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sábado, junho 25, 2005

Todo Lampião tem sua Maria Bonita e vice-versa

A Ditadura da Beleza

Vinícius de Moraes talvez possa ser responsabilizado pelo início dessa ditadura quando cometeu o verso "as muito feias que me perdoem, mas a beleza é essencial", lá pelos anos 60. O verso virou um ditado popular e os menos cultos (por sequer saberem quem foi Vinícius de Moraes) ou mais seletivos retiraram o muito, deixando apenas "as feias que me perdoem, mas beleza é fundamental".

A indústria de cosméticos poderia ter-se aproveitado disso e explorar tal frase à exaustão em suas propagandas, mas não o fez. Partiu para ataques mais sutis. Preferiu contratar celebridades lindas para promoverem seus produtos, comprar espaços enormes nos programas de televisão mais populares, investir pesado nas quartas capas das revistas mais lidas, namorar com a indústria do entretenimento fazendo com que seus modelos tronassem-se atores e contratou os atores e atrizes mais bonitos como garotos-propaganda.

Beleza é fundamental... O.k.. Beleza é fundamental! Beleza é fundamental? Fundamental pra quê? E mais, o que é beleza?

Olhe bem para seus pais. Abstraia o fato deles serem seus pais. Faça de conta que nem os conhece. E agora seja franco(a), seus pais são bonitos?

Provavelmente a maioria disse que sim. Óbvio que nossos pais são bonitos. Além do quê, não dá para esquecer, por mais que nos esforcemos, que eles são nossos pais. E por serem nossos pais, são bonitos. Se negássemos isso estaríamos negando nossa própria beleza e isso é crime maior do que passar rasteira em velhinha no ponto de ônibus.

Se beleza fosse fundamental, a humanidade não teria evoluído. Nossos ancestrais peludos eram muito feios.

Aí alguém viria com a máxima criada para rebater a máxima de Vinícius: "o que vale é a beleza interior".

Beleza interior... Se a beleza física já é tão subjetiva, como pode-se falar em beleza interior como uma coisa absoluta? Uma pessoa que você acha de uma beleza interior irretocável pode parecer a mim apenas um serzinho prepotente, pernóstico. Citando um outro poeta do passado, Taiguara, "o homem é mil". Cada um de nós é mil. Não me comporto com um simples amigo (sim existem simples amigos,assim como existem grandes amigos, amiguinhos e o melhor amigo) como me comporto com a mulher que amo. Opa! Não estou falando de intimidades sexuais. Assim como nos comportamos de maneiras diferentes numa festa de carnaval e numa missa. Óbvio, diria você. Óbvio, digo eu.

E sabe por que somos assim? Porque somos essencialmente estatutários. Seguimos leis muitas vezes tácitas, em cada ambiente diferente que freqüentamos. Se não, vejamos. Quando estamos sozinhos em casa nos comportamos como os senhores do reino. Fazemos e desfazemos a nosso bel-prazer. Ao sairmos passeando pela calçada somos pedestres e como pedestres nos comportamos. Andar pelos passeios e não pelo meio da rua é uma das regras tácitas. Ao pegarmos um ônibus passamos a ser passageiros e temos regras de passageiros a cumprir. Sentamos numa carteira de escola e já não somos mais passageiros e passamos a nos comportar como estudantes ou, no mínimo, como alunos, o que parece ser a mesma coisa, mas não o é. E essa transformação acontece incontáveis vezes a cada dia. Nesse momento, por exemplo, sou um digitador e você está sendo um(a) leitor(a). E como tais nos comportamos.

O que isso tem a ver com a beleza? Dependendo do ambiente e das pessoas que o compõem, nossos critérios de beleza mudam. Às vezes, radicalmente. Quando alguém nos diz que fulano ou fulana é bonito (a) ou feio(a), na maioria das vezes ainda não tínhamos parado pra pensar nessa pessoa com esses olhos de análise e, por passividade, concordamos. E quando discordamos nosso interlocutor normalmente se assusta. Como você não acha? Olha direito! Presta atenção! Já reparou na sua boca? Olhou direito para suas orelhas? Não notou as covinhas quando ri? E acabamos nos deixando influenciar e passamos a ver o ser analisado pelos olhos do amigo analisador. Somos hipócritas e influenciáveis. E passamos a defender essa tese como se nossa fosse.

A palavra de ordem desse início de século 21 é ser bonito e ponto final. A mídia nos bombardeia disso o tempo todo e os menos influenciáveis embarcam primeiro nessa canoa e passam a nos bombardear com a mesma idéia até que nos rendamos a ela. É bonito, por exemplo, mulheres vestindo calças de cós baixo. Pronto! Está instaurada outra ditadura. Todas as mulheres devem, portanto, vestir calças de cós baixo. Até mesmo as gordinhas que ficam parecendo um tubo de pasta apertado no meio. Mas só é bonito quem vestir-se assim e acabou.

A beleza não é fundamental, não mesmo. Ainda prefiro o antigo ditado popular que diz que "quem ama o feio, bonito lhe parece". A beleza é porcaria. No final das contas o que vale é o amor. Esse, sim, tem visão mais clara, menos analítica e menos influenciável. É o único ente completamente independente.




Doeu

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