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segunda-feira, dezembro 24, 2007


Vou tentar ser suscinto, embora seja difícil, levando-se em conta o que passei de bom nos últimos cinco dias.

Alguém, não sei quem, chegou a uma pousadinha num lugarzinho lá no finzinho da Bahia, fronteira com o Espírito Santo, com meu livro na algibeira. O cara lia e gargalhava, sucessivas vezes. A dona da pousada, uma velhinha com seus 70 anos, ficou curiosa, de que tanto ria aquele sujeito?

Ele então falou das história do livro, que o havia adquirido em Eunápolis, e contou alguns dos contos para a velhinha.

Alguns dias depois recebi um e-mail do dito cujo, que não se identificou, dizendo que a tal senhora queria me conhecer e que tinha muitos "causos" pra me contar. Para ela, aquelas ficções que eu lançara no papel eram, na verdade, transcrições de conversas que eu ouvira por aí.

Como eu adoro "causos" e fiquei, também, curioso em conhecer a velhinha e ouvir os seus, procurei me informar sobre o lugar, como chegar lá.

Tenho um amigo que trabalha no posto fiscal, justamente ali na fronteira. Liguei pra ele e perguntei como chegar ao lugarejo chamado Costa Dourada, nome pomposo, digno de um daqueles resorts que infestam nosso litoral. O amigo, o O.X. (esse merece um post só pra ele. Por três vezes eu tentei apresentá-lo a vocês, mas nenhum dos textos ficou à altura de tão magnífico sujeito. Uma hora eu acerto a mão e desencanto), disse que já estivera lá, mas que era difícil explicar por telefone. Eu, então, sugeri que iria até o posto fiscal na sexta feira e lá ele me indicaria como chegar ao lugar.

Mais uma vez ele me desanimou. Saindo da BR-101 havia um vedadeiro labirinto entre as plantações de eucalipto, eu me perderia com certeza. Em contrapartida, ele me propôs que fosse com ele daqui de Eunápolis na quinta-feira, ele me levaria até lá e voltaria para o posto, uma vez que na sexta começaria seu plantão. O.k., topei a oferta e sugestão.

Saímos na quinta cedinho. O O.X. tem uma perua Quantum, ano 1985, o carro está velho, mas funciona perfeitamente. No bagageiro ele levava 20 cestas básicas. Lógico que era para distribuir entre os pobres, o que eu não sabia é que ele faz isso todos os meses quando sai daqui para dar expediente no posto fiscal, não é um ato nobre apenas porque estávamos às vésperas do Natal, o que fez aumentar ainda mais minha admiração por ele.


À beira da BR existem dezenas de casebres, muitos com placas com a da foto aí de cima. Como não pode auxiliar a todos, o O.X. já fez sua seleção: prioriza aqueles em que existem crianças. Eu me envergonhava a cada parada porque as pessoas achavam que eu fazia parte da distribuição e porque me senti um sujeitinho pequeno e egoísta diante da nobreza do meu amigo. Para não ficar um post enfeitado demais, colocarei apenas essa foto, de todas as que tirei no decorrer da viagem.

É de chorar de emoção, que fiz força pra controlar, ao ver as crianças sorrindo de tão felizes, das mães aliviadas por terem algo para dar aos filhos pelo menos naquele dia.

Por conta dessa distribuição de alimentos, percorremos os 260 km de viagem em 8 horas. Façam as contas comigo e chegaremos a uma velocidade média de 32,5 km/h. E isso não é por conta de estrada ruim ou do mau funcionamento do carro, não, senhoras e senhores, mas por conta da atenção que o O.X. dá a cada família agraciada. E tem mais uma coisinha: ele não se identifica, não pede nada, não sugere nada. Apenas entrega as sacolas e bate um papinho com aquela gente carente de atenção.




Voltando à viagem. Realmente, eu jamais acharia a Costa Dourada sem me perder umas quinhentas vezes naquele labirinto de árvores e estradinhas entrecruzando-se a toda hora. Saindo da BR-101, são apenas 37 km de estrada de terra, estrada, aliás, bem feitinha e conservada, por conta da fábrica de celulose Suzano, que dá manutenção constante para que seus caminhões que transportam as toras para a usina não sofram acidentes e nem se depauperem facilmente.


Mais uma vez vou ter que abreviar a postura de fotos, mas tentarei dar uma idéia do que é a Costa Dourada.


A localidade é um distrito do município de Mucuri. Lá pode-se chegar de carro ou de ônibus, embora esse ônibus só acorra ao local nas segundas-feiras e sábados, saindo da cidade espiritossantense de Pedro Canário. A Costa Dourada não passa de um arraial com casas esparsas que até chegam a lembrar as localidades amazônicas onde os vizinhos distam sete quilômetros uns dos outros. Na Costa Dourada as distãncias não são tão grandes, muito pelo contrário, a densidade demográfica é que é pequena. A localidade surgiu de um loteamento e as casas estão sendo construídas muito lentamente.


O O.X. já havia se hospedado na Pousada da Tia Fina, essa a velhinha que queria me conhecer. É ela que nós vemos na foto acima. À direita está seu Betinho, marido da Tia Fina. Não é uma pousadinha, mas um pousadão para os padrões locais. Tem, se não me engano, 24 apartamentos e mais uma casa mobiliada também para aluguel.


Tia Fina nos recebeu como velhos amigos. Mineirinha de Governador Valadares, está há 17 anos morando na Costa Dourada. Fico imaginando como era aquele arraial há dezessete anos... Gente boa demais da conta, sô! Os dois têm sempre um sorriso no lábio e dois dedinhos de prosa, embora estejam vinte e cinco horas por dia envolvidos nos afazeres da pousada.


No Google você poderá encontrar várias imagens da Costa Dourada, por isso não colocarei muitas por aqui.


Voltando à Tia Fina e seu Betinho. Terminei não ouvindo seus "causos". Cada vez que eu dava uma alfinetada para ela destampar o baú, ela desconversava, coisa de mineiro. Eu ali, prontinho, mp-4 na mão, pronto pra gravar as histórias e ela saindo pela tangente. Como meu propósito era de passar alguns dias, preferi não forçar a barra. Tentaria conquistá-los primeiro e, na hora que ela se sentisse à vontade, eu estaria ali para ouir, gravar e anotar.


Havia levado dois livros, bagagem constante em minha viagens, o do Marco e o do Ordisi (amanhã colocarei um post sobre o livro do Marco e depois de amanhã um sobre o do Ordisi). Como tempo não faltava, o dividia entre explorar o lugar, ler e bater papo com os velhinhos.




Sexta-feira, só eu naquelas areias. Andei sete quilômetros para o sul, pela areia; depois mais sete quilômetros para o norte. Sabem o que encontrei? Nada, apenas uma beleza estonteante e o mar menos ruidoso que já ouvi na vida. É impressão minha, estou ficando surdo ou aquelas ondas não fazem aquele barulho de escola de samba quando quebram na areia? Só se ouve o barulho da água e não aquele ribombar que impede o sono à noite.


Falésias e mais falésias que lembram Canoa Quebrada ou Morro Branco, embora menores e menos coloridas. Lindo! Não vi mangue, por isso não vi caranguejos, conchas, tatuís... Isso também explica a pouca pesca nos cardápios dos poucos restaurantes. Bom para os espiritossantenses que afluem ao lugar e adoram carne.

Pela primeira vez viz algo assim na minha vida. Volte lá em cima e veja a primeira foto. Era a Lua indo dormir hoje às seis horas da manhã. Agora olhem a última. Era o Sol se pondo às seis horas da manhã. Bati as duas da sacada da pousada, no mesmo horário. Impressionantemente lindo.

Os "causos" da tia Fina? Não ouvi. Acho que a velhinha está tentando me forçar a voltar lá para ouví-los, o que farei com o maior prazer, assim que pintar uma boa oportunidade. Mas nem tudo foi perdido em se tratando de histórias. Seu Betinho me contou sua vida desde os dezessete anos até seus atuais 75. Nossa! Que saga!

O homem já trabalhou na plantação e colheita de café, três anos sem receber um centavo; limpou banheiro; trabalhou em serraria serrando toras de madeira em turnos de 36 horas ininteruptas por oito de descanso durante quatro meses; tornou-se mestre de obras na marra, não porque quis, mas porque um cliente o obrigou a fazer um galpão onde instalaria uma fábrica de roupas; já bateu no filho do patrão e foi agradecido por isso; já deu sova em marido de filha que a agrediu... Impressionante a história do homem. Ele diz que gostaria de escrever um livro sobre sua vida e o faria se não fosse analfabeto. Seria isso uma indireta pro escritorzinho de meia tigela que o estava ouvindo? Juro que fiquei tentado.

Hoje, o homem que tem o indicador da mão direita atrofiado por conta de muilhares de horas de trabalho pesado, sustenta filhos e netos com o aluguel de quarenta e três imóveis, construiu sozinho sua pousada e a da filha e trabalha desde antes do sol raiar até oito horas da noite.

Eu perguntei se ele não tem um ajudante nas obras. Sua resposta: "tenho, mas tô com medo dele pedir as contas, eu trabalho demais".

Encerro sugerindo que você, meu leitor e minha leitora, se quiser umas férias sossegadas no litoral da Bahia sem trio elétrico, sem preços exorbitantes, com muito sossego e uma prosa sempre pronta, vale a pena passar uns dias na Costa Dourada. E não esqueça de deixar uma mensagem na agenda de Tia Fina, logo abaixo da que eu deixei.




2 comentários:

Renato Brito disse...

Alô amigão, beleza?
Realmente Costa Dourada é um encanto. Me mudei para Conceição da Barra - ES há cerca de 25 anos atrás, no entanto, apenas em Outubro de 2009 conheci o lugar.
Pra quê... foi amor à primeira vista. Depois disso voltei mais 4 vezes e pretendo eu e esposa pegar um lotinho nesse paraíso. Conhecemos também a simpática Tia Fina, seu restaurante e suas pousadas...
Costumamos caminhar bastante pelas belas praias e nos encantar com as belíssimas falésias.

Abração e parabéns pelo blog, quando quizer visite o meu, em homenagem a restauração de Conceição da Barra. Visite:

http://conceicao-da-barra.blogspot.com/

Renato Brito

Anônimo disse...

Oi!
Sempre quis mudar-me para Costa Dourada, mas nao achava trabalho.
Este ano estou num aluguel Buenos Aires porque queria provar uma experiência diferente em outro país.