Imaginemos a seguinte situação:
Um senhor é dono de uma loja de ferragens. Seu lucro anual é superior a R$ 120 mil, mas, para tentar se livrar da bocarra escancarada do Leão, só declara trinta mil. Pego na malha fina da Receita Federal, é preso e levado para a delegacia.
- Delegado, o senhor não é primo do Valverde?
Diga-se de passagem que Valverde é o dono da loja concorrente à do nosso personagem e tem ganhado todas as licitações públicas nos últimos anos.
- Sou, sim. Por que, algum problema?
- Não quero o senhor, não. Quero outro delegado.
Sem pestanejar, o delegado se retira, cabeça baixa, sentindo-se ultrajado, e cede lugar ao novo delegado. Este abre o inquérito, colhe depoimentos e documentos e envia o processo ao juíz.
No dia da oitiva, nosso réu também peita o juíz escolhido para seu caso:
- Excelência, o senhor lembra-se daquela pelada, quando tínhamos quinze anos, que eu dei um carrinho e quebrei sua perna totalmente sem querer?
- Como lembrar? Isso faz tanto tempo...
- Pois eu lembro! Naquele dia o senhor disse que um dia eu ia lhe pagar. Quero o senhor, não. Nem pensar que vou ficar em suas mãos!
O juíz, sem alternativa, retira-se, rabinho entre as pernas, ofendido, mas sem nada poder fazer. Em seu lugar assume uma juíza nova, recém empossada.
- Excelentíssima doutora, a senhora não tem cabedal para julgar meu caso. Se eu não aceitei um homem experiente como o doutor Tramalhão, vou aceitar a senhora? Ponha-se daqui pra fora! Tragam-me outro juiz!
A doutora sai, lágrimas nos olhos. Como ousa um ser totalmente despreparado nas lides do Direito tratá-la dessa maneira? Iria queixar-se ao desembargador, ao bispo, à imprensa... Quem chegasse primeiro.
Depois de escolher, entre todos os possíveis, quem poderia julgá-lo, nosso réu começa a briga para desfazer-se do promotor.
- Este é primo da dona Filó, de quem eu roubava mangas quando guri. Não serve!
- Este olhou pra mim de cara feia. Não quero!
- Este é homossexual. Nada contra... Tragam outro!
Vencidas todas as etapas contrárias ao gosto do réu, eis que consegue-se chegar a um consenso e o promotor é escolhido.
Hora das testemunhas.
- Senhor promotor, não posso aceitar essa testemunha que o senhor apresenta. Ela negou-se a aceitar a propina que ofereci. Não serve!
- Excelentíssimo senhor juíz, como a promotoria quer que eu aceite como testemunha contrária a meus interesses a noiva que deixei me esperando no altar, onde achei que ela se encontrava até hoje? Nem pensar!
E assim, uma a uma as testemunhas da acusação são dispensadas.
- Quais são as testemunhas da defesa?
- Minha mãe, minha filha formada em corte e costura, o caseiro da minha fazenda, meu primo de Cabrobó e minha parteira.
E por aí vai a pantomima. O final, previsível. Depois de o juíz aceitar uma ajudinha em dinheiro vivo como contribuição para que ele reponha seu rebanho de gado nelore, todo macho, que é mais rentável, a sentença é de total absolvição do réu tão injustamente acusado.
É mais ou menos isso o que está acontecendo nesse processo que anda-não-anda contra Renan Calheiros.
Calheiros escolhe o presidente do Conselho de Ética, o relator do processo e se não ficar satisfeito desfaz tudo e recomeça do zero. Esse réu só tem advogados, nenhum promotor. Enquanto isso as matérias, urgentes ou não, que deveriam estar sendo discutidas e votadas no Senado, atravacam o país.
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