O batismo é uma espécie de detergente do pecado original.
Platão em duas rodas
Deusival Neto, nome herdado por gosto do pai que adorava o próprio pai, viu Tereresa, batismo constrangedor por culpa de um escrivão bêbado e um pai semi-analfabeto, no primeiro dia de aula no ano em que faria a sexta série ele e a quinta a garota que alimentaria seus sonhos por anos.
Montado em sua Monareta verde, presente do Natal recente, Deusival saía de casa em seu uniforme azul e branco, pasta com livros, cadernos e lápis de cor junto com a merendeira presas na garupa, rumo à escola. Ao atravessar o portão de casa passou por ele uma Caloi 20 vermelha. Um senhor de trinta e poucos anos pedalava levando na garupa a filha, vestindo uniforme do mesmo colégio de Deusival.
O garoto não desprendeu seu olhar primeiro dos enormes olhos castanhos de Tereresa e, depois dela passar, dos cabelos fininhos e encaracolados. Hipnotizado por aquela beleza repentina, não viu o buraco no calçamento e, adicionando o desnível à sua imperícia de ciclista novato, perdeu o controle do guidão, derrapou com a roda traseira e estabacou-se de peito no chão, sujando e rasgando a camisa de poliéster que estreava.
Coração acelerado, levantou-se rápido na esperança que Tereresa não o tivesse visto catando cavaco na rua de paralelepípedo. A bicicleta que levava a garota já ia longe. Apressado, catou a pasta, a merendeira que havia se espalhado no meio na rua, a bicicleta. Analisando o estado em que se encontrava, concluiu que não tinha como ir às aulas naquele dia. Resignado, voltou para casa e o bom trato de dona Cesarina, sua mãe.
No dia seguinte, peito, braços e pernas coloridos de mercúrio cromo, pegou a Monareta, equipou-a com os apetrechos da escola e, cedinho, colocou-se de vigia do lado de dentro do portão, esperando a Caloi 20 vermelha passar com pai e filha.
Calculou o momento exato de sair emparelhando com a bicicleta que levava seu anjo, mas o pai de Tereresa, ciclista antigo, numa bicicleta de rodas bem maiores, passou por ele como um coelho por um caracol. Sebo nas canelas, tentou acompanhar pai e filha, mas, depois de dois quarteirões as coxas doíam e os pulmões lhe faltavam, mesmo assim já estava metros atrás da Caloi 20 vermelha.
No terceiro dia, depois de uma tarde e uma noite montando a estratégia de ataque para a manhã seguinte, saiu de casa assim que viu a bicicleta de seu Sestrônio surgir na esquina. Errou os cálculos. Ao ouvir o trim trim da campainha da bicicleta que vinha atrás, aproximou-se mais do meio-fio, sinal de prudência, deixando seu sonho passar por ele e olhando para o lado oposto ao em que ele estava. Sequer num lampejo ela o vira.
E assim passaram-se os meses. A cada dia uma nova técnica e nenhum sucesso. Usou dos pedidos, exigências, chantagens emocionais, notas altas para tentar convencer o pai a trocar sua pequena Monareta por uma bicicleta maior, desejo que nem de longe despertava qualquer interesse de seu Selétrio em realizá-lo. Alegava que o filho era muito pequeno para uma bicicleta tão grande, fora o fato de a Monareta ainda estar novinha. Nada justificava trocá-la agora.
O ano se passou e sua luta de Davi contra a bicicleta Golias não teve a mínima sombra promissora.
No ano seguinte, mais cento e oitenta dias de batalhas infrutíferas. Na escola sua timidez não permitia que se aproximasse, esperava que Tereresa o notasse e tomasse a iniciativa do primeiro contato. No terceiro ano, por fim, conseguira a tão sonhada bicicleta grande. Seria notado por Tereresa, não haveria como ela evitar.
No primeiro dia de aula, acordou cedo, tomou banho perfumado, passou brilhantina nos cabelos, só comeu por insistência da mãe e colocou-se de plantão do lado de dentro do portão, olhos fixos na esquina de onde sairia a Caloi 10 vermelha, pernas aquecidas, prontas para pedalar. Esperou, esperou, nada paciente esperou... Só saiu de casa quando dona Cesarina apareceu na varanda e ralhou com ele, iria chegar atrasado, "tá esperando a escola vir até você?".
Triste, cabisbaixo, desapontado, Deusival Neto pedalou sem pressa até a escola. Preocupada com o abatimento do colega, Pelidônia, que alimentava uma paixão oculta por ele, quis saber o que se passava, se podia ajudar em algo. Depois de ouvir que a causa daquele estado de espírito chuvoso de Deusival era a linda Tereresa, com o coração em pedaços, Pelidônia contou que Tereresa havia se mudado para Tarauacá.
