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domingo, dezembro 11, 2005

- Alô.
-Alô.
- Eu queria falar com a Mariana.
- Eu queria falar com a Mariana.
- Alô?
- Alô?
- Você é louco?
- Você é louco?
-Idiota!
- Idiota!
Tu... tu... tu...


Família cabocla
Sossego

Gumério lançou o anzol, esperou, esperou, esperou, sentiu a fisgada, puxou a linha, perdeu a isca e o peixe.

Colocou a segunda minhoca enquanto pensava na mulher grávida e nos cinco pequenos que esperavam em casa pelo que comer.

Faz o arremesso e, enquanto espera, põe-se a matutar sobre o que poderia ter feito diferente. Não se arrependia de ter roubado Everânia da casa dos pais. Era uma boa mulher, trabalhadeira, cuidava bem dele e dos pirralhos, não reclamava da vida. Eles não ouviam muito falar nesse negócio de amor e paixão e nem tinham afetos desnecessários, apenas se gostavam e gostavam de estar juntos.

Se tivesse aceitado aquele emprego de ajudante de pedreiro em Altamira as coisas estariam melhores? As notícias que recebia do seu irmão Glicério diziam que não. O salário de fome tinha que ser dividido com o aluguel do barraco e o sustento dos três filhos. A cunhada de Gumério não tinha tempo de cuidar das crianças. Para ajudar o marido arrumou um emprego na casa dos outros. Cuidava dos filhos alheios enquanto os seus ficavam sozinhos em casa.

Palafita amazônica
Tirando os problemas de comida, os outros ele não tinha. Sua palafita era sua, não devia nada a ninguém, Everânia tinha todo o tempo para eles, as coisas da casa e suas crias, não dependia de carregar tijolos oito horas por dia para receber uma miséria maior do que a em que vivia.

Quando a chuva era boa não faltavam o abacaxi, o feijão, a macaxeira e o jerimum, plantados no eito, para saciar a fome. Havia sempre a esperança de um bom peixe ou uma caça. A piroga era seu transporte até a vila onde podia vender o que produzia e não comia ou trocar por roupas ou querosene para a lamparina.

Não era a seca de hoje que o desanimaria. Deus proverá!

Só uma coisa o assustava, a doença. No remo ele levava mais de três horas até o posto de saúde e nem sempre o doutor estava lá. O mosquito da malária, que eles enxotavam à boca da noite queimando bosta de vaca, vivia em qualquer fresta e não poupava ninguém. Rezava todas as noites e todas as manhãs pedindo aos céus que os insetos não picassem seus filhos e tem sido atendido.

Reclamar? Não, não tinha motivo. Aquele céu que em noite sem chuva lhe parecia um festival de vaga-lumes, o barulho das águas que não parava e que parecia lhe emitir vozes, a bicharada que lhes servia de alimento para o estômago e para os olhos, a família que lhe dava consolo e ânimo, a força para trabalhar e o facão afiado... Não tinha do que reclamar.

Com um sorriso de satisfação já não maldizia o peixe que insistia em lhe roubar as iscas. Uma hora um tambaqui mais bobo cairia na armadilha.

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