Labirinto
Não fossem os enjôos e a ânsia de vômito, os problemas de labirinto seriam um grande barato.
Da primeira vez que passei por esse mal, sentia um ardor terrível nos olhos, não conseguia fixar a vista em qualquer coisa, os objetos dançavam à minha frente. Foi uma noite em claro e os olhos queimando. Como era algo novo pra mim, sequer suspeitava que o problema estivesse no ouvido interno.
De manhã, na primeira hora, fui ao oftalmologista. Era um amigo antigo e, melhor ainda, tinha consultório pertinho do hotel onde eu morava. Feitos alguns poucos exames ele diagnosticou conjuntivite, uma leve conjuntivite. Eu já havia tido conjuntivite e os sintomas não incluíam tonteira e ânsia de vômito. Nunca mais voltei lá, sequer para atualizar meus exames de vista, que acho que é a coisa mais simples que um oftalmologista pode fazer. Perdeu minha total confiança.
Ainda na calçada, e ainda sentindo tonteira, me vieram à memória minhas aulas de ciências da sétima série. Não seria o ouvido interno o responsável pelo equilíbrio do corpo? Me dirigi direto para o consultório do otorrinolaringologista, poucas quadras dali e também amigo meu. Sua agenda estava cheia e tive que apelar para a emergência e para o pistolão. Me identifiquei para a secretária e pedi que ela falasse com o médico.
É, fui contra meus princípios e furei a fila. Ele prezou nossa amizade. Mas, convenhamos, a causa foi justa.
O médico me deitou numa maca e injetou água no meu ouvido com uma seringa e pediu para eu comparar a sensação que estava sentindo com as que sentira na noite anterior. Eram idênticas. Me mandou fazer várias radiografias da cabeça e lá fui eu ao radiologista. Eu já suava frio. Tantos exames e mais os que ele agendara para a manhã seguinte não me davam boas perpectivas e, como todo brasileiro paranóico, já imaginei que poderia ser algo grave.
O radiologista, coincidentemente hoje meu vizinho de baixo, agilizou os exames, não pediu laudo nenhum uma vez que os exames seriam levados a um especialista, me entregou as chapas em pouco mais de uma hora.
O otorrinolaringologista havia me receitado um vaso dilatador e me disse uma coisa interessante: nos seus doze anos diagnosticara apenas um caso de labirintite. Pouco provável que foi esse o meu caso, mas que as pessoas, leigas ou profissionais da saúde, têm o hábito de batizar de labirintite qualquer caso de perturbação no labirinto.
No dia seguinte fiz vários outros exames clínicos e veio o veredito final. Eu tenho uma pequena artéria estrangulada no ouvido interno direito. Eu deveria tomar o vasodilatador e, persistindo os sintomas, eu deveria fazer uma ultrassonografia para ver se não havia um tumor. Por sorte os problemas passaram e o temido tumor foi descartado.
De lá pra cá senti essa tonteira mais umas três vezes, a última nesses dois últimos dias. O santo vasodilatador tem surtido efeito e já estou bem de novo.
E onde está o barato disso? Nos efeitos dispersivos do mal. Fica-se como uma sensação de flutuação, uma pequena dormência nos braços e a memória duvidosa. Você escreve, tem a certeza que está escrevendo corretamente, mas não reconhece o que está escrevendo, tem a sensação de que as linhas estão saindo tortas e as palavras indecifráveis. Tenta se concentrar no que escreve, mas não consegue. É tudo muito estranho. Você não consegue reconhecer a própria caligrafia.
Liga-se a televisão, mas não consegue concatinar as idéias do que está vendo e ouvindo. Pode aparecer o rosto mais conhecido que você possa imaginar, Chico Anísio, por exemplo. Você sabe que é o Chico Anísio, faz força para lembrar do nome da figura, lhe vem o nome de Chico Anísio, você fala Chico Anísio bem alto para ter a certeza de que não está maluco e que reconheceu o homem que vê. Mas sua visão não concorda com suas palavras, nem com sua audição e você duvida que seja o Chico Anísio. O programa termina e você não se dá conta, continua tentando lembrar-se do nome do Chico Anísio, mesmo tendo acertado na primeira tentativa. É uma viagem.
