Pesquisar neste blog e nos da lista

quinta-feira, maio 25, 2006

Elma Chips, isopor pausterizado com gosto de porra nenhuma.


Tudo o que vai...

Bumerangue


Ataxerxes foi pacífico e conformado desde menininho. No Natal seus irmãos mais velhos sempre achavam os brinquedos do caçula melhor que os seus, forçavam a troca e Ataxerxes não dizia nada. Zeloso, o garoto não quebrava seus carrinhos e jogos, brincava, limpava e guardava, ao contrário dos irmãos. Quando estes já tinham destroçado os presentes de dezembro, devolviam os pedaços, desfaziam a troca e Ataxerxes não dizia nada.

Na escola, os colegas maiores roubavam sua merenda ou trocavam por uma com gosto de nada e o Ataxerxes não dizia nada. Bom aluno, durante as provas um daqueles que vão à escola por obrigação sempre puxava seu teste, copiava as questões deixando o pobre Ataxerxes que nada dizia em pânico, com medo que a professora o flagrasse. Não reclamava, não dedurava, não dizia nada.

Aos quinze anos se apaixonou pela Amaralina e era correspondido. Mal se passavam duas semanas de namoro, Valdério inventou mil mentiras a seu respeito. Amaralina acreditou e rompeu o namoro. Na semana seguinte Valdério e Amaralina eram vistos passeando de mãos dadas pela praça. Ataxerxes sofreu, chorou quietinho no quarto, mas não disse nada.

Passou bem no vestibular de jornalismo. Nos trabalhos em grupo todos sumiam. Ataxerxes fazia as pesquisas, checava as fontes, digitava, gravava, editava, diagramava, imprimia, encadernava e, depois dos trabalhos prontos, os colegas reapareciam, acrescentavam seus nomes, eram elogiados pelos professores e Ataxerxes não dizia nada.

Conseguiu um emprego numa grande revista. Em conversas com colegas, sempre sugeria algo interessante para a pauta e, na hora de apresentar, era atropelado por alguém que lhe roubava a idéia e a apresentava como se fosse o autor. Invariavelmente, esses eram elogiados, agraciados com as melhores reportagens e ganhavam espaços mais nobres na publicação e as primeiras promoções. O jornalista Ataxerxes não falava nada.

Os pais morreram e deixaram para os três filhos várias casas, apartamentos, terrenos e uma casa na praia. Macomunados com os advogados e forjando procurações, Adenaldo e Averaldo passaram a perna em Ataxerxes que não recorreu à justiça, manteve-se calado.

Certa noite, tomando uma cerveja, solitário no bar, foi surpreendido com a chegada de Valdério. Choramingando, embriagado, maltrapilho, barba por fazer havia vários dias, Valdério se queixava de Amaralina que fugira com Celidônio, o carteiro, deixando-o com as três crianças para cuidar. Com um leve sorriso, Ataxerxes ouviu e não disse nada.

No dia seguinte, ao chegar à revista, recebeu uma correspondência da sua principal concorrente. Era oferecido a ele o cargo de editor-chefe e duas vezes e meia o salário que recebia. Sem pensar duas vezes, foi à sala do chefe, entregou o cargo, esvaziou as gavetas e foi, feliz, para o novo emprego.

Não se passou uma semana para estourar o escândalo. Sua antiga revista estava sendo acusada de forjar reportagens e fontes, participar de tramóias com lobistas para corromper parlamentares e envio de divisas ilegais para o exterior.Só se falava na imprensa da irremediável bancarrota daquele que fora um dos mais respeitados veículos de informação impressa no Brasil. Não comemorou, apenas sorriu.

Às vésperas de completar um mês no novo cargo, satisfeito com o ambiente que encontrara, com o trabalho que desenvolvia e com o respeito dos colegas, recebe uma notícia policial dando conta que os advogados que representaram seus irmãos no processo da herança de seus pais estavam sendo cassados pela OAB e que vários processos, incluindo o seu, seriam reabertos. Adenaldo e Averaldo estavam presos, com seus bens indisponíveis, acusados de cúmplices em ações que lesaram dezenas de herdeiros em cinco estados.

Ataxerxes recostou-se na cadeira giratória, cuzou as mãos atrás da cabeça, colocou os pés sobre a mesa e, com um largo sorriso, proferiu: "a vida é um bumerangue: tudo o que vai, volta".




Amanhã tenho júri, não devo aparecer por aqui. Quem sabe não dará uma crônica?

Nenhum comentário: