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terça-feira, novembro 15, 2005

Não costumo postar textos alheios, mas li esse lá na Ostra e ela convocava todos a postarem-no também. Levando-se em conta a indignação do autor, por eu concordar com todos os pontos, por ser urgente que mudemos nossos atos se queremos que o país melhore, por ter consciência que o Brasil só se tornará um país de verdade quando seus cidadãos se derem conta que quem faz a pátria não são os governos, mas cada um de nós, aceitei a sugestão da Ostra e resolvi repetir aqui esse texto. Convoco-os agora a lerem-no por completo.



No blog do Pedro tem coluna nova.




Precisa-se de Matéria Prima Para Construir Um País


A crença geral, anterior ao governo atual, era que Sarney e Collor não serviam, bem como Itamar e Fernando Henrique. Agora dizemos que Lula não serve. E o que vier depois de Lula também não servirá para nada. Por isso estou começando a suspeitar que o problema não está no ladrão corrupto que foi Collor, ou na farsa que é o Lula. O problema está em nós. Nós como povo.

Nós como matéria prima de um país. Porque pertenço a um país onde a "esperteza" é a moeda que sempre é valorizada, tanto ou mais do que o dólar. Um país onde ficar rico da noite para o dia é uma virtude mais apreciada do que formar uma família, baseada em valores e respeito aos demais. Pertenço a um país onde, lamentavelmente, os jornais jamais poderão ser vendidos como em outros países, isto é, pondo umas caixas nas calçadas onde se paga por um só jornal e se tira um só jornal, deixando os demais onde estão.

Pertenço ao país onde as "empresas privadas" são papelarias particulares de seus empregados desonestos, que levam para casa, como se fosse correto, folhas de papel, lápis, canetas, clipes e tudo o que possa ser útil para o trabalho dos filhos... E para eles mesmos. Pertenço a um país onde a gente se sente o máximo porque conseguiu "puxar" a tevê a cabo do vizinho, onde a gente frauda a declaração de imposto de renda para não pagar ou pagar menos impostos. Pertenço a um país onde a impontualidade é um hábito. Onde os diretores das empresas não valorizam o capital humano. Onde há pouco interesse pela ecologia, onde as pessoas atiram lixo nas ruas e depois reclamam do governo por não limpar os esgotos. Onde pessoas fazem "gatos" para roubar luz e água e nos queixamos de como esses serviços estão caros. Onde não existe a cultura pela leitura (exemplo maior nosso atual presidente, que recentemente falou que é "muito chato ter que ler") e não há consciência nem memória política, histórica nem econômica. Onde nossos congressistas trabalham dois dias por semana para aprovar projetos e leis que só servem para afundar ao que não tem, encher o saco ao que tem pouco e beneficiar só a alguns.

Pertenço a um país onde as carteiras de motorista e os certificados médicos podem ser "comprados", sem fazer nenhum exame. Um país onde uma pessoa de idade avançada, ou uma mulher com uma criança nos braços, ou um inválido, fica em pé no ônibus, enquanto a pessoa que está sentada finge que dorme para não dar o lugar. Um país no qual a prioridade de passagem é para o carro e não para o pedestre. Um país onde fazemos um monte de coisa errada, mas nos esbaldamos em criticar nossos governantes. Quanto mais analiso os defeitos do Fernando Henrique e do Lula, melhor me sinto como pessoa, apesar de que ainda ontem "molhei" a mão de um guarda de trânsito para não ser multado. Quanto mais digo o quanto o Dirceu é culpado, melhor sou eu como brasileiro, apesar de ainda hoje de manhã passei para trás um cliente através de uma fraude, o que me ajudou a pagar algumas dívidas. Não. Não. Não. Já basta.

