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sexta-feira, outubro 12, 2007

Crianças


Imagem daqui


Uma pergunta constante que ouço de alguns amigos é, por que eu trabalho com crianças e adolescentes quando essas são mimadas, irritantes, mal educadas, dependentes, enfim coisinhas incompreensíveis e cheias de vontade? Simples, porque alguém tem que fazê-lo e eu me acho muito bom nisso.
A maior dificuldade de se trabalhar com a molecada, são suas famílias. Nos dias de hoje, é muito comum encontrar pais que não têm tempo para a convivência diária com os filhos. Trabalham fora, alguns sequer têm tempo para almoçar com a família diariamente, chegam em casa à noite cansados e, muitas vezes irritados com o dia difícil, sentam-se em frente à televisão ou vão afogar as mágoas no boteco com os amigos. As mães muito ocupadas sofrem mais que os homens, via de regra, com esse afastamento. Sentem-se culpadas pela ausência e tentam compensar fazendo todas as vontades possíveis dos pimpolhos. Inconscientemente, tentam comprar a compreensão com a sensação de que estão dando carinho.
Crianças educadas dessa maneira costumam crescer cheias de vontades, acostumadas a mandar nos adultos uma vez que estão acostumadas a mandarem nos pais e serem atendidas. Os educadores formais, como os professores passam a ter duas opções ao se depararem com esse tipo de criança: ou se entram em conflito ou se esforçam em demonstrar uma hierarquia natural que deve ser obedecida. Não uma hierarquia militar do tipo "eu mando, você obedece", mas mostrando quem é a autoridade, demonstrando os porquês da obediência. Não mandando simplesmente, mas sendo exemplo e argumentando. Pela experiência, pelo preparo técnico e pela própria autoridade que lhe é investida nas funções que exercem, os educadores demonstram aos pupilos que a sociedade é hierarquizada, não só numa pirâmide de pessoas, mas de leis, regras, normas sociais que foram estabelecidas para uma convivência pacífica entre todos, como respeitar o espaço alheio, não se apoderar dos bens dos outros, comunicar-se sem agressão, mesmo quando em discordância, enfim, as nomas da boa convivência que todos os pais conhecem, mas nem sempre sabem como, ou tem interesse, de transmitir aos filhos.
Aparecem os filhos dos desonestos, agiotas, políticos corruptos, sonegadores... Bandidos também têm filhos e me impressiona como muitos deles são até muito bons pais. São atenciosos e carinhosos com os filhos, provêm a família com conforto, viajam juntos nas férias... O problema são os valores invertidos que transmitem, e aí a vida do educador se complica. Como ensinar ao filho de um agitoa que a agiotagem é crime, que lesa pessoas que muitas vezes precisavam de uma casa para morar, de bancar o hospital dos pais doentes e, sem recursos, terminam caindo nas mãos desses sanguessugas, sem ofender diretamente a família da criança? É complicado e perigoso, mas necessário para um verdadeiro educador. Saber usar as palavras nessas horas, é essencial. Uma palavrinha mal colocada pode criar um terremoto, uma ruptura entre a escola e a família e, é lógico, nessa queda de braço, a criança sempre ficará do lado da família e, por conseguinte, com os valores nocivos. Mais fácil para o educador se omitir e deixar que se crie mais um monstrinho que vai lesar a sociedade mais tarde, mas quem age assim não pode ser considerado educador, talvez um simples "dador" de aulas.
Vêm as crianças com necesidades especiais; o deficiente visual, o cadeirante, o anoréxico, o hiperativo, o com déficit de atenção, e imunodeficiente, o filho do presidiário,... Muitas vezes, numa mesma sala, vários problemas diferentes. A maturidade, o preparo, a boa vontade, a ausência de preconceitos, a capacidade de acarinhar e tantas exigências não podem deixar de fazer parte da caixa de ferramentas do educador. Pessoas deficientes não são coitadinhas, são capazes e merecem apenas um acompanhamento diferenciado, mas a elas também devem ser oferecidos desafios e condições para vencê-los. Se juntarmos dois seres humanos, estarão presentes as diferenças de toda ordem: social, econômica, de objetivos, de inteligências, de valores... Cabe ao educador mostrar com sua própria conduta que são todos iguais, mesmo com todas as diferenças. Mais uma vez os pais são o maior empecilho. Não é só coisa de novela, não, pais que não querem seu filhinho ariano na mesma sala do negrinho; que não querem que seu filhinho "perfeito" se relacione com o aleijadinho; que sua filha linda ande com a menininha estrábica... É um absurdo? É. Mas é real.
Engana-se quem acha que carinho é sinônimo de tolerância. Estudos da Universidade de Oxford demonstram que crianças e adolescentes gostam quando são repreendidas, embora não conscientemente. Ao serem chamadas à responsabilidade, ao serem "puxadas suas orelhas" por conta de algum erro cometido, sentem que o adulto tem interesse neles, que repreendem por se preocuparem, que brigam porque querem que cresçam. Se, nós adultos, pararmos para lembrar dos professores que tivemos, muito provavelmente lembraremos primeiro dos mais exigentes; os bonzinhos ficam perdidos no tempo. A repreensão e as exigências são tão importantes quanto o carinho. Estranho, mas verdadeiro. A educação não se faz só com carinho, a vida não é feita só de carinho.
Crianças pensam, criam e são capazes de resolver seus problemas, não são serezinhos incapazes e dependentes na integridade. Por outro lado, não são adultos miniaturizados. A elas sejam dados os desafios e a orientação para resolvê-los; o carinho e a reprensão nas medidas e horas certas; as tarefas e os exemplos; as brincadeiras e as responsabilidades; a liberdade e os horários a serem cumpridos; o espaço e a limitação de espaço. A vida é cheia de antíteses, por isso as crianças não devem ser educadas numa ilha de utopias, elas crescerão, não esqueçamos disso. O hoje não pode ser vivido como se fosse seu último dia, mas sempre o primeiro, elas devem ser preparadas para o futuro e este às vezes é ,inevitavelmente, cruel e doce, duro e macio.

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