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terça-feira, janeiro 17, 2006

Perder tempo na vida é perda de tempo!




Tem texto meu hoje lá na Gueixa. O tema: Homofobia.



Propaganda vende até almas.


"Nossos comerciais, por favor!"


Marizelda era filha única de um oficial da Marinha, o que lhe dava o direito a uma pensão vitalícia após a morte do pai, caso ela não se casasse. E isso aconteceu.

Portadora de uma timidez excessiva, a menina Marizelda só saía de casa para a escola. Não ia a parque, piquenique, igreja, praia, baile ou qualquer outro programinha típico das garotas de então.

Era o auge do rádio no Brasil. A garota pediu ao pai e ele lhe deu de presente de aniversário um rádio, um verdadeiro móvel de madeira e válvulas, os conhecidos rabos-quentes. O aparelho estava sempre ligado, tornou-se o amigo que Marizelda não tinha.

Seu amigo de fios e pilhas lhe cantava nas vozes de Noel Rosa, Marlene, Noite Ilustrada, dava-lhe notícias do Brasil e do mundo e, seu maior deleite, a fazia sonhar com as novelas.

Com o tempo passou a achar as tramas sempre iguais e foi-se encantando com os comerciais. Imaginava as cores, gostos e cheiros do mundo que não via, por meio dos reclames. A curiosidade foi aumentando e a voz agradável num protuguês perfeito foi virando mania.

Pedia à mãe sabonetes Eucalol e água de cheiro Leite de Rosas. Mesmo adolescente, rendeu-se ao bê-a-bá-bê-é-bé-bê-i-Biotônico Fontoura, os paninhos para seus dias de incômodo foram substituídos pelo Modess. Ajudando a mãe na cozinha, exigiu panelas de pressão Rochedo e louça Nadir Figueiredo.

Veio a Bossa Nova e, paralelamente, a televisão. No rádio ouvia a novidade e o almirante se viu obrigado a comprar um aparelho Colorado RQ. Não era a maravilha que esperava. Ficava no ar apenas poucas horas por dia e não tinha tantos reclames, mesmo assim a fascinava por poder ver as maravilhas da vida moderna e não somente ouvir falar delas.

Fez o pai trocar o velho Aero Willis por um Gordini, passou a rejeitar o leite in natura que seu Fidélis entregava de porta em porta, agora só leite em pó Mococa, as buchas vegetais para lavar louça cederam lugar para o mil e uma utilidades Bom-Bril, que vinha numa linda caixinha de papelão vermalha. Até mesmo a Colorado RQ foi substituída por uma Telefunken. Os comerciais pautavam sua vida.

Os pais morreram e Marizelda, vovendo com a polpuda pensão herdada, usava o telefone para fazer suas compras. Ariosvaldo, filho da velha empregada, dona Jordélia, que acompanhava a família havia anos, levava suas cartas para as empresas das quais desejava informaç~es sobre seus produtos, ia à banca comprar O Cruzeiro, ia ao banco pagar as contas e retirar os talões de cheque ou descontar algum.

A moda era a Jovem Guarda. Jerry Adriani, Roberto CArlos, Wanderléia e toda a turma invadiam sua casa em seus discos de vinil que rodavam na eletrola Radiolux quando a tv estava fora do ar.

Vieram os 70, os 80, a velha Telefunken foi substituída por uma Toshiba com garantia até a próxima Copa, as panelas Rochedo deram lugar às Tramontina, os sapatos Vulcabrás 752 e as botas 7 Léguas nunca foram usaados, assim como as Botinhas da Xuxa, mas ainda ocupavam a sapateira juntos aos tênis Bamba e as chuteiras Topper.

Passou a alimentar-se de Nissim Miojo e Cup Noodles, na sobremesa aaaaaaabra booooooooca, é Royal, pudins Royal, ou lazanhas pre cozidas Sadia, preparadas no forno de microondas Brastempe, que fazia par com uma geladeira duplex, que substituíra a já idosa Gelomatic. A churrasqueira George Foreman, adquirida junto com AB Shaper, nunca fora usada, mas aera tão bonita e versátil...

A cada semana trocava os xampus e as escovas de dentes por mais modernos e bonitos, assim como o dentifrício, que ja´fora Kolinos, Colgate, Signal, Close-Up... Procurava a ideal para retirar o amarelado dos dentes deixado pelo Hollywood, ao sucesso!, que depois se tornara uma raro prazer, Carlton.

Aos setenta descobriu que o primeiro sutiã a gente nunca esquece. Os antiquados calefons se aposentaram e, em seu lugar, agora só usava Valisère.

Quando morreu, dormindo sobre seu colchão Ortobom forrado com lençóis Teka, foi um trabalhão para os bombeiros retirarem o cadáver do meio de tanta tralha, boa parte ainda dentro das caixas. Há cinco anos técnicos do Museu da Propaganda fazem um inventário dos achados arqueológicos.

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