Certo dia eu e o Almirzinho fomos visitar um amigo comum, o Mário, que tinha um filho com dois anos e pouco de idade, o Pedro. Mário e Almirzinho eram músicos e eu arriscava escrever algumas letras de vez em quando. Sentados em cadeiras na varanda discutíamos música, cantávamos alguma coisa enquanto o Pedro brincava ao redor, pulando, correndo, gritando, coisas de um quase bebê. Num determinado momento o Pedro tropeçou e caiu aos pés do Almirzinho. De pronto levantou-se e já se preparava para voltar às suas peraltices, mas o Almirzinho, com aquele tom de voz que costumamos usar com as crianças, meio tatibitati, como se o consolasse, começou com um “tadinho do Pedrinho. Chora não, bebê, não foi nada, só um tombinho”. O Pedro não ameaçava chorar, pelo contrário, queria era voltar às brincadeiras.
Sem tocá-lo, o Almirzinho continuou: “ô, dodói, Pedrinho. Num chora, se der um beijinho passa, logo, logo para de doer. Ai que peninha...”. E insistia que o garoto havia se machucado. Aos poucos vimos o sorriso sumir do rosto do Pedro, sua boca arqueando-se para baixo, as lágrimas vindo aos olhos. Quanto mais o Almirzinho a consolava, mais a criança passava a sentir pena de si. Não demorou, Pedrinho abriu o berreiro, se jogou no colo do Almirzinho e o deixou afagá-lo para consolar a dor que não sentia.
A cada tentativa da esquerda de vitimizar partes da sociedade, me lembro desse episódio. Que no Brasil sempre houve desequilíbrio social, racismo, discriminação contra velhos, deficientes físicos, índios, macumbeiros e outros muitos grupos, isso é sabido, embora disfarçado ao longo da história. Para minimizar isso algumas leis foram criadas, outras aperfeiçoadas, a mais famosa delas a Lei Afonso Arinos que tornou crime o racismo – volto a dizer que não concordo com essa terminologia por não reconhecer raças nos seres humanos. Raça é a humana, o resto são etnias.
Há décadas é permitido ao cidadão recorrer à justiça sempre que se sentir ultrajado, discriminado, ofendido, caluniado, difamado ou injuriado, mas não basta à esquerda conscientizar as potenciais vítimas, cada um de nós, de seus direitos legais, tem de vitimizar-nos, de preferência em grupos, para que seu intento tenha mais notoriedade e os resultados massificados. É como se chegasse a um negro, por exemplo, e insistisse na idéia de que ele é discriminado, mesmo que o indivíduo jamais tenha sentido-se excluído. “Meu querido afroamericano, a sociedade o discrimina”, aí o cara diz “não, jamais fui discriminado. Sempre fui bem tratado, estudei na mesma escola em que muitos outros negros e brancos estudaram, tive as mesmas oportunidades e tentei minha ascensão social em igualdade de condições”. Porém, a esquerda insiste, “não, querido, isso é apenas o que a elite branca permite que você ache. Hoje você é apenas um diretor da empresa, por que não é o presidente, ao invés daquele branco europeu? Porque ele é favorecido pela cor da pele”. O negro ainda não vê assim, insiste, “o currículo dele é melhor que o meu, ele tem doutorado em Harvard, tem vinte anos mais de experiência que eu, está há dez anos a mais que eu na empresa, é justo que ele presida, um dia talvez eu chegue lá”. Mas a coitadização ideológica não se deixa vencer com essa argumentação e continua insistindo, tanto argumenta e mostra seus fatos que o negro começa a duvidar de que o processo é transparente, passa a crer que por trás das aparências há uma manipulação conspirativa para usá-lo como escada para que a elite branca se promova às custas de seu suor negro. Por fim, cede. Percebe que jamais será alguém sem o respaldo humanitário da esquerda maravilhosa e torna-se mais um militante do socialismo redentor.
Esse exagero fictício repete-se deveras no dia a dia. Dividindo a sociedade em guetos, negros-vítimas, índios-coitados, mulheres-ultrajadas, pobres-explorados, gays-massacrados, crianças-bulinadas, wiccas-incompreendidos e dezenas de outras minorias são cooptadas com a argumentação de que são todos vítimas dos que estudaram, se esforçaram, aproveitaram as oportunidades que o sistema lhes deu e, meritocraticamente, assumiram a gerência das empresas, da produção e do país.
Com esse exército à paisana, mas uniformizados como os coitadinhos, a esquerda avança galgado na empatia que demonstra pelos fragilizados.
Termos como “releitura” e “desconstrução” tornam-se populares por meio de artistas cooptados, jornalistas e lideranças comunitárias, mas nada mais são do que a demonstração de que o que já existia tem de ser destruído para que a nova ordem se fixe. As minorias que, somadas, tornam-se o quase todo, são o apoio do qual é retirada a capacidade de análise imparcial, lobotomizada, crédula por ter suas fraquezas e inferioridade expostas na insistência do coitadismo de que fizeram com que acreditassem serem vítimas.
Mas nem só com idéias compram-se consciências, há a necessidade material, e aí surgem os programas sociais, as bolsas, os empregos, as assessorias, as ONG, o apoio estatal, as leis discriminatórias às avessas, o poder não meritório dado às vítimas que, revanchistas e raivosas, tornam-se elite, mas continuam no discurso vazio contra as elites. Palavras de ordem são plantadas na mídia e gente que se diz tão culta e capacitada as repete como verdades absolutas.
Usando da força da insistência dos discursos repetitivos, a esquerda ganha simpatia e manda e desmanda. Seus chefes fazem fortuna usando a igualdade social, contando com a desculpa repetida pela sua convicção delirante e desonesta na ilusão de que as palavras mudarão a realidade. Premissa que não sustenta um minuto de suas vidas que ao contrário do que afirmam não se encarna em discurso mas na experiência vivida.
©Marcos Pontes e Beatriz Mecozzi Moura
11 comentários:
Mais um grande texto. Ótimo mesmo.
Que presente de sábado este. Obrigada queridos, vcs me fazem refletir e aprendo muito.... Texto impecável.... Precisa ser lido por muitos. Farei minha parte. rsss Abraços e ótimo fim de semana!
Em poucas palavras: Os canalhas aproveitam a desgraça alheia pra se promoverem!!!
Maravilhoso, bem explicito, Parabens!
Cara, é isso mesmo o que acontece, vi essa cena do Almirzinho muitas vezes em minha vida, as pessoas acham que ter dó é algo positivo mas é muito pernicioso. Sempre que alguém perto de mim diz "coitado", eu digo: coitado é quem sofreu ação de coito. Parabén pelo texto.
Parabéns pelo texto
Deus te ilumine
Muito bom texto!
Aplaudo de pé! Parabéns!! Excelente!!
Pena que essa mensagem chegará a tão poucos brasileiros.. mas fico feliz por ter chegado até mim e alguns Queridos que muito estimo como Ajuricaba, Nadia e Adrí!
Abraços!!!
meninos, vocês ar-ra-sa-ram! a imagem da criança foi a melhor sacada que li em tempos.
Muito bom. Mais um elucidativo texto!
Qualquer comentário, seria apenas redundante. Texto, como sempre,muito claro e corajoso, que bem demonstra a manipulação esquerdista nos seus interesses.
Parabéns!
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