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domingo, fevereiro 18, 2007

Carnaval


A princípio, nada contra o carnaval. Não há como negar a importância cultural dessa festa, a importância econômica com o grande afluxo de turistas de todo o mundo, a geração de empregos mesmo que temporários, a catarse popular e tudo o mais que estamos carecas de saber. Mas eu não gosto dele.

É engraçado ver pessoas que se dizem contra o Natal, o dia das mães e outras festas por serem datas comerciais e se entregarem ao carnaval como se fosse algo divino, coisa da alma, purificação do espírito... Essa, sim, é uma comemoração altamente comercial - e não tenho nada contra isso. Se não era essa a função do carnaval em seus primórdios, passou a ser com o passar dos anos. Se um baile de salão dava uma graninha para os donos do clube e para os músicos, os espertos transformaram avenidas e cidades inteiras num grande salão.

O carnaval carioca, o mais famoso, o mais rentável e o mais visitado por turistas nacionais e estrangeiros, foi deixando de lado os blocos de amigos, os corsos dos bairros e tornou-se uma atração no horário nobre, milhões de reais jorram dos bolsos dos foliões para os bolsos dos donos de escolas de samba, de televisão, de patrocinadores, de agências de turismos, de hotéis... Uma beleza! Faz o dinheiro girar, aquece a economia local, traz divisas para o país.

Por outro lado, aumenta os índices de violência, de acidentes de trânsito, de filas nos hospitais, que já estão um caos, surgem os filhos do carnaval, filhos de umas cervejas a mais e juízo a menos, a AIDS dá um salto quantitativo... Calma, não é nenhum discurso moralista de velho ranzinza, os números falam por si. Isso tudo faz parte da necessidade do brasileiro extravasar, embora seja um alívio de apenas três ou quatro dias, pelo menos fora de Salvador e de Olinda, cada um faz o que quer, o que pode e o que acha que deve, se achar alguma coisa depois de tanta birita.

O que me espanta de verdade é a exploração do pobre coitado assalariado, que para dançar na avenida, desembolsa parte do orçamento da família para comprar a fantasia. Entre os quatro mil brincantes de uma escola de samba, a minoria é da "comunidade", a maior parte é classe média do asfalto que pode pagar mais. O mesmo acontece nas arquibancadas. O pobre coitado que mora vizinho à escola não tem grana para a fantasia e muito menos para o ingresso, se amontoa pelos alambrados tentando fisgar com os olhos a passagem rapidinha dos carros alegóricos, aquela passista gostosa que a televisão mostrou a semana inteira, o filho que está na ala das "araras brancas de uma perna só que representa a reencarnação de Pagu sambando sobre as ruínas de Machu Pichu", naquelas explicações enormes que os carnavalescos usam e que só fazem sentido para si e para os jurados altamente capacitados.

Remando contra essa maré corporativistas das escolas de samba, no Rio proliferaram os blocos esse ano. Mais de trezentos se espalham pela cidade. Até que enfim estão percebendo que o carnaval deixou de ser uma festa verdadeiramente popular, estava se tornando uma festa classes média, alta e estrangeira.

Em Salvador a coisa não é muito diferente. Há quem pague um carnê, o ano inteiro, para ter direito ao abadá, à segurança das cordas e dos seguranças, à cerveja e a passar ou levar a mão na bunda sem correr o risco de um safanão da polícia. Os abadás estão tão valorizados e caros, mais e mais ano após ano, que sua distribuição precisa de segurança especial da polícia e de empresas particulares. Pessoas são assaltadas, fantasias são falsificadas por conta do alto preço daquela camisa de pano. Ao povão sobra a "pipoca", aquela turba sem dinheiro que segue atrás dos caminhões como penetras, pegando uma carona na música dos outros, no aperto, cotovelo no olho, pisada no pé, mão boba na bunda e na carteira.

No ano passado Carlinhos Brown causou constrangimento ao fazer um protesto diante do camarote (você tem idéia de quanto custa o ingresso numcamarote?) do ministro Gilberto Gil contra as cordas nos blocos. Segundo ele, e isso é fato, a corda é excludente. Hipocrisia à parte, o bloco de Carlinhos Brown também usa a corda. Esse ano Margareth Menezes anunciou que em 2008 seu bloco não terá corda. Será? Talvez a substituam por correntes.

Realmente nada contra o carnaval, só que não é pra mim. Não gosto de multidões, não gosto de me esfregar em gente suada, não gosto de ser empurrado, não gosto de pisão no pé, não gosto de bêbado chato, não sou fã de axé music e nem de samba de enredo, não gosto de barulho, não gosto de calor, não gosto de ônibus lotado, não sou cachorro pra correr atrás de caminhão, suo para ganhar meu dinheirinho para deixá-lo nas mãos de um batedor de tambor qualquer... Enfim, não vejo graça em carnaval, embora ache bonito a manifestação genuinamente popular e não as mega produções hollywoodianas em que transformaram os blocos de sujos.

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