Você sente fome e só consegue fazer um simples sanduíche de queijo porque já fez centenas de sanduíches de queijo na vida, mas tem dúvida se está fazendo a coisa certa. Não seria correto colocar uma fatia de pão entre duas de queijo? Ou duas de pão e uma de queijo sobre elas? Melhor não seriam duas fatias de queijo e uma de pão em cima? E aí você ri da própria conclusão. O sanduíche é a única e mais importante coisa do mundo naquele momento. Caramba!, você sabe fazer um sanduíche de queijo, já fez tantos sanduíches de queijo na vida, porque essa dúvida agora?
Será assim que se sentem os portadores do mal de Alzeheimer? E aí você quase entra em pânico. Será que está com Alzeheimer? Não, é apenas um distúrbio labiríntico...
Você já conhece os sintomas, já teve isso antes, por isso providencia o vasodilatador imediatamente antes que as coisas fiquem mais difíceis. Se deixar para telefonar para a farmácia mais tarde (sair de casa nesse estado está completamente fora sequer cogitar sobre), não vai conseguir teclar os números corretamente. E não vai mesmo, nem adianta tentar. Aliás, eu já tentei e não consegui. Você sabe de cor o número de um amigo que possa ajudá-lo e tenta chamá-lo: 3... 2... 8... 1... Péra, eu teclei 34 96... recomeça e falha novamente e mais uma vez e outra e outra, até que desiste, percebe que não vai conseguir.
É muio divertido, mas espero que vocês não passem por isso. Depois de algumas horas pode transformar-se em desespero e depressão.
A propósito, por via das dúvidas, revisei esse texto três vezes, achei vários erros e acho que ainda existem alguns, mas relevem, por favor.
Da primeira vez que passei por esse mal, sentia um ardor terrível nos olhos, não conseguia fixar a vista em qualquer coisa, os objetos dançavam à minha frente. Foi uma noite em claro e os olhos queimando. Como era algo novo pra mim, sequer suspeitava que o problema estivesse no ouvido interno.
De manhã, na primeira hora, fui ao oftalmologista. Era um amigo antigo e, melhor ainda, tinha consultório pertinho do hotel onde eu morava. Feitos alguns poucos exames ele diagnosticou conjuntivite, uma leve conjuntivite. Eu já havia tido conjuntivite e os sintomas não incluíam tonteira e ânsia de vômito. Nunca mais voltei lá, sequer para atualizar meus exames de vista, que acho que é a coisa mais simples que um oftalmologista pode fazer. Perdeu minha total confiança.
Ainda na calçada, e ainda sentindo tonteira, me vieram à memória minhas aulas de ciências da sétima série. Não seria o ouvido interno o responsável pelo equilíbrio do corpo? Me dirigi direto para o consultório do otorrinolaringologista, poucas quadras dali e também amigo meu. Sua agenda estava cheia e tive que apelar para a emergência e para o pistolão. Me identifiquei para a secretária e pedi que ela falasse com o médico.
É, fui contra meus princípios e furei a fila. Ele prezou nossa amizade. Mas, convenhamos, a causa foi justa.
O médico me deitou numa maca e injetou água no meu ouvido com uma seringa e pediu para eu comparar a sensação que estava sentindo com as que sentira na noite anterior. Eram idênticas. Me mandou fazer várias radiografias da cabeça e lá fui eu ao radiologista. Eu já suava frio. Tantos exames e mais os que ele agendara para a manhã seguinte não me davam boas perpectivas e, como todo brasileiro paranóico, já imaginei que poderia ser algo grave.
