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sábado, abril 29, 2006

Se o sistema prisional brasileiro não recupera os bandidos, mais uma razão para as penas serem mais longas e mais severas.





O Julgamento


Com minha peculiar sorte para sorteios, é óbvio que não escaparia do juri de ontem. Dos 21 jurados convocados pelo juiz, três faltaram, uma estava grávida, outra pediu dispensa por conta de uma entrevista de emprego que teria ontem, uma terceira, convocada pela primeira vez, procurou o advogado e pediu para ser liberada por ser muito emotiva. Éramos apenas 15 para serem sorteados sete.

Cinqüenta por cento de chance para ficar de castigo o dia todo, sentado numa cadeira que vai ficando desconfortável conforme o tempo passa e completamente incomunicável, exceto com o juiz, o único com quem podemos falar qualquer coisa.

Já tenho até minha cadeira predileta, naquele cercadinho em que ficamos confinados.

Apresentado o caso, fiquei confuso logo de cara. O juiz aprensentou o réu como Eronildes Galdino dos Anjos; ao ser inquirido pelo promotor epelo advogado, foi chamado de Carlito Galdino dos Santos. Eu estava achando que o problema estava na minha audição. Ou estava ficando surdo ou a diccção dos outros estava precisando de uma melhorada. Mas nenhuma das duas. Filho de pais analfabetos e com estudo somente à terceira série, Carlito alegopu que seu nome era Eronildes e que Carlito fora um apelido que se popularizara, quanto ao sobrenome... Bom, isso ninguém conseguiu explicar.

Em 1996 ele havia matado, com a ajuda do pai, um açougueiro, no interior do Mercado de Carnes. Magarefe, ele havia entregado a Rubens, uma cargade carne para Rubem, a vítima, e não recebeu o dinheiro no prazo acordado. Para quem não está habituado a esse comércio essencialmente informal, não se costuma utilizar recibos e contratos assinados. Como há séculos, os negócios são feitos "de boca" e na caderneta.

Cobrado por Carlito e pelo pai, Rubem deu aos dois um Fusquinha e passara a ser credor dos dois. Os magarefes deveriam devolver R$ 970, 00, coisa que não fizeram. Rubem, precavido, não entregou o DUT do carro e só o faria depois que os devedores lhe devolvessem o troco. Essa pendenga durou três anos.

Cansado de esperar e não chegando um acordo à dupla, Rubem procurou a polícia e denunciou o roubo do carro, que foi apreendido e devolvido ao açougueiro. Imaginem o tamanho que o rolo havia tomado.

Rubem voltara a ser devedor. Como não tinha conta em banco, deu um cheque da filha para a dupla credora e pedira um prazo para que o cheque fosse descontado, mas na data a conta estava descoberta.

Rubem morava em Porto Seguro e vinha toda semana a Eunápolis para abastecer-se de carne. No dia do crime, Carlito e o pai, Elias, chegaram cedo ao Mercado de Carnes e ficaram sentados num banco, esperando a chegada de Rubem. Todos ali sabiam que da questão existente entre os três, Mozar, também magarefe, e amigo meu há um bom tempo, tentou telefonar para Rubem, alertando-o que não viesse a Eunápolis. Pai e filho o matariam se viesse, mas não conseguiu alertá-lo a tempo.

Assim que Rubem chegou, Carlito, então com 34 anos, já partiu pra cima do açougueiro, que tinha 49 anos, deu-lhe um soco, o agarrou por trás e gritou para o pai "mata ele, pai!". Elias, o pai, deu uma facada nas costas de Rubem que gritava por socorro e pedia que não deixassem que fosse morto. Dois outros açougueiros tentaram impedir Elias, mas este os ameaçou, mataria quem se aproximasse. Enquanto isso Carlito imobilizava rubem no chão.

