Quando eu já era ninguém – é, sou ninguém desde menino – a professora Suzana, numa aula de Educação Moral e Cívica ensinou que o ser humano é um animal gregário. Por questões freudianas que não cabem aqui, me senti excluído, não me sentia parte de qualquer grupo, nem mesmo dos alunos daquela classe.
Mais tarde, já fazendo parte de um pequeno grupo de teatro, Cláudio Barradas, meu tutor intelectual, ensinou que somos estatutários. Se estamos andando pelas ruas, somos pedestres; se estamos num ônibus, somos passageiros; se estamos no palco, somos atores.. Estamos sempre seguindo alguma regra grupal. Percebi ali que a professora Susana estava certa.
Meu pai ensinou a seguir regras e leis e sempre zelei pelos estatutos que tinha que cumprir, uma vez que os aceitava tacitamente ao me agrupar a uns iguais de vez em quando.
Aí aprendi empiricamente que participar de um grupo, categoria ou classe não faz de nós iguais. As características comuns apenas ajudam a expor as individualidades. Vidinha cheia de contradições, vielas e becos, armadilhas e caminhos pavimentados.
Crises existenciais à parte, observo a necessidade dos humanos bichos gregários de sentirem-se incluídos. Essa necessidade também é percebida pelos criadores das redes sociais modernosas. Não há mais tertúlias literárias, grupos de estudos ou festinhas regadas a bebidinhas feitas a facão nas pias desarrumadas de adolescentes, a reuniões dão-se à distância. O brasileiro, sujeito aparentemente mais sociável do planeta, adora essas reuniões internéticas. Não é à toa que Orkut, Twitter, MSN, Facebook e a já tão procurada Google+ fazem tanto sucesso por aqui, ao que parece, mais do que em qualquer outro país.
E lá estou eu, enturmado, embora papeie pouco, reconheço. Leio os meus pares, particularizo uma conversa ou outra e envio mais do que respondo ou recebo mensagens e venho tentando aprimorar minhas análises empíricas sobre as personalidades de meus interlocutores. Até anônimos tenho aceito em minhas relações cibernéticas ferindo meus princípios de rejeitar quem não se expõe. E esses têm substantivo próprio, não são mais anônimos”, viraram “fakes”.
Fakes, anônimos ou declarados, quase todos utilizam-se das redes sociais para se enturmarem, trocarem idéias, relacionarem-se com os que têm os mesmos gostos, ou vontades, ou aspirações políticas, prazeres musicais ou estilos de vida ou de moda. Mesmo agrupados, brasileiros gostam do contato físico e marcam seus encontros orkutianos, tuiteiros ou facebookianos. A internet tornou-se ponto de encontro que terminam tornando-se físicos.
Há uma necessidade enorme de comunicar-se. Todos têm algo a dizer, mesmo que seus ditos sejam interessantes apenas para alguns.
Encontros em botecos e pizzarias ampliaram-se e surgem as “marchas”, a moda do momento.
Marcha de maconheiros, marcha de gays, marcha de opositores e de situacionistas, marcha disso e daquilo, e tome marcha!
Movimentos são criados e desaparecem na mesma velocidade.
Politicamente, há um descontentamento de milhões que não engolem nosso atual governo. Batemos panelas on-line, mas não fazemos nossa marcha. Fazemos tuitaço, mas não panelaço. Somos barulhentos no conforto da cadeira em frente ao computador, cada um gritando por teclas, boca fechada; fazendo passeata em bytes e reclamamos uns dos outros porque não saímos às ruas. Os outros não vão protestar em frente aos palácios, os outros não vão afrontar as autoridades nas Câmaras, Assembléias e Senado, os outros são passivos e pacíficos demais, os outros não se mexem... Nesse nosso inconformismo reclamamos dos que recebem bolsas sociais, mas eles não diferem muito de nós que também ficamos esperando que os outros façam o que gostaríamos que fosse feito, apenas não recebemos esmolas oficiais, pelo contrário, as repudiamos.
Nesse momento há convocações para marchas de protestos contra os descalabros praticados por nossos políticos situacionistas e a conivência de nossos políticos oposicionistas, mas quantos de nós irão às ruas na dota e hora marcada para nos agregarmos de verdade?
Nos orgulhamos, nos parabenizamos por termos ajudado a forjar a Lei dos Fichas Limpas, mas parece que não aprendemos de verdade que podemos muito se o agregamento for de fato e não apenas por 140 caracteres que a velocidade, o vazio e a distância dissolvem no ar.
Tema sugerido pelos amigos @MegLon e @arykara. Grato.
©Marcos Pontes
4 comentários:
Marcos, muito bem escrito o tema que é complexo. Boa sugestão dos @s
Também observo esse desinteresse da cultura brasileira pelos valores universais. E aí? Bem aí ninguém mais busca a verdade, a partir da década de 60 com sua revolução cultural que nos deixou órfãos, células perdidas, solitárias depois da desconstrução de todas as instituições: família, igreja, escola, exército.
O que vc nos fala é , exatamente, o que os que detém o poder hoje querem: desmobilização. Temos liberdade vigiada pelo politicamente correto, pela mídia, pela opinião pública. Assim, as pessoas sentem medo. Se escondem atrás de "fakes" para conseguirem expor sua opinião. quem hoje quer o poder pra derrubar esse entulho que nos abafa? Quem , hoje, quer o poder pra dizer "Abaixo as palavras de ordem das minorias organizadas. E veja essas minorias se tornaram verdadeiros guetos. Ecológicos, feministas, gayzistas, abortistas...e por aí vamos ...em estado de sítio.
cont: a organização sob a forma dessas minorias militantes corrói a coesão nacional. Cada um tem uma bandeirinha pra agitar...mas isso não forma uma oposição capaz de desmontar esse jogo de quadrilha de malfeitores que nos governa. Quem hoje quer poder dizer: avançamos na direção errada e devemos corrigir o próximo passo?
Caro Amigo, brilhante o seu post, este sentimento se faz presente diariamente nos comentarios individuais feitos na TL por centenas de pessoas que não são lidos nem respondidos, parece que todos falam ao vento, falta unidade, falta identidade e por mais paradoxal que possa parecer ali todos se identificam com ideias e problemas em comun, falta o encontro marcado como diria o saudoso Sabino.
Oi meu amigo,
Muitos dos indignados daqui são pessoas como eu, idosos (71)que estão lutando à sua maneira - incentivando quem ainda tem força física para os penelaços e marchas.
Nossa juventude dogmatizada, não sai e fica muito difícil organizar marchas a favor de ética( q não têm), moral ( q querem jogar fora).
Não estamos nada bem, infelizmente.
opcao_zili.
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