometerão erros de escrita que até ontem não eram erros. Não é, porém, motivo para pânico ou medo.

Pelo novo acordo, as partes terão até 31 de dezembro de 2012 para adaptarem-se. No caso dos livros didáticos, algumas editoras já apresentam a nova grafia no catálogo, outras farão as adaptações paulatinamente. Aos pais, cabe o dever de pesquisarem junto às escolas se o material didático adotado está devidamente atualizado.

Há uma controvérsia de menor importância sobre o total da língua a ser modificado. Estima-se algo entre 0,5% e 2% do total de palavras. Percentualmente é um número pequeno, mas quantitativamente, segundo a Academia Brasileira de Letras, que conta 400.000 palavras no nosso idioma, seriam 2.000 a 8.000 palavras alteradas, muitas delas jamais usaremos, outras tantas poderiam ser responsáveis pela reprovação em um concurso público.

A população lusófona está em torno de 210 milhões de pessoas. Isso significa que os acordos feitos em gabinetes alterarão 210 milhões de escritas mundo a fora (otimismo desse autor que conta como se todos nós fôssemos alfabetizados e escrevêssemos).

Controvérsias

Mudanças de tecnologia nunca ocorreram sem traumas em toda a história da humanidade. Quem está levando vantagem com a tecnologia em voga, seja no status quo, seja economicamente ou de qualquer outra forma, naturalmente se oporá a modificações.

Assim foi quando a máquina a vapor substituiu a força puramente braçal. Os mercadores de mão-se-obra (pela nova ortografia, esses hífens existem?) se opuseram ao uso de máquinas que fariam o trabalho de dezenas de homens.

No Oeste estadunidense não chegou a haver, mas ocorreram diversos incidentes violentos quando as locomotivas substituíram as carruagens no transporte de mercadoria e gente. Os donos de cavalos, de carruagens, os mercadores de arreios, os proprietários de estalagens e diversos outros comerciantes tiveram de se adaptar à nova realidade, mas antes disso tentaram evitar o progresso com medo da bancarrota.

Ultimamente ouvimos a discussão mundial sobre a substituição dos combustíveis fósseis pelos renováveis. Está claríssima para qualquer estudante secundarista a grande vantagem ambiental, econômica e social que os biocombustíveis têm sobre o petróleo e seus derivados. Mas é em cima do óleo mineral que a economia de todo o mundo tem se calcado há mais de um século. São muitos os interesses de corporações e países para que nada se modifique. O planeta pode acabar, mas seus lucros não podem diminuir, essa sua lógica antropofágica.

A língua é uma tecnologia, é uma ferramenta essencial para o desenvolvimento pessoal e social. A língua é a expressão maior de uma nação. E a nossa está sofrendo uma alteração formal oficial, por isso conta com opositores de toda ordem.

Assim como o juiz que não quer voltar à carteira escolar, alguns escritores, professores, jornalistas e outros que vivem da língua, sua exploração e seu manuseio estão a se opor às modificações. Não percebem esses opositores (embora saibam mais que qualquer um, já que são seus artífices) que a língua está em constante mudança. Palavras que ontem eram amplamente utilizadas, sequer mais são faladas; outras são inventadas a cada dia e, em pouco tempo, terminam como verbetes de dicionários. Obviamente, os utilizadores e profissionais da escrita, canto, teatro, rádio e que tais, sabem disso, mas alguns deles temem não conseguirem adaptar-se ao novo. Reação comum aos humanos, embora sejamos os seres mais adaptáveis do planeta.

Se conseguimos viver no Pólo Sul e no deserto de Atacama, não serão algumas modificações lingüísticas que nos extinguirão.

Escreve o jornalista José Geraldo Couto: “Gosto de pensar que nada está escrito, seja na velha ou na nova ortografia, seja nas estrelas ou nas tábuas de alguma lei divina, e que o futuro é uma página em branco que cabe a nós preencher de acordo com a nossa vontade e a nossa consciência”. Couto não se refere diretamente à nova ortografia, apenas a cita em sua coluna. Essa sua postura, a meu ver não é de todo aceitável, mormente quando se refere ao uso da gramática. Normas são necessárias e essenciais para evitarmos a bagunça das letras (os anarquistas podem manifestar-se ao contrário, os ordeiros podem concordar).

O escritor Rubem Alves diz que “quem deveria ter feito a reforma eram os escritores, que são os “amantes da língua”, não os gramáticos. É de se entender que um escritor puxe a sardinha para sua brasa, mas não se há de concordar com ele sem questionar. Com certeza, caro leitor, você também, assim como eu, conhece alguém que é amante da língua, que lê muito, discute literatura, mas não escreve nem receita de bolo. Amar a língua não é exclusividade dos escritores. Seguindo a lógica de Alves, os leitores, digamos, de 20 livros por ano – para os índices brasileiros, é um grande leitor – também deveriam participar da reforma por serem amantes da língua. Rubem Alves diz que não seguirá as novas normas: “O povo faz a língua, não os gramáticos”. De acordo. Difícil é acreditar que os livros de Rubem Alves, um dos mais aplaudidos escritores brasileiros da atualidade, irão às livrarias sem passar pelo crivo de um “novo revisor” de suas editoras. Um escritor de seu gabarito se sujeitaria a receber uma crítica num grande veículo sobre os novos erros apresentados em seus escritos? Não estaria o escritor apenas temendo a volta à carteira escolar?