Interrogado, Carlito disse que só lembrava-se de duas facadas, uma na coxa e outra nas costas. Mas dissera, também, que havia ido sozinho ao Mercado, que fora agredido primeiro por Rubem e que seu pai chegara no exato momento em que Rubem agredia seu filho e que o esfaqueara paradefender o filho.

Os depoimentos de cinco testemunhas, porém, eram unânimes em afirmar que os dois haviam chegado juntos e que ficaram horas sentados num banco à espera de Rubem.

Eu pedi ao juiz que fosse lido o laudo dos legistas. Ali constaram que foram deflagradas 13 facadas e não só as duas que Carlito dissera. Depois de esfaquear o açougueiro, Carlito dissera ao pai "ele ainda está vivo, pai". Daí, Elias voltou e cortou a garganta de Rubem. A essa hora eu já definira meu voto.

A viúva de Rubem depôs. Uma senhora elegantemente vestida de uma maneira sóbria e simples, ar de mulher trabalhadora, tentou segurar, mas não pôde evitar o choro, doído, sofrido, ao lembrar-se que Rubem havia deixado duas filhas, uma de treze e outrade dezesseis anos. Carlito e Elias privaram aquelas meninas da convivência e do suporte do pai. A mãe tivera que sustentá-las, educá-las, de dona de casa passara a ser costureira e mais o que pudesse para poder manter as filhas.

Depois do assassinato, pai e filho fugiram para São Paulo e depois para Imperatriz, no Maranhão, onde ficaram por oito anos. Seguro de que haviam esquecido dele, Carlito voltou pra cá, mas alguém o denunciou e foi preso no ano passado, dando continuidade ao processo, parado desde a fuga.

Uma coisa me intrigou muito e ainda não consegui explicação para o fato. Depois de matar Rubem, Elias tomou Carlito pelo braço e disse "nós temos que saudar o defunto". Juntos saltaram sobre o cadáver e chamaram seu nome três vezes. Eu perguntei a Carlito o que significava isso, se era uma pedida de desculpa pelo que fizeram, se eram uma maneira de encomendar a alma, se era para vangloriar-se pelo feito. Qual o significado daquilo? Carlito disse que não sabia o que era, que seu pai quem o levara a fazê-lo, mas achava que era uma "simpatia". Ainda estou intrigado com a coisa. Juro que vou procurar alguém mais antigo e da zona rural para que me tirem essa dúvida.

Lidos os autos, inquiridos o réu e as testemunhas, começavam os debates entre promotor e advogado. Essa é a parte chata do processo.

Cada um tem direito a duas horas para defenderem suas teses e convencerem os jurados. E eles usam odo esse tempo, mesmo que sejam repetitivos, que nós já tenhamos entendido tudo. São quatro horas de falação e nós ali, com a bunda achatadas e doloridas nas cadeiras que vão ficando desconfortáveis com o passar do tempo.

Talvez por eu ter sido o único jurado a fazer perguntas, promotor e advogado falavam, falavam e falavam olhando diteramente pra mim, olho no olho, raramente desviavam o olhar. Como um sujeito educado, eu procurava não demonstrar desatenção ou estafa e encarava aqueles olhares. Mesmo achando longos aqueles discursos, mais longos que o necessário, encarava numa boa.

Terminados os dscursos, era a hora da réplica e da tréplica. Mais meia hora para os dois. Mais uma hora de bunda achatada contra a cadeira.

Já eram quase dez da noite quando fomos conduzidos à sala secreta para o veredito. Por mais esforçado que tenha sido o advogado de defesa, por melhores que tenham sido seus argumentos, não teve saída para Carlito, o "Bimbão" - já que ninguém sabe seu nome verdadeiro, nem a própria mãe, que também testemunhara, "Bimbão foi como a defesa e acusação resolveram chamá-lo, apelido unânime -, por sete a zero foi condenado. O juiz deu-lhe uma pena de 15 anos e seis meses.

Elias continua foragido.

Dia 19 de maio já estou convocado para novo julgamento. Ai, meus sais!

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