Como "matéria prima" de um país, temos muitas coisas boas, mas nos falta muito para sermos os homens e mulheres que nosso país precisa. Esses defeitos, essa "esperteza brasileira" congênita, essa desonestidade em pequena escala, que depois cresce e evolui até converter-se em casos de escândalo, essa falta de qualidade humana, mais do que Collor, Itamar, Fernando Henrique ou Lula, é que é real e honestamente ruim, porque todos eles são brasileiros como nós, eleitos por nós. Nascidos aqui, não em outra parte... Me entristeço. Porque, ainda que Lula renunciasse hoje mesmo, o próximo presidente que o suceder terá que continuar trabalhando com a mesma matéria prima defeituosa que, como povo, somos nós mesmos. E não poderá fazer nada... Não tenho nenhuma garantia de que alguém o possa fazer melhor, mas enquanto alguém não sinalizar um caminho destinado a erradicar primeiro os vícios que temos como povo, ninguém servirá. Nem serviu Collor, nem serviu Itamar, não serviu Fernando Henrique, e nem serve Lula, nem servirá o que vier. Qual é a alternativa? Precisamos de mais um ditador, para que nos faça cumprir a lei com a força e por meio do terror? Aqui faz falta outra coisa. E enquanto essa "outra coisa" não comece a surgir de baixo para cima, ou de cima para baixo, ou do centro para os lados, ou como queiram, seguiremos igualmente condenados, igualmente estancados... Igualmente sacaneados!!! É muito gostoso ser brasileiro. Mas quando essa brasilinidade autóctone começa a ser um empecilho às nossas possibilidades de desenvolvimento como nação, aí a coisa muda... Não esperemos acender uma vela a todos os santos, a ver se nos mandam um Messias.

Nós temos que mudar, um novo governador com os mesmos brasileiros não poderá fazer nada. Está muito claro... Somos nós os que temos que mudar. Sim, creio que isto encaixa muito bem em tudo o que anda nos acontecendo: desculpamos a mediocridade mediante programas de televisão nefastos e francamente tolerantes com o fracasso. É a indústria da desculpa e da estupidez. Agora, depois desta mensagem, francamente decidi procurar o responsável, não para castigá-lo, senão para exigir-lhe (sim, exigir-lhe) que melhore seu comportamento e que não se faça de surdo, de desentendido. Sim, decidi procurar o responsável e estou seguro que o encontrarei quando me olhar no espelho. Aí está. Não preciso procurá-lo em outro lado.

- João Ubaldo Ribeiro -

segunda-feira, novembro 14, 2005

Respeito é bom? Não sei, nunca comi.



Adolescência e Inconseqüência

Adolescentes rimam com inconseqüência, estão sempre à disposição de uma zoação, de uma alegria qualquer, seja lá no que der depois. Curioso como agem como se "o mundo fosse acabar à meia noite" enquanto os idosos estão sempre sonhando com o amanhã.

Quando se juntam mais de dois dispostos a uma diversão qualquer, imprevisível o resultado, mas haverá sempre uma vítima em potencial.

Zé, Amadeu e Ariston, inseparáveis amigos, aprontavam mil e uma, mas, garotos bem educados, não se metiam em confusão, não provocavam vítimas, não causavam danos à coisa pública ou alheia.. Divertiam-se entre si, mesmo que a vizinhança se incomodasse, eram suas próprias vítimas. Colegas de classe na escola, nos finais de semana reuniam-se para estudar, daí as notas excelentes para a incompreensão dos colegas e dos professores. Como aquele tri que vivia aprontando, gazeava aula, era constatemente expulso das aulas, poderia ter aquelas notas? Como poderiam ser os melhores da turma?

Suas atitudes e notas causavam inveja, desprezo, admiração e paixões, eram os líderes naturais. Quando algo sério atrapalhava a relação entre professores e alunos ou entre esses e a admnistração, sempre tomavam a frente do movimento, negociavam em nome dos colegas, mesmo sem terem sido eleitos para isso. Bons em argumentos, quase nunca perdiam uma questão e suas argumentações eram acatadas por todos os discentes.

Os professores, mesmo os que se enciumavam por verem o trio mais importante do que eles na admiração dos alunos, os respeitava. Sabiam que se o desafiasse fora dos problemas e questões propostos, teriam problemas em dar suas aulas. Um professor, porém, os tinha como xodós e a recíproca era verdadeira, Alfredo, Fred para o trio, mestre em literatura.

Gordinho, baixinho, com gestos efeminados, sempre vestindo calças de tergal e camisas de algodão muito coloridas e espalhafatosas, nada disso chamava mais a atenção para figura yão única do que sua peruca. Beirando os sessenta anos, Fred não dava-se ao trabalho de atualizar seu ornamento capilar sintético para que esse combinasse com os fios brancos naturais que apareciam na faixa inferior do couro cabeludo. Por ser um senhor respeitável, ninguém ousava fazer piada sobre isso com o mestre, mas pelas costas era motivo de gozações.

