Pesquisar neste blog e nos da lista

terça-feira, outubro 09, 2007

Cultura Subsidiada


Imagem daqui


Há alguns dias uma amiga me pediu que escrevesse um texto, não sei para que fim porque não a deixei terminar o pedido. Ela queria que eu falasse sobre a “morte da cultura”, não a morte iminente, mas a morte acontecida.

Precisaria ouvir dela o que se entende por cultura, mas não me dei ao trabalho. Ela é professora de teatro, teatro amador, como o que fiz quando adolescente, com a diferença que fui dirigido e ensinado por alguém que conhece, gosta, estuda e escreve sobre teatro, um cara que dirigiu Cacilda Becker e Fernando Montenegro, amigo de Gianfrancesco Guarnieri e correspondente de Augusto Boal, enquanto ela tem uma cultura de folhetim e faz teatro porque gosta. Não quero me mostrar mais importante ou culto que ela, não sou dos que botam títulos à frente do talento ou dos gostos. Acho até muito nobre e corajoso da parte dela se dedicar à arte sem qualquer respaldo financeiro, porém, para se fazer bem feito, acredito eu, o conhecimento empírico pode até levar a bons resultados, mas o caminho é muito mais árduo e demorado.

Como ela conheci vários vida a dentro, fossem compositores, instrumentistas, atores, cantores, escritores... uma multidