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terça-feira, março 25, 2008

Oito anos

Família 004

 

A mais antiga memória é dele chegando do trabalho em sua bicicleta Caloi azul. Mas não é a mais tocante.

Quando faltava energia - e isso era comum naquele Brasil fronteiriço longínquo, mais longínquo há algumas décadas – ele pegava o violão, sentava-se na calçada e cantava por horas, para a lua, para si próprio e, sem saber, para minha memória eterna.

Não era chegado a afagos e nem conversas demoradas, mas tinha um zelo demonstrado com o olhar. O mesmo olhar que disciplinava. Muito diferente do último olhar que vi.

Era um olhar de adeus, lembrar dói.

Ainda guardo a camisa que meu e jamais vesti. Olhar para ela me ajuda a lembrar dele vestindo-a.

O amor é piegas, eu sei, mas quem ama não se importa.

Muito poderia falar desse amor e dos grandes momentos que tivemos juntos, principalmente nos seus últimos anos.

Não me apresentava aos amigos como filho, mas como “um amigão”. Em troca, conquistava meus amigos que tiveram o prazer de conhecê-lo.

Não dispensava uma cerveja gelada, um prato nordestino, um cigarro e uma roda de dança. Era um pé de valsa.

O orgulho era saber que os amigos, que ele sempre cultivou, defendeu e ajudou o quanto pôde, muitas vezes com o sacrifício do próprio bolso, sempre o tiveram como um homem honesto, íntegro e trabalhador.

Nunca o vi reclamar da vida ou de outra pessoa. Se não lhe agradava, se afastava e pronto.

Gostava de passear e viajar.

Adorava o jornal e a revista, além de muitos livros. Nunca nos deixou faltar comida e livros. Educava com o olhar e com o exemplo.

Uma vez me disse que não criara os filhos, criara galinhas; filhos ele educara. E tinha orgulho dos filhos que tinha.

A vida não é linear, talvez por isso as memórias sejam quebradas. Se ligam por um forte liame: o prazer de ter sido seu filho.

Na madrugada do dia em que ele deixou de sofrer, acordei com a impressão de que ouvia sua voz me dizendo “pára com isso... Não pense bobeira”. Acordei assustado, ele estava há dois mil quilômetros daqui, mas o ouvi. De manhã, recebi o pior dos telefonemas.

Ele me deixou no mesmo lugar em que nasci. A última pessoa de quem ele falou, foi de mim, em delírios. Perguntou à minha irmã se ela conhecia seu amigão da Bahia.

Lá se vão oito anos sem vê-lo, oito anos sem o abraço, oito anos desde aquele olhar triste de “adeus, não nos veremos mais”.

É, Chico, você me faz falta...

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