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quinta-feira, março 02, 2006

A morte é uma das poucas coisas que podem ser feitas simplesmente deitando-se.

(Woody Allen)

A pobreza à beira d'água


Campo Maior, Piauí


Não durou mais que dez minutos a travessia de Campo Maior pelo ônibus. Quem cochilava nem viu. Os menos atentos não perceberam. Quem era acostumado às paisagens urbanas paupérrimas do sertão nordestino não viu mais que uma cidade modorrenta cozinhando no calor e temperada com a poeira vermelha que a pouca brisa espalhava.

Aquele passageiro, porém, observador treinado, habituado a viajar em busca de novos costumes, novas paisagens, amante das cores e formas, um homem que fazia a seleção das vistas que mais lhe impressionavam e arquivava as imagens em alguma gaveta especial do cérebro, viu um universo completamente diferente de tudo o que já vira.

Nas fachadas multicoloridas das casinhas de pé-direito baixo e telhados de barro com duas quedas, telhas moldadas nas coxas de algum caboclo, via a necessidade de um povo embelezar a vida feia. Nostetos baixos, via a necessidade de economizar nos tijolos, barro e cimento, quando o ideal seriam casas altas como recurso para amenizar os efeitos do sol constante e das noites abafadas.

Nas dezenas de crianças sujas e maltrapilhas que se enfileiravam ao longo da rodovia estendendo as mãos em busca de um adjutório qualquer, uma moeda que fosse, viu a miséria personificada em um povo esquecido como muitos povos esquecidos. Viu a fome em olhos infantis e nas costelas expostas por falta de roupas e alimentos.

No açude enorme à margem direita da estrada não viu o feijão ou a mandioca serem plantados, viu a falta de recursos e de orientação para uma população que não produzia o próprio alimento, dependia de esmolas.

O viajante não precisava de máquina fotográfica para eternizar o que via e máquina nenhuma registraria o aperto no peito e a força que fez para conter as lágrimas de compaixão. Aquelas cenas de menos de dez minutos ficaram tatuadas para sempre em suas circunvoluções cerebrais.

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