Elis, 25 anos
Música em minha casa foi uma constante. Meu pai tocava violão, cantava muito bem, era um comprador de discos e de vitrolas. Meusquatro irmãos mais velhos seguiram o caminho. Um deles, além de tudo, era um experimentalista: inventava de tocar xilofone, escaleta, percussão, além do violão, e ainda criava instrumentos, à moda de Hermeto PAscoal.
Assim fui educado ouvindo de Noel Rosa a Emerson, Lake & Palmer; de Assis Valente a Beatles; de Aracy de Almeida a Aphrodite's Child e muito mais coisas.
Esse irmão experimentalista alimentava uma dúvida tipicamente brasileira: quem era a melhor cantora brasileira em sua adolescência, Maria Betânia ou Elis Regina? Eu me atinha à condição de ouvinte.
Certa manhã, irmãos na escola, pai no trabalho, mãe na cozinha e eu vadiando, o único que estudava à tarde, recebi a ordem de limpar o jardim. Liguei o som, muni-me de vassoura, pá, ancinho e tesourade poda e fui cuidar da grama. Nossa casa ficava nos fundos de uma vila, muitas árvores ao redor, nenhum trânsito na rua e um silêncio delicioso. Ambiente ideal para se ouvir uma boa música.
Na FM começam os acordes de Travessia, de Milton Nascimento e Fernando Brant, e a voz de Eliz. Eu já ouvira a música, a cantora e as duas juntas dezenas de vezes, mas aquela audição ficou tatuada na memória. Acontecia como se fosse a primeira vez. Me encantou a melodia, a letra, o arranjo e, principalmente, a clareza da voz de Elis, as frases exatas, a dicção perfeita, a emoção em cada sílaba.
Justo eu que não sou chegado a idolatrias, havia ganhado um ídolo.
Pouco tempo depois, nessa mesma casa, quando eu estavasaindo para a escola, ouço a Leda Nagle, então apresentadora do Jornal Hoje, da Globo, anunciar a mortede Elis Regina.
Fiquei muito triste, mas ainda sem perceber a magnitude da perda. Não haveria substituta à altura do talento e do carisma de Elis. Vieram Adriana Calcanhoto, Marisa Monte, Selma Reis, Paula Toller, Zizi Possi e tantas outras, mas Elis é inalcançável.
Nunca perguntei ao meu irmão se ele sanara sua dúvida, mas, para mim, hoje é claro qual era a maior entre Betânia e Elis.
Esse post é minha contribuição à proposta da Vera de um post coletivo sobre os 25 anos de morte de Elis Regina.
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