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segunda-feira, dezembro 12, 2005

Se o lazer está atrapalhando seu trabalho, abandone o trabalho.


'Thetis Takes Achilles from the Centurion Chiron' (Batoni, 1770)
Insone

Duas da manhã. Ele já fumou, ligou e desligou a televisão dezenas de vezes tentando assistir a um daqueles filmes medíocres da madrugada. Depois de passear por todos os canais, tentou se concentrar no menos pior de todos, olhos abertos sem ver nada, os ouvidos não ouviam os diálogos ou sequer a trilha sonora. Quando deu por si, passavam-se os créditos finais. Não havia paciência para um outro filme.

Levantou-se e foi em busca de algum entretenimento na geladeira. Além de água, carne congelada, geléias sem nada para acompanhar e alguns legumes. Ficou apenas com um copo com água.

Da cozinha para o banheiro. Urinou, enquanto lavava as mãos ficou olhando aqueles olhos vermelhos no espelho. Vermelhos de cansaço e do choro mal contido. Tentou distrair-se tirando cravos do rosto, mas não achava cravos. Aparou ou pelos das narinas, fez a barba, tudo sem qualquer pressa. Não passaria o gel após barbear, o ardor o faria despertar ainda mais.

A janela do apartamento sempre aberta o recebeu para olhar a rua deserta e molhada da chuva melancólica que ainda caia. Mais um cigarro enquanto observava as gotas prateadas pela luz do poste empoçarem-se entre os paralelepípedos. Ao longe apenas um ou outro latido, até os cães de guarda se recolhem em noites molhadas.

Depois de jogar a bituca fora, pôs-se a observar a entediante dança da água. Talvez aquilo funcionasse como contar carneirinhos e ali ficou, tentando hipnotizar-se por algum tempo. Escorado no batente da janela viu a chuva cessar e continuava desperto, mas agora sentia cansaço nas pernas.

Ligou o computador, leu os sites de notícias, abriu as caixas de correspondências que já sabia vazias, somente alguns spnas devidamente apagados sem serem lidos. Tentou algum jogo que o divertisse, mas, àquela hora, todos lhe pareceram imbecis.

Só ele e as muriçocas acordados. Nem o apito enervante do vigia da rua se fazia ouvir.

Percebeu que a sala já iluminava-se das cores do dia. Arrependeu-se de não ter tomado aquele cafezinho à noite com medo que a cafeína lhe tirasse o sono. No fundo sabia que o que não lhe deixaria dormir, como nas duas noites anteriores, seriam as lembranças de Gilda.

Seu estoicismo não poderia mais resistir. Seu peito comportava-se como uma panela de pressão que tinha a válvula entupida e a pressão interna encontrava-se perigosamente alta.

Rendeu-se ao que deveria ter-se rendido havia três dias. Em poucas linhas escreveu toda a sua dor e saudade num e-mail para ela. Imediatamente após enviar a correspondência eletrônica sentiu um enorme alívio e o sono veio com o peso de uma bigorna.

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