Solitário e Arteiro
Não havia muito a se fazer naquela casa. Eu dormia, acordava, dava uma volta pelos cômodos, comia e voltava para o colchão macio de Carlota para dormir mais um pouco, hora após hora, todos os dias.
Me queixar? Que é isso? Era a vida melhor que eu queria.
Aos poucos fui ganhando uma coisinha ou outra para me distrair, o que foi ótimo uma vez que, com o passar do tempo, o sono foi diminuindo e o tédio começava a tomar espaço.
Carlota me amava, mas tinha o péssimo hábito de me manter preso quando saía para trabalhar.
O apartamento foi ficando pequeno, o que aumentava minha necessidade de procurar ocupação. Passei a explorar atrás de portas e portinholas, gavetas, subir nos móveis ou me meter sob eles em busca de novidades, como aquela aranha enorme embaixo do sofá. Tornou-se meu brinquedinho por horas até que, coitada, morreu de stress e inanição.
Quando Carlota chegava do trabalho e encontrava as roupas espalhadas pela casa, seus bibelôs em cacos pelo chão, panelas (que som engraçado elas fazem quando se estabacam das prateleiras) decorando o piso da cozinha, ralhava comigo, me punha de castigo e colocava ordem para eu ter o que faver no dia seguinte. Depois me colocava no colo, me perdoava e me fazia um cafuné gostoso.
Depois de uma tard de estrepolias, sonecava eu na poltrona, quando Carlota entrou com uma caixa devidro nas mãos. Hum, brinquedino novo, pensei eu. Mas na hora eu estava cansado, queria dormir mais um pouco. Preparei meus ouvidos para abronca pelo que fizera à tarde e voltei a dormir.
Esse brinquedo foi a minha desgraça.
Acordei de madrugada, cansado de dormir, dei uma voltinha pela casa, fiz uma boquinha, da janela do quarto, enquanto Carlota ronronava, fiquei olhando o movimento da rua, seu movimento lento àquela hora, os fittipaldis das altas horas desrespeitando os sinais, a velhinha sob os papelões embaixo da marquise, o jornaleiro em sua bicicleta azul... Naquela modorra, louco por uma aventura, lembrei-me do presente de vidro.
Corri para a sala, dei uma procuradinha rápida e o vi ali, na estante. Cheguei perto, meus olhos acostumados à pouca luz viram opeixinho dourado, devagarzinho de um lado para outro entre borbulhas.
Definitivamente, Carlota me amava! Embora tivesse lanchado havia pouco, não resisti. Me joguei sobre o aquário e me deliciei com aquele jantar surpresa.
Acordei com um puxão pelo cangote que quase me mata de susto entre gritos e choro de Carlota:
- Gato desgraçado! Só me dá dor de cabeça, prejuízo e trabalho, seu bosta!
Abriu a porta, me atirou no corredor e nunca mais pude entrar, nem depois de ficar lamentando à porta madrugada a fora.
Um presentinho para a Karlota.
Atendi a um convite e agora você pode me ler semanalmente também no Extremo 21,
que está sendo implantado agora.
Nenhum comentário:
Postar um comentário