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terça-feira, novembro 28, 2006

Ventanas


Pela Janela


Ainda pequenininha descobriu a janela. Na pontinha dos pés, braços apoiados no peitoril, punha-se a observar a rua. Na verdade, apenas um arremedo de rua, apenas um caminho tortuoso cercado por mato, casas esparsas, uma ou outra com uma cerquinha de madeira crua. Passavam vacas e cachorros e, de vez em quando, gente a pé. Para onde ia aquela gente? Raramente as via voltar. A mulher gorda passava com sua sacola de feira carregada de cheiro verde, sempre na mesma direção; o leiteiro com sua burrinha carregando os dois latões na ilharga, todas as manhãs; o velhinho de chapéu de palha de abas largas e a enxada no ombro, só ia, todos os dias; seu próprio pai que chegava à tardinha nunca saía. Dia após dias, os mesmos personagens.

Certa manhã percebeu que não precisava mais ficar na posição incômda e cansativa da ponta dos pés. Com as palmas plantadas no chão a vigília era mais agradável e demorada.

Viu as carroças chegarem com pedras, tijolos e areia. Na manhã seguinte os homens e suas ferramentas que cavavam linhas retas entrecruzadas, colocavam pedras e argamassa nessas valas, erguiam as paredes. Ela via a gestação e o parto das casas vizinhas, os novos moradores que chegavam aos poucos com suas muitas ou poucas tralhas, o que dizia se eram pobres ou muito pobres.

No primeiro de setembro a mulher gorda da sacola com verduras deixou de passar e a menina conheceu a saudade. As vacas tornaram-se mais escassas, as crianças mais abundantes e quando ambos se encontravam as crianças mostravam seu lado impiedoso atirando pedras e paus nos animais que debandavam na carreira que suas gorduras permitiam. Conhecera a imbecilidade racional.

De não sabia onde, no fim de uma tarde fria surgira um automóvel que passara rápido e barulhento levantando poeira. Com o susto que levara mal percebera que o monstro ruidoso era azul empoeirado. Depois deste outros apareceram, a cada semana com maior freqüência e as carroças lentas e silenciosas com seus cavalinhos simpáticos rareavam.

Amanhecia e ela ia para a janela enquanto as crianças iam para a rua. Brincavam de pega-esconde, amarelinha, bola, trepavam nas árvores menos a cada Mês, faziam algazarra entre gritos, risadas e ,às vezes, choro. No fim do dia voltavam para seus ninhos sujas, cansadas e felizes.

Viu uma delas sair de casa deitada num caixão branco, cercada de flores, de vestidinho branco, quatro homens a carregando, as mulheres atrás, véus cobrindo seus rostos que choravam enquanto cantavam um hino triste e compassado, entre elas sua própria mãe. Nenhuma criança. Elas espiavam o cortejo por trás de suas próprias janelas À noite a ouviria falar ao marido que precisavam vaciná-la contra sarampo.

Chegaram os caminhões carregando pedras, milhões delas, todas do mesmo tamanho e formato, outros carregando homens e ferramentas. Era uma barulheira animada que depois de algum tempo dava sono dada a repetição. Como vieram, partiram. Deixaram as pedras arrumadinhas sobre a rua, escondendo a terra, fazendo desenho igual ao dos tacos em que ela pisava.

Na semana seguinte vieram outros caminhões com mais homens e postes e fios. Enterravam os postes interligando-os com os fios, puseram lâmpadas enormes nos postes, puxaram fios até as casas e se foram. A partir daísuas tardes ficaram mais longas, gostava de ver as janelas acendendo quando o sol se apagava, uma a uma, aos pouquinhos.

Chegaram as televisões e as crianças sumiram das ruas. Não havia mais pega-esconde, baleado, bola... A gurizada foi substituída por automóveis, as cercas por muros, as janelas por grades, as árvores por postes, as estrelas por lâmpadas.

A vizinhança estranhou. Naquela manhã a janela da mulher triste não se abrira.

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