O mesmo me pergunto sobre a escritora portuguesa Inês Pedrosa, premiada em Portugal com o Prêmio Máxima. Inês diz que o novo sistema ortográfico é um “acordo em desacordo” e que continuará usando a regra antiga em seus livros. Ela, sim, mas sua editora manterá?

O escritor e poeta angolano Ondjaki ( sugiro que o leiam, é fantástico), em seus apenas 31 anos, afirma que as novas regras não preocupam os angolanos. Ondjaki, sintomaticamente, é bem mais novo que Rubem Alves e Inês Pedrosa. Talvez aí esteja sua tranquilidade. Os jovens têm menos medo das mudanças que os maduros. O angolano, porém, reclama da falta de divulgação das novas normas. Socorreram oposições quando surgiam as tentativas de acordos.

Mário de Andrade escreveu sobre a reforma de 1943: “Não me interessa discutir se esta ou aquela é a ortografia que presta ou não. O essencial é termos uma ortografia. Que se mande escrever cavalo com três eles, isso não tem importância. Precisamos é de acabar com a bagunça. Não compreendo por que a palavra right se escreve com g-h-t. No entanto assim é que está certo. Escrever de outra forma na Inglaterra ou nos Estados Unidos é diploma de ignorância. Aqui, não. Todo mundo escreve como bem entende. O Estado da Bahia tem h. A baía de Guanabara não tem. Acredito que a questão ortográfica tem contribuído muitíssimo para a desordem mental no Brasil” (entrevista publicada pela revista “Diretrizes”, de 6-1-1944, reproduzida pelo “Jornal da ABI”, órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa, de janeiro de 2008).

Mas também muita gente não teme e até encoraja. Entre eles está o professor de português e consultor de jornalismo da Rede Globo, Sérgio Nogueira Duarte: “Ortografia se sabe por memória visual, pois a maioria das pessoas não conhece as regras da gramática. Muitos irão se confundir não com o que vai mudar, mas, sim, por aquilo que fica”. Assim já o é. Quem pouco sabe, se atrapalhará sempre.

Terceiros, além de se oporem, militam da resistência. Um exemplo é Cláudio Moreno, doutor em Letras e colunista da revista Mundo Estranho, da Editora Abril, e do Jornal Zero hora: “o Acordo é um amontoado de regras desordenadas, mal concebidas e redigidas de maneira pedestre”.Nomes de peso estão dos dois lados da discussão e mais alguns no meio.

O Prêmio Nobel José Saramago é a favor, depois de mudar de idéia. No início das discussões sobre a reforma, até bastante tempo depois, punha-se como opositor, mas em dezembro de 2008, disse: "Aquilo que me levou a mudar de idéias foi o problema da escrita. Se o português quer ganhar influência no mundo, tem de apresentar-se com uma grafia única".

Ruy Castro é a favor e diz que já está muito velho para aprender a escrever, que o trabalho será dos revisores, não dele; Chico Buarque diz que foi uma grande idéia a reforma; Antônio Houaiss foi o pai brasileiro da idéia e escreveu "A existência de duas grafias oficiais da língua acarreta problemas na redação de documentos em tratações internacionais e na publicação de obras de interesse público".

Conclusão

Não se pode haver conclusão sobre algo que ainda não está concluído. A única certeza é que o Acordo está em voga e, pelo menos a princípio, todo cidadão que tem o português como sua primeira língua, tem a obrigação legal de se adaptar. Contudo, há uma grande distância entre a obrigação legal e a práxis diária.

Opiniões contra, favoráveis ou muristas serão encontradas aos montes, basta perguntar a cada um que se passe pela frente. Jovens poderão adaptar-se com mais facilidade, mas alguns continuarão sem saber escrever seja qual for a ortografia adotada; velhos recusar-se-ão a voltar às cartilhas ou aprenderão mais facilmente que professores profissionais do idioma; escritores rejeitarão a modernidade e outros sequer precisarão de revisores.

Todas essas situações e algumas outras não pensadas nesse texto, também ocorrerão entre os componentes do Over e de qualquer outro ambiente literário ou pseudo-literário.

A única certeza que fica no autor, é que vários erros foram cometidos na elaboração desse texto se levada em conta a nova maneira oficial de se escrever e, provavelmente alguns outros foram cometidos pelas regras antigas e assim continuará sendo por muito tempo.

Fontes de consulta e pesquisa:
- Folha de São Paulo
- Coletiva
- Amigos do Livro
- Wikipedia
- O Indivíduo
- Diário da Amazônia
- Abrelivros

Agradecimento especial à minha mulher Compulsão Diária pela sugestão do tema, pelo auxílio nas pesquisas, pela revisão, pela paciência e pela cumplicidade.

Um comentário:

Anônimo disse...

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