Ariston, aquele que tinha que ser contido por sempre desejar uma aventura mais perigosa,, não podia evitar pensamentos cruéis sobre aquela peruca.

No último dia de aula do último ano deles na escola, resultados da aprovação nas mãos, mais uma etapa concluída, professores e alunos no pátio em confraternização, lágrimas, sorrisos, abraços e despedidas. Ariston, coração acelerado e pernas trêmulas, aproxima-se por trás do mestre Alfredo, arranca-lhe a peruca e atira para o alto como um capelo.

Ali acabou-se a festa com o grito estridente, feminino, desesperado de Fred, o olhar de pena de todos para o professor, de ódio e reprovação para Ariston que, depois de anos como ídolo, fizera, enfim, uma vítima com suas brincadeiras.

quinta-feira, novembro 10, 2005

Lua de mel é bom, mas dá um suadouro...




Por motivos nobilíssimos estarei me ausentando até segunda-feira, mas nem pensar para quem acha que vou explicar os motivos aqui...



Já mandei minha próxima coluna para o site do Pedro. Pra quem reclamava que o velho Esculacho era melhor, eis uma oportunidade de comparar.




Tim Maia de Boteco


Lhe deram o apelido de Tim Maia, começando o texto dessa maneira evita-se a necessidade da descrição física de tão insólito personagem. Quem era, de onde vinha, o que fazia... todos desconheciam e nunca lhe perguntaram.

O Tim era pontual. Todos os dias chegava à Adega do Rei, que não era uma adega, mas um boteco, e onde não havia nenhum rei, mas um aviador aposentado, às sete de cada noite. Não tinha preferência por qualquer mesa. Sentava-se sempre sozinho, pedia uma cerveja e ali ficava, por horas, bebendo, comendo bolinhos de bacalhau ou outro petisco, obsevando o movimento das pessoas,, os músicos, os garçons, os choros e gargalhadas, carinhos e porradas dos demais freqüentadores. Não se via em seu semblante qualquer expressão de alegria ou tristeza, satisfação ou reprovação. Apenas estava ali. Com tantos bares pela área poderia estar em qualquer um, mas estava ali todas as noites, sinal de que gostava ou pouco se importava.

Como cada ser humano se destaca dos demais por alguma característica única, o Tim tinha a quietude. Era único e por isso se destacava. A maioria dos freqüentadores da Adega eram velhos conhecidos entre si ou do comandante-botequeiro. Se cumprimentavam, se divertiam e brigavam para depois fazerem as pazes naqueles cômicos abraços e choros bêbados no lugar que escolheram por ser cômodo e agradável para todos. O Tim era diferente, não pertencia a nenhum grupo, pertencia ao bar e por isso se destacava.

Como a intimidade sempre leva ao relaxamento comportamental, o mesmo aconteceu com o velho Tim. Passou a embriagar-se, dormir sentado e cair da cadeira. Depois levantava-se, sacudia a poeira, pagava a conta e ia embora. Isso passou a repetir-se diariamente.

A coisa ficou tão contumaz que algum comerciante nato, gozador de qualquer coisa ou qualquer alguém ou apenas espertinho, criou um bolão. Por uma moeda cada pessoa poderia fazer um palpite do horário exato em que o calado Tim cairia da cadeira.

quarta-feira, novembro 09, 2005

Se a febre aviária chegar ao Brasil, muita gente vai ter medo de sair de casa.




No site do Pedro minha coluna agora será nos moldes do que fazi aqui no Esculacho. Quem tem saudade (presunçoso eu? Imagina), pode curá-la por lá.



A Árvore

Há 100 metros da minha casa há uma árvore enorme, talvez 30 metros de altura. Meus parcos conhecimentos de botânica não me permitem dizer a que espécie pertence, sei, porém, que não é nenhuma madeira nobre ou os madeireiros que por aqui passaram até o início dos 90, quando ainda havia Mata Atlântica, não a teriam deixado de pé.

Aprendi com alguns desses madeireiros que as madeiras mais valiosas por sua resistência ou maleabilidade, são escuras, avermelhadas ou quase negras, por isso que aquela usada para encamisar pilastras e sustentar lajes na construção civil, por exemplo, são brancas, mais pobres, menos duradouras e mais comuns. Já as usadas em móveis de luxo, na decoração de interiores são, em sua maioria, mais escuras. Lógico que existem excessões em todas as regras, inclusive nessa.

