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domingo, junho 07, 2009

MP 458

queimada_amazonia

A Luma pediu pra eu dar uma opinião sobre a Medida Provisória 458, editada em 10 de fevereiro deste ano e que reza sobre a regularização de terras da União na Amazônia Legal. Então, tá, Luma, topado.


De antemão quero lembrar aos parcos leitores que não sou advogado e nem produtor rural, apenas um sujeito mais ou menos preocupado com os rumos do país e que viveu boa parte da vida em estados da Amazônia, convivendo com urbanos e rurais da região, mais conhecedor, portanto, da realidade da Amazônia, de São Gabriel da Cachoeira a Belém, de Macapá a Porto Velho, mais do que muito ecologista de escritório que conhece a Amazônia “ de ouvir falar”, pelos jornais do Centro-Sul ou por relatórios de ONG nem sempre confiáveis.


Na primeira vez em que viajei de Manaus a Porto Velho pela BR-319, recém inaugurada, lá pelos meus doze, treze anos de idade, já me perguntava o que levava alguém a morar naqueles confins da selva, como chegaram ali aqueles ribeirinhos que tinham o vizinho mais próximo a seis, sete quilômetros, que não tinha onde comprar sua comida – minha educação urbana não deixava de comparar – e sem escola ou hospital por perto. A questão social, econômica e antropológica me encantavam muito antes de eu saber o que são essas coisas.


Cada vez que vejo uma discussão a respeito de alguma novidade sobre aqueles rincões, me lembro das conversas com o povo local, com o que vivi por ali, com o que ainda vivem meus irmãos e suas famílias residentes em Rondônia, nos trajetos pelos rios e nas dificuldades dos ribeirinhos em encontrar um médico para diagnosticar uma verminose que seja.


Ao ler o texto da MP 485, fico me perguntando quem o elaborou, com que propósito e se Lula tem idéia do que trata a matéria.


A Medida tem por objetivo regulamentar o uso das terras da União na Amazônia Legal, disciplinando seu uso em propriedades de até 1,5 mil hectares. Não são terras muito grandes, pelo contrário, seriam fazendas de médio porte, mas que, somadas as solicitações de titularidade, podem somar áreas maiores que a maioria dos países europeus.


A MP é bem intencionada, porém trata de uma área total correspondente a 62% do território brasileiro e não foi discutida com a sociedade diretamente interessada na questão e muito menos com o restante da população nacional. Se “a Amazônia é nossa”, como sempre declara Lula e seus cupinchas amestrados, é de cada brasileiro, devendo, portanto, ser discutido seu uso por todos.


Uma das determinações é que só deterá a titularidade da terra quem respeitar o meio ambiente, respeitando a legislação. Em se tratando da Amazônia Legal, entre as determinações está a manutenção de reserva de vegetação nativa que, em outras regiões é de 20%, mas que já foi tentada taxar em 80% em legislação anterior. A fiscalização dessas áreas seria monitorada digitalmente e por satélite.


No papel isso parece ótimo, mas quem conhece o Brasil sabe que uma das portas mais escancaradas para a corrupção é justamente a falta de fiscalização. Quem conhece a Amazônia tem idéia melhor do tamanho da região e a impraticidade de fiscalizá-la. Aliás, uma reclamação recorrente desde os tempos do IBDF (alguém lembra o que era isso? É o órgão antecessor do IBAMA) é o número insuficiente de fiscais e policiais federais. O tráfico de animais, de ouro, diamantes, os garimpos clandestinos, a biopirataria, o tráfico e plantio de drogas são alguns exemplos de como a região é explorada sem que os órgãos estaduais e federais consigam inibir a prática. Mas isso é outra questão, voltemos à MP 458.


Estão fora da regularização por seus ocupantes as terras declaradas devolutas por serem de interesse da segurança nacional ou do desenvolvimento nacional; as terras remanescentes de colonização – como, por exemplo, as glebas distribuídas durante o regime militar e da construção da Trasamazônica – e projetos de reforma agrária que tenha perdido a vocação agrícola (muitas dessas áreas terminaram tornando-se povoados ou fazendas de pecuária ou de outras atividades econômicas. É correto não incluí-las na regularização? Como particularizar as mal utilizadas e as que geram trabalho e renda para as populações remanescentes e até crescentes? Deixar essas terras de fora é correr o risco de se fazer delas o que se fez na Reserva Raposa Serra do Sol, de onde foram retirados produtores rurais que ajudavam a levar algum progresso, através das rendas que geravam, a uma das regiões mais esquecidas do país); e as registradas em nome do Incra (todas as terras devolutas deveriam estar sobre a alçada fiscalizatória do Incra, mas não em seu nome, creio eu, somente as que contarem com instalações do Instituto. Todas as terras não particulares são da União, não de um ou outro de seus orgão. Ao precisar de terras para, por exemplo, instalar contemplados pela reforma agrária, a transferência deveria dar-se direto da União para o titular, com o compromisso de não repassá-la a terceiros, só tendo a titularidade definitiva vinte anos depois da posse provisória. Isso evitaria a ação, pelo menos teoricamente, dos posseiros profissionais que vivem de ganhar terrenos e revendê-los imediatamente depois de recebrem a escritura. Prática comum que o governo faz de conta não ver).


