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sábado, maio 10, 2008

Não Chore

madre

 

Não chore mais, mãezinha. Aprendi tanto com suas lágrimas, mas se elas forem o preço para me tornar um sábio, nada mais quero aprender.

Minha primeira lição que elas deram foi saber o que é o amor. Não lembro, mas sei do seu choro na maternidade ao ver o pequeno rebento. A dor tinha sido muito para me parir, mas as lágrimas eram da alegria de me ver bem. E chorei esse mesmo choro tantas vezes na vida, o choro do amor que aprendi com a senhora antes mesmo de saber o que era.

Seu choro me ensinou o que são impotência e desespero. Ouvia seus soluços nas madrugadas por detrás da parede de madeira. A senhora chorava por não ter o que colocar à mesa no dia seguinte. De manhã, lágrimas secadas e escondidas no colchão, a senhora ia à feira, pechinchava pelos legumes já amarrotados, catava folhas descartadas e chorava de alívio nos vendo sorver aquela sopa rala como um náufrago abraçaria a última bóia.

Seu pranto me ensinou o tamanho e a dor da saudade na despedida da rodoviária. A senhora parada na estação me vendo partir para a casa distante do parente ainda mais distante, última esperança que tinha de me dar uma escola decente. Eu ainda não aprendera a chorar, apenas o que dizia o choro, mas naquela janela de vidro depositei minhas lágrimas escondidas do vizinho de banco. A senhora ficando pequenininha na distância até sumir na curva e eu pouco via, o pranto a me tapar a visão.

Não vi o pranto de orgulho ao receber a carta com meu convite de colação de grau, mas o vejo claro, nítido, escorrendo para o papel que, anos mais tarde encontrei borrado como que por gotas de chuva.

Aprendi com seu choro confuso de alegria e ciúmes ao me ver de mãos dadas com aquela desconhecida, no altar. A senhora de mãos cruzadas frente ao peito, rezava baixinho pedindo por mim e por ela, embora a estivesse odiando. Medo que ela estivesse roubando seu bem maior, o filho por quem vivera e por quem daria a vida se esta lhe fosse pedida.

Seu choro de desolação e pavor ao lado da cama do hospital ao imaginar que, agora, sim, a perda poderia ser definitiva. Aqueles muitos aparelhos que a senhora não sabia para que serviam, mas rezava para que não parassem. Meu coração rateando, bate uma, falha duas, os médicos apressados e a senhora sem nada poder fazer e querendo fazer tudo. Imagino quantos lenços não foram usados durante as horas de cirurgia. Quando abri os olhos, não havia uma lágrima em seus olhos, apenas um sorriso enorme, medroso, me acalentando.

Aprendi tudo o que seu pranto tinha a ensinar, mãezinha, não chore mais. Deixe-me chorar agora pela senhora. Não choro sua partida, mas a saudade que jamais apagará. Choro de gratidão por todos os caminhos e carinhos que me deu sem pedir troca. Onde estiver, sorria.

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Antes que alguém pergunte, não, dona Luci não me deixou. Está muito bem e até melhor que eu. Aliás, hoje também é aniversário dela.

A intenção do texto é homenagear às mães que já foram e os filhos que ficaram por aqui com uma saudade sem fim.

Parabéns às mães e meus sentimentos àqueles que já não as tem mais por perto.

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