Montado em sua Monareta verde, presente do Natal recente, Deusival saía de casa em seu uniforme azul e branco, pasta com livros, cadernos e lápis de cor junto com a merendeira presas na garupa, rumo à escola. Ao atravessar o portão de casa passou por ele uma Caloi 20 vermelha. Um senhor de trinta e poucos anos pedalava levando na garupa a filha, vestindo uniforme do mesmo colégio de Deusival.
O garoto não desprendeu seu olhar primeiro dos enormes olhos castanhos de Tereresa e, depois dela passar, dos cabelos fininhos e encaracolados. Hipnotizado por aquela beleza repentina, não viu o buraco no calçamento e, adicionando o desnível à sua imperícia de ciclista novato, perdeu o controle do guidão, derrapou com a roda traseira e estabacou-se de peito no chão, sujando e rasgando a camisa de poliéster que estreava.
Coração acelerado, levantou-se rápido na esperança que Tereresa não o tivesse visto catando cavaco na rua de paralelepípedo. A bicicleta que levava a garota já ia longe. Apressado, catou a pasta, a merendeira que havia se espalhado no meio na rua, a bicicleta. Analisando o estado em que se encontrava, concluiu que não tinha como ir às aulas naquele dia. Resignado, voltou para casa e o bom trato de dona Cesarina, sua mãe.
No dia seguinte, peito, braços e pernas coloridos de mercúrio cromo, pegou a Monareta, equipou-a com os apetrechos da escola e, cedinho, colocou-se de vigia do lado de dentro do portão, esperando a Caloi 20 vermelha passar com pai e filha.
Calculou o momento exato de sair emparelhando com a bicicleta que levava seu anjo, mas o pai de Tereresa, ciclista antigo, numa bicicleta de rodas bem maiores, passou por ele como um coelho por um caracol. Sebo nas canelas, tentou acompanhar pai e filha, mas, depois de dois quarteirões as coxas doíam e os pulmões lhe faltavam, mesmo assim já estava metros atrás da Caloi 20 vermelha.
No terceiro dia, depois de uma tarde e uma noite montando a estratégia de ataque para a manhã seguinte, saiu de casa assim que viu a bicicleta de seu Sestrônio surgir na esquina. Errou os cálculos. Ao ouvir o trim trim da campainha da bicicleta que vinha atrás, aproximou-se mais do meio-fio, sinal de prudência, deixando seu sonho passar por ele e olhando para o lado oposto ao em que ele estava. Sequer num lampejo ela o vira.
E assim passaram-se os meses. A cada dia uma nova técnica e nenhum sucesso. Usou dos pedidos, exigências, chantagens emocionais, notas altas para tentar convencer o pai a trocar sua pequena Monareta por uma bicicleta maior, desejo que nem de longe despertava qualquer interesse de seu Selétrio em realizá-lo. Alegava que o filho era muito pequeno para uma bicicleta tão grande, fora o fato de a Monareta ainda estar novinha. Nada justificava trocá-la agora.
O ano se passou e sua luta de Davi contra a bicicleta Golias não teve a mínima sombra promissora.
No ano seguinte, mais cento e oitenta dias de batalhas infrutíferas. Na escola sua timidez não permitia que se aproximasse, esperava que Tereresa o notasse e tomasse a iniciativa do primeiro contato. No terceiro ano, por fim, conseguira a tão sonhada bicicleta grande. Seria notado por Tereresa, não haveria como ela evitar.
No primeiro dia de aula, acordou cedo, tomou banho perfumado, passou brilhantina nos cabelos, só comeu por insistência da mãe e colocou-se de plantão do lado de dentro do portão, olhos fixos na esquina de onde sairia a Caloi 10 vermelha, pernas aquecidas, prontas para pedalar. Esperou, esperou, nada paciente esperou... Só saiu de casa quando dona Cesarina apareceu na varanda e ralhou com ele, iria chegar atrasado, "tá esperando a escola vir até você?".
Triste, cabisbaixo, desapontado, Deusival Neto pedalou sem pressa até a escola. Preocupada com o abatimento do colega, Pelidônia, que alimentava uma paixão oculta por ele, quis saber o que se passava, se podia ajudar em algo. Depois de ouvir que a causa daquele estado de espírito chuvoso de Deusival era a linda Tereresa, com o coração em pedaços, Pelidônia contou que Tereresa havia se mudado para Tarauacá.
Para Zeca, Cláudia e Maucir, três dos meus poucos leitores que se manifestaram a favor da continuidade dos contos e crônicas.
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