Ainda fora da regularização estão as terras indígenas demarcadas ou não (que vêm aumentando de governo pra governo, beneficiando uma casta intocável - os aborígenes – que exploram ou recursos que os brancos são proibidos de explorar ou terceirizando a exploração justamente por falta de fiscalização. Isso alimeta o contrabando e a biopirataria, graças à proibição de organismos nacionais, até mesmo o Exército, de entrar naquelas terras, mas não proíbe ONG internacionais, cientistas estrangeiros e “missionários”), terras ocupadas ilegalmente em Áreas de Proteção Permanente (muito bom isso, porém, os ocupantes ilegais raramente são retirados. Sabe-se de sua presença, mas a conivência do Incra, Ibama, Ministério do Meio Ambiente e todos os demais órgãos estaduais e federais faz com que esses posseiros proliferem e a tal proteção permanente fique comprometida ou inexistente. É mais ou menos como o que ocorre nas cidades litorâneas em que grandes construtoras constroem espigões em áreas proibidas, mas só são incomodadas depois dos prédios levantados. Os prédios não são demolidos, multas não são pagas e os corruptos recebem uma grana extra para emitirem alvarás) e florestas nacionais (este é um conceito estranho. Toda floresta entre nossas fronteiras, com exceção das plantadas por particulares, são florestas nacionais. Nesse caso, o termo refere-se às reservas e parques florestais demarcados e regulamentados. Essas áreas são constantemente invadidas e em algumas delas existem fazendas de pecuária, carvoarias e outras atividades ilegais. Novamente vem a questão da fiscalização. As atividades econômicas estão dentro dessas áreas, os órgãos oficiais sabem disso, ninguém é retirado, as ocupações aumentam em área e em pessoal e fica tudo por isso mesmo.


A intenção pela necessidade de regulamentar a ocupação da amazônia é louvável, mas se não houver uma ampla discussão, será mais uma lei que vai ficar no limbo das leis que não pegam e isso não será nada benéfico para os biomas amazônicos, para a população nativa, para a economia local – embora sejam muitos locais -, enfim, medida inócua.


Até o momento quem pode estar batendo palmas para a MP 458 são os grileiros. Os laranjas se proliferarão ocupando terras, pegando a titularidade e repassando os títulos pra os grileiros que, ou montarão latifúndios, ou especularão, como hoje, inclusive vendendo para estrangeiros via internet.





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6 comentários:

Nanda disse...

Marcos, talvez o maior problema seja esse, não há ampla discussão sobre o tema - aliás, sobre quase nada nesse país. E quando começa algo, logo é abafado por algum evento ou escândalo, não há continuidade... Ainda bem que blogs conscientes como o seu e da Luma abrem espaço pra esclarecer e debater! Beijos.

Beatriz disse...

Texto excelente. Equilíbrio é sua marca. Vc mostra bom senso encarnado em alguém cujos sentimentos , desde a infância, foram nobres, voltados para os mais necessitados. E , ainda assim, é capaz de pensar sem cair nos jargões politicamente corretos e sair defendendo políticas mal planejadas. Vc amplia a discussão e mostra que qualquer escolha implica em perdas e que é necessário saber colocar na balança nessa hora.
De nada adianta defendermos a amazônia, a flora e a fauna...tratando a região como uma redoma e deixando o povo lá preso e passando fome.
Gostei muito do texto

Carlos Emerson Junior disse...

Marcos, não conheço a Amazônia. Mas não é preciso ir lá para saber que fiscalizar aquele mundão não é para qualquer um, muito menos um governo tão desgovernado como esse...
Em compensação conheço bem os dois Mato Grossos e Goiás e, vi o que a grilagem, oficial ou não, fez por lá. Não é à toa que MT é o estado que mais desmata e queima do Brasil.
E olha que até pela ocupação populacional e tipo de terreno, o centro-oeste é muito mais fácil de fiscalizar...
Um abração.

Anônimo disse...

Lullinha quer fazer da Amazônia muito mais que cartão postal para os gringos, essa é a verdade! Afinal, ele não governa o Brasil para os brasileiros, este é um governo de fachada para inglês ver (vide frase do Bill Clinton essa semana). Os terrenos de até 1.500 hectares, com essa Medida Provisória, serão transferidos para pessoas jurídicas e físicas, como também para hotéis situados em 'nossa floresta', ainda! Será por assim dizer um dos maiores crimes ambientais da história do Brasil, se esse sr. despachar esta medida. Minc, agora após ver que a medida não passa pela opinião pública, pensa em fazer modificações.
Marcos, como sempre excepcional! Beijus

Eliana Gerânio Honório. disse...

Marcos

Muito lindo!

Unknown disse...

Conhecedor que sou das peripécias que nossos governantes aprontam, aposto que não vai dar certo na forma como foi proposta.

Como sempre o grande Marcos deitando e rolando no uso das palavras. Vai firme...