O radiologista, coincidentemente hoje meu vizinho de baixo, agilizou os exames, não pediu laudo nenhum uma vez que os exames seriam levados a um especialista, me entregou as chapas em pouco mais de uma hora.
O otorrinolaringologista havia me receitado um vaso dilatador e me disse uma coisa interessante: nos seus doze anos diagnosticara apenas um caso de labirintite. Pouco provável que foi esse o meu caso, mas que as pessoas, leigas ou profissionais da saúde, têm o hábito de batizar de labirintite qualquer caso de perturbação no labirinto.
No dia seguinte fiz vários outros exames clínicos e veio o veredito final. Eu tenho uma pequena artéria estrangulada no ouvido interno direito. Eu deveria tomar o vasodilatador e, persistindo os sintomas, eu deveria fazer uma ultrassonografia para ver se não havia um tumor. Por sorte os problemas passaram e o temido tumor foi descartado.
De lá pra cá senti essa tonteira mais umas três vezes, a última nesses dois últimos dias. O santo vasodilatador tem surtido efeito e já estou bem de novo.
E onde está o barato disso? Nos efeitos dispersivos do mal. Fica-se como uma sensação de flutuação, uma pequena dormência nos braços e a memória duvidosa. Você escreve, tem a certeza que está escrevendo corretamente, mas não reconhece o que está escrevendo, tem a sensação de que as linhas estão saindo tortas e as palavras indecifráveis. Tenta se concentrar no que escreve, mas não consegue. É tudo muito estranho. Você não consegue reconhecer a própria caligrafia.
Liga-se a televisão, mas não consegue concatinar as idéias do que está vendo e ouvindo. Pode aparecer o rosto mais conhecido que você possa imaginar, Chico Anísio, por exemplo. Você sabe que é o Chico Anísio, faz força para lembrar do nome da figura, lhe vem o nome de Chico Anísio, você fala Chico Anísio bem alto para ter a certeza de que não está maluco e que reconheceu o homem que vê. Mas sua visão não concorda com suas palavras, nem com sua audição e você duvida que seja o Chico Anísio. O programa termina e você não se dá conta, continua tentando lembrar-se do nome do Chico Anísio, mesmo tendo acertado na primeira tentativa. É uma viagem.
Você sente fome e só consegue fazer um simples sanduíche de queijo porque já fez centenas de sanduíches de queijo na vida, mas tem dúvida se está fazendo a coisa certa. Não seria correto colocar uma fatia de pão entre duas de queijo? Ou duas de pão e uma de queijo sobre elas? Melhor não seriam duas fatias de queijo e uma de pão em cima? E aí você ri da própria conclusão. O sanduíche é a única e mais importante coisa do mundo naquele momento. Caramba!, você sabe fazer um sanduíche de queijo, já fez tantos sanduíches de queijo na vida, porque essa dúvida agora?
Será assim que se sentem os portadores do mal de Alzeheimer? E aí você quase entra em pânico. Será que está com Alzeheimer? Não, é apenas um distúrbio labiríntico...
Você já conhece os sintomas, já teve isso antes, por isso providencia o vasodilatador imediatamente antes que as coisas fiquem mais difíceis. Se deixar para telefonar para a farmácia mais tarde (sair de casa nesse estado está completamente fora sequer cogitar sobre), não vai conseguir teclar os números corretamente. E não vai mesmo, nem adianta tentar. Aliás, eu já tentei e não consegui. Você sabe de cor o número de um amigo que possa ajudá-lo e tenta chamá-lo: 3... 2... 8... 1... Péra, eu teclei 34 96... recomeça e falha novamente e mais uma vez e outra e outra, até que desiste, percebe que não vai conseguir.
É muio divertido, mas espero que vocês não passem por isso. Depois de algumas horas pode transformar-se em desespero e depressão.
A propósito, por via das dúvidas, revisei esse texto três vezes, achei vários erros e acho que ainda existem alguns, mas relevem, por favor.
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