Já que, do presidente aos jornalistas, do dono da mercearia da esquina aos comentaristas, virou mania comparar futebol com política e vice-versa, vou cometer a mesma asneira e começo por pequena análise empírica do comportamento das torcidas.
O brasileiro sofre de um mal que Nelson Rodrigues apelidou de “síndrome de vira lata”, da qual o PT se apropriou (aliás, o PT se apropria de qualquer coisa que ache bonitinho, é um cleptomaníaco de idéias) em que sempre se coloca como o coitadinho pra quem as coisas não vão dar certo, aquele contra quem todo o universo conspira contra, a eterna vítima da incompetência alheia.
No futebol, por exemplo, sempre a metade da torcida acha que não vai dar certo, vamos levar uma goleada, os adversários são muito mais bem preparados que nós. Escrevo essas linhas duas horas antes do Brasil e Holanda e vejo no Twitter, blogs e até no bar do Paraíba, aqui na esquina, um número considerável dos brasileiros xingando a burrice do Dunga, como se já tivéssemos levado histórica goleada. Talvez esse comportamento seja produto hereditário de 510 anos de catástrofes políticas.
De Dom João I aos dias de hoje, poucos foram os governos que pensaram no bem coletivo antes de seu próprio sucesso nos negócios, na egolatria, na sucessão eleitoral. Isso deve ter criado no brasileiro, incluo a mim nesse rol, a preparação do espírito para a desgraça iminente. Tão acostumados a ter pela frente projetos mal elaborados, promessas descumpridas, políticas públicas desastrosas, de antemão preparamos o espírito para o pior.
Tem uma piada, não lembro se do Carlos Eduardo Novaes, do Chico Anísio ou do João Ubaldo Ribeiro, que diz que a primeira coisa que Pedro Álvares Cabral falou ao chegar à costa brasileira, foi “não vai dar certo”.
O PSDB demorou uma eternidade a lançar o nome de um candidato a vice de José Serra. Novela maior e mais enervante foi a de quatro anos atrás, ocasião em que não se decidia sobre o titular da chapa. Parece que o tucanato está se aprimorando. A batalha pelo candidato a presidente não foi tão demorada. O ego do Aécio cedeu sem grandes esforços ao do Serra. Talvez em 2014 o partido demore muito para decidir se lança candidato ou não, apenas para manter a prática de protelar.
Os eleitores comportam-se como torcedores. O juiz que tem a mãe xingada não é mais o cidadão de preto no centro do gramado, mas o cidadão de preto nos tribunais eleitorais. O eleitor-torcedor vê nos juízes eleitorais, muitas vezes com aparente razão além da paixão, um empecilho ao sucesso do seu candidato. O juiz eleitoral só beneficia o adversário, numa marcação rígida ao preferido do eleitor e quando, por ventura, o adversário é multado ou cassado, o eleitor alega que não havia outra medida a ser tomada, a falta foi flagrante e violenta.
Os bandeirinhas que recebem impropérios e sacos de mijo ou bagaço de laranja no lombo são a imprensa, os blogs adversários, os sites que tentam mostrar uma imagem de independentes. Se o blogueiro é independente, logo é um agente adversário disfarçado. Se fala bem do meu candidato é porque o candidato é bom mesmo, não há como falar mal; se fala bem do adversário, é um vendido, um venal.
Claro que existem os venais, os vendidos, os absurdamente compensadores pelo dinheiro ganho à guisa de patrocínio, mas que na verdade é pagamento pela opinião favorável, pela agressão mentirosa ao adversário, é a manifestação assalariada da propaganda fantasiada de análise. A coisa é tão flagrante que os autores desses blogs mantidos com dinheiro de estatais, como a Petrobrás, campeão absoluta na compra de opiniões favoráveis ao governo, sequer tentam escamotear sua torcida. Chegam ao acinte expor, xingar e agredir qualquer leitor-comentarista que discorde de algo postado.
O eleitor-torcedor, aquele que se prepara para o cataclismo antes mesmo do tempo nublar, atua até mesmo contra seu candidato, igualzinho ao torcedor da seleção que prevê a goleada da Holanda daqui a duas horas.
O torcedor tucano ou tucanista, por exemplo, fazia listas de possíveis vices, torcia descaradamente pelo candidato de sua região, virando-se de costa para o restante do Brasil, analisava os currículos com olhar de expert e decidia quem era o melhor para assessorar Serra. Eu mesmo listei 23 nomes no post anterior a este. Aí, sabe-se lá de onde ou com qual intenção, o Serra nos aparece com o nome do deputado Índio da Costa. Para uns, a salvação da lavoura, para muitos um “quediabeisso?” coletivo.
Serra foi encontrar o Índio no mesmo local onde lula foi buscar a Dilma: na sala de espera do partido. Em algum cantinho escondido da política.
A mim não faz diferença, no final das contas. Se Serra é muito melhor preparado para administrar o país, como admitiu o próprio Ciro Gomes, cabo eleitoral em busca de ministério na curriola petista, o Índio pode ser bem melhor vice e, portanto, potencial presidente na ausência do titular, do que o historicamente venal Michel Temer.
Os adeptos do urucubaquismo de penugem tucana já decretaram que a escolha do Índio é a certificação da derrota tucana, mesmo antes de começa oficialmente a campanha eleitoral, mas isso não vai mudar seu voto-torcida.
E o resultado da escolha já traz frutos saborosos. A Datafolha acaba de declarar empate nas intenções de voto.
©Marcos Pontes