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terça-feira, dezembro 06, 2005

"Quem não acredita em mula sem cabeça é porque nunca olhou em volta."
(Millôr)



Av. Porto Seguro
Daqui não saio

Tirando o período da minha primeira infância, sempre morei em capitais. Tudo muito longe, tudo muito difícil, desconhecidos em todos os lugares... Essa impessoalidade no trato com as pessoas varia de lugar para lugar. No Nordeste e no Norte as pessoas são mais afáveis, mais pré-dispostas a aceitarem novas amizades, enquanto que no Sudeste e no Sul o quase todo mundo lhe é quase um desconhecido.

Um amigo meu, nascido em Vitória e criado no interior baiano foi para São Paulo estudar. De férias por aqui estava me falando das dificuldades de adaptação. Num balada com os amigos da faculdade, quase todos com carro, na hora que começou a dispersão, cada qual tomando seu rumo, havia apenas aquela despedida, algumas mais efusivas, mas frias para seu costume nordestino. Naquela hora percebeu que não sabia onde os amigos moravam, quem eram seus pais, de que viviam. Ninguém oferecia carona para ninguém, no máximo um abraço e um "até amanhã". Lógico, esse foi um caso separado, mas esse tipo de relato é comum a gente ouvir.

A cidade grande afasta as pessoas. Mesmo seu vizinho de porta é um desconhecido.

Depois de cair numa cidade de interior, de onde não pretendo sair mais, essas diferenças me ficaram mais claras.

Dia desses fui a uma farmácia e a atendente, uma garota de seus dezoito anos que eu já vira algumas vezes, mas de quem sequer sabia o nome, me recebeu como a um velho amigo e me tratou de Marcos como se fôssemos íntimos. No supermercado, ao passar um cheque, a caixa manda chamar a responsável para que ela dê o visto. Quando essa moça, que sequer conheço, vê que sou eu nem vai até lá colocar o "ok" no documento, apenas dá um sorriso e faz um sinal afirmativo para a garota que está me atendendo. Fui ao restaurante e na hora de pagar a conta percebi que havia esquecido a carteira em casa. O gerente nem se amofina. "Assina a nota, Marcão, quando puder passa aqui e acerta." E essas coisas não acontecem só comigo. Coisas assim se dão porque todos sabem quem são todos, mesmo numa cidade de mais de cem mil habitantes. Cada um de nós tem uma referência, uma identidade. Não somos apenas mais um na multidão.

Mesmo que não tenhamos consciência disso, cada um quer ser único, até quando se veste igual a todos de sua tribo, já que a moda manda fazer isso. Quando somos tratados assim, como ser com identidade e gostos próprios, nos sentimos especiais. Somos especiais quando somos nós mesmos, interessante isso.

Hoje ao chegar em casa para almoçar, encontrei o Edney, ex-aluno meu numa escola estadual, tocando minha campainha.

- Falaí, Ney. Tudo beleza?

- Marcão esse fio aqui é do teu telefone?

Percebi que ele estava com o fio enrolado na mão. Como moro num prédio com cinco apartamentos, não podia garantir que era o meu.

- Peraí, Ney, deixa eu checar.

Entrei em casa e percebi que meu telefone estava mudo.

- É, Ney, é o meu.

- Um caminhão passou aqui e arrebentou o fio. Eu estava indo pra casa almoçar e aí vi o fio no meio da rua e vim ver se era o teu.

O rapaz trabalha numa empresa que presta serviços à Telemar.

- Pode ficar tranqüilo, Marcão. Eu vou almoçar e na volta eu passo aqui pra consertar. Me diz teu número pra eu testar lá na central.

Qual a probabilidade de isso acontecer numa capital? Quanto tempo levaria para meu telefone ser consertado se eu tivesse que ligar para a Telemar e passar por aquelas musiquinhas, mil transferências, duas mil e uma perguntas e um número de protocolo?

Às duas e meia eu já estava podendo falar com o mundo de novo. Sair do interior? Jamais!

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