A árvore que vejo da minha janela e de vários pontos da cidade, inclusive de algumas janelas da minha escola, está ali esquecida no terreno de uma escola estadual, esquecida mesmo, lá nos fundos onde ninguém passa, esse talvez seja o motivo de ainda encontrar-se lá, a única árvore naquele terreno enorme.

Seu tronco é fino para suportar toda aquela altura e isso me surpreende, me faz compará-la a um jogador de basquete. Não produz frutos ou flores coloridas, não tem porte majestoso, não oferece sombra para ninguém com sua pouca folhagem além de estar distante de qualquer casa ou caminho de gente, mato ao redor. Não se vê em seus galhos ninhos, mas há anos, ela me impressiona e já a acho bonita.

terça-feira, novembro 08, 2005

"... fazer da bosta dinheiro pra ver o povo enricar."
(Mestre Ambrósio)


Assim Nascem As Aleivosias

Zé e Miguel, cidade muito pequena do interior, na época das cadeiras nas calçadas, das portas constatemente abertas, época em que se podia dormir numa rede na varanda em noites quentes tendo como única preocupação as muriçocas.

Dois adolescentes saudáveis e brincalhões, educados sob as normas rígidas de então, época em que se cedia lugar para as mulheres e os mais velhos, em que se dava bom dia para desconhecidos na rua, que os homens usavam chapéus e os retiravam em reverência e respeito, época em que se pedia "por favor" e se falava "com licença" e "muito obrigado".

Cada qual em sua bicicleta iam à escola e às matinês, porque naquela época os cinemas do interior eram cinemas e igrejas eram igrejas. Época em que o leite era entregue de casa em casa trazido em garrafões de zinco no lombo do cavalo, pouco antes de chegar a bicicleta da padaria com os pães quentinhos. Época em que professores ensinavam e eram autoridades enquanto alunos aprendiam e eram respeitosos. As outras autoridades da cidade eram o prefeito, o padre, o médico e o delegado.

Zé e Miguel, quando se interessavam por uma moça - não eram garotas ou "minas" - iam falar com os pais dela para convidarem-na para um sorvete ou um passeio pela praça no domingo à tarde, isso porque as moças eram obedientes aos pais e os rapazes temiam os sogros e cunhados potenciais. Época em que não era crime dar umas palmadas em filho arteiro e ainda não existia o trauma infantil.

Miguel e Zé tinham uma paixão comum, a música, mas instrumentos eram caros e não havia onde comprá-los na cidade. Necessidade havia de encomendá-los da capital. Miguel adorava violão e piano, enquanto Zé queria um violão ou uma clarineta.

Iam à missa domingueira não para receberem as graças do pároco ou expiar seus poucos pecados, mas para verem o padre Brandon Wiright, estadunidense grandão, tocar o órgão. Eles tinham que tocar aquele órgão, mas a enorme peça de madeira negra lhes parecia mais sagrada que a imagem de Nossa Senhora Auxiliadora, padroeira do lugar, indignos se achavam de aproximarem-se do instrumento.

Certa madrugada, todas as casas apagadas, nenhum barulho nas ruas senão dos cachorros e pássaros noturnos, foram até a igreja. Escalaram a imagem gigante de um santo colocado do lado de fora, ao lado da enorme porta principal. Passaram por uma pequena abertura que tinha por função ajudar na ventilação da nave do templo, desceram por outra imagem do lado de dentro.

O tão sonhado órgão era deles, pelo menos por aquela noite.

Tocaram e tocaram, inventaram melodias, brincaram com as teclas de maneira que sua imaginação permitia.

O tempo passava e se sentiam Carlos Gomes, Villa-Lobos, Chopin, até que num estala Miguel caiu de volta ao chão.

Alertou Zé que estava tarde, dali a pouco a cidade acordaria. Na próxima noite voltariam. Escalaram um santo, desceram por outro e foram para suas casas.

Ao acordarem naquela manhã, um pouco mais tarde que o habitual, a cidade em polvorosa discutia a assombração que tocara órgão a noite inteira e dava risadas dentro da igreja. O padre Brandon Wright apenas sorria para os meninos.