Desespero
Dá vontade de morrer ou de sofrer
Só para deixá-la com remorsos,
Mas se ela ficar com pena
O melhor é esquecê-la.
A não ser que me faça o cafuné
Pelo qual sempre esperei.
Mas se eu morrer, que besteira,
De que adiantariam os cafunés?
Ela é luz de dez mil sóis
E escuridão de noite apagada
No meio da selva sem frestas.
Ela é relâmpago quando passa.
E eu sofro de fazer dó
Por ela não vir que a vejo passar
No seu passo de pomba de guerra,
Ah, eu choro, como choro.
Em meio à multidão
De comércio em meio ao rush
Procuro a sombra iluminada dela
Mas só vejo sombras comuns.
Não sei se ela é de teatro, apenas,
De sei lá que literatura
Ou se é mulher de verdade,
Só sei que não a acho nos livros.
Mas quando a vejo
Fito-a com tanto cuidado
Com medo de quebrar com os olhos
Sua morenice fugidia.
Se ela é ou não é
Pouco importa para mim amante besta.
O que importa é que a amo
E como a amo, apatetado,
Largado de cara no mundo.
Um amor meio não quero
Como se de muito adiantasse,
com que diabos!, como preenche
O tempo, os espaços, o cérebro
A ponto de esquecer o resto,
De poetar calado para ela
Cada segundo, cada passo cardíaco.
E saio olhando as paredes,
As estrelas, as praias, o sol,
Imaginando como a vêem.
Parece que nada a viu
Porque nada me conta dela.
Me embriago esperando
Notícias dela no fundo do copo.
Copo vazio não fala e
Copo cheio se engasga ao falar.
Ela não está ali também.
Enfim, quando a encontro e
O coração tapa a boca
Querendo pular para a rua,
Não consigo falar da falta
Que ela me fez efaz.
Ela nem-te-ligo continua sendo ela
Gesso e bronze como estátua.
Estátua que anda e dança,
Não pára quieta, brinca e
bebe, sei lá em que botecos.
Estátua estática sou eu
Com medo que a um simples
Gesto se assuste e vá embora.
Fico quieto, estanque, estátua.
Nem assim a prendo.
Ela é máquina de se mexer.
Não sossega, é energia,
É força motriz, a danada.
No tempo de um piscar
Ela já sumiu entre ventos,
Folhas e papéis e lá se vai.
Tempo para reencontrá-la.
Caço e me coço para achar
Pelo menos as marcas do seu
Sapato, mas ela pisa tão suave
Que não deixa nem rastro para mim.
Ela é éter, tão volátil,
Que fico imaginando
de onde Orfeu a criou,
Se não é fantasia apenas.
Se há por baixo dos cabelos
Um cérebro pensante ou se é
Toda idéia minha. Se ela
Toma banho ou a água a atravessa.
Será que ela tem ossos?
Tem pensamentos? Saliva?
Será que ela dorme? Come?
Ou se alimenta de desejos?
Com tanta luz que irradia
Ela não pode ser real.
Ninguém pode vê-la, só eu,
Que sou um sonhador.
Ela é só mistério, é
História mal contada,
Mas não é apenas sonho.
Ela é mais que real.
Ela é passeio na praia,
Viagem a São Paulo,
É dança noturna, é
Beijo em lábios desconhecidos.
Ela é imagem gravada
Na eternidade do papel.
Ela é passos nas ruas,
É cerveja, suor e sol.
Como não violentar a vontade
E tentar invadir sua visão
Perdida nos paralelepípedos e
Solta na aragem litorânea?
Faço-me palhaço para ela,
Faço-me soldado, atleta,
Me faço de mago e bruxo
Para receber, de relance,
Um mínimo de olhar,
mesmo que não seja
Todo meu ou em minha
Intenção. Tento roubar
Qualquer segundo vazio
Que ela queira jogar fora.
Quero uma migalha de
Sua atenção dividida.
Tento um esbarrão descuidado:
Me desculpa, moça, eu...
Mas a oportunida flui, aérea
Por entre o estalo indeciso.
Tento, então, negar sua existência
Tão gasosa, tão querer, querente,
Cheia de arroubos de loucura e
Fuga, de descaso e aconchego.
Faço de conta que não existe
Só para me sentir bem.
Como me sentir bem
Sem a existência dela?
Como sonhar, comer, beber,
Andar vagabundo, poetar,
Se os sonhos que sonho
São todinhos delazinha?
Se os pratos que delicio
São feitos por suas mãos
E para seu fino paladar?
Se a água ou o álcool
Que refrescam o mínimo
Da memória que persiste
São em toda sua intenção
De existência infinita?
Se só ando vagabundo por
vielas pútridas, à toa, à toa,
Somente na esperança vã
De vê-la a uma esquina?
Se todos os versos poetados
São apenas e unicamente
Para dizer da saudade boba
E constante da presença dela?
A razão se torna amiga
Da emoção reforçada
Só para me contrariar
E dizer que ela existe, sim.
Quero a morte sem ar
Do último beijo dela.
Quero a vida intensa
Abraçado as braços dela.
Que todos os raios
Se reúnam no céu
E despenquem sobre mim
Se não conseguí-la aqui!
Que me venha a morte
Mais letal de todas as mortes
Se serei impotente de
Conseguir todo seu amor!
Que sequem os meus mares
E o horizonte se acabe
Se não forem para trazê-la
Com todo o seu feitiço!
Eu a sei morenice viva,
Viva, vida, viramundo, vaga,
E louco me enebrio
Bêbado de seus olhos.
Como eterno amante
Faço dela jamborandi,
Minha floresta e ar;
Elejo-a minha natureza.
Que danem-se os astros
E todos os horóscopos
Se predizem a distância
Que há de se impor
Entre nossos egos tão
Díspares e tão iguais
Na vontade de não mais
Ficarem lonje entre si!
Tem conto meu na revista Extremo 21.
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