Daqui a duas semanas, dia 27 de janeiro, o governador Sérgio Cabral estará comemorando 48 anos de idade. Há alguns dias o governador fluminense está em Paris, segundo a agenda oficial. Muito chic passar o aniversário em Paris, qualquer sujeito com o mínimo de bom gosto gostaria disso. Para alguns, melhor ainda seria se a festa fosse bancada por um amigo ou pela viúva companheira, não que este seja o caso do governador do Rio, homem de posses, dono de fortuna pessoal que não lhe permitiria tirar férias tão caras às custas do erário.
Vamos retificar. O governador Sérgio Cabral encontrava-se de férias em Paris, mas já encontra-se no Brasil, pelo menos isso. Solidariedade às vítimas da tragédia na Serra de Itaipava será demonstrada com ar de pesar e palavras de consolo devidamente decoradas. Nenhuma novidade até aí, uma vez que, há pelo menos 30 anos, o governador do Rio, seja quem for, em janeiro é obrigado a vir às televisões e jornais, face lúgubre, dizer-se pesaroso com os males das chuvas e enchentes que vitimaram pessoas, destruíram família, desabrigaram cidadãos e coisas que tais. Falo em 30 anos que é o quanto minha memória pode me levar, recordando de desgraça igual ocorrida em 1981.
Ao contrário da mentalidade paulista, a dos governadores do Rio não levam a obras e medidas eficazes para evitar que a tragédia se repita no verão seguinte.
Ano passado houve uma enchente terrível no Jardim Romano, as águas não baixavam, por semanas as pessoas passavam sobre tábuas pelas ruas fétidas. Este ano a chuvarada repetiu-se, pessoas morreram, regiões paulistanas foram alagadas, mas o Jardim Romano, símbolo da desgraça de 2010, já não ficou submerso. Em um ano a prefeitura construiu um piscinão que deu conta do problema, minimizando os males que as chuvas poderiam repetir naquele quinhão de terra bandeirante. Já no Rio...
Dom Pedro II, um sujeito inteligente, brasileiro que amava o Brasil, estudioso dos problemas nacionais, tanto que locomoveu-se de Norte a Sul, conhecendo o continente que administrava, em carruagens, trens, navios e lombo de burro, já havia proibido a construção nas encostas da Serra de Itaipava. Há 200 anos o imperador já sabia dos perigos de se desmatar as encostas, de construir na ribanceira com fundações rasas. Seu decreto, provavelmente, salvou muitas vidas durante os anos em que tal lei foi respeitada.
Veio a República e tudo o que era legal na época da monarquia passou a ser démodé nos novos tempos. Em nome da tal égalité, fraternité et liberté, criamos uma democracia burra, liberdade de mais, se é que possa existir excesso de liberdade. Defino, pois, “liberdade de mais” como a liberdade sem responsabilidade, o tipo de liberdade que coloca as vontades pessoais acima das vontades coletivas. O caso, por exemplo, do cidadão achar que pode construir pendurado no morro sem importar-se que seu ato pode levar perigo aos que moram abaixo de sua construção.
A culpa maior dessa tragédia que se repete anualmente não é só do cidadão que constrói sem alvará em áreas de risco, mas, principalmente, dos órgãos públicos que não fiscalizam, mostrando-se eficientes somente depois que as mortes são computadas às dezenas. Se o governador Cabral, já indo para seu quinto anos de mandato, ou todos os que o antecederam, tomassem medidas sérias, proibitivas, fiscalizatórias, punitivas e inibidoras, muitas vidas teriam sido poupadas, mas, infelizmente, após cessarem as águas, já podemos nos preparar para as mesmas manchetes no verão de 2012. Espero estar errado, mas os últimos 200 anos não me fazem pensar assim, infelizmente.
©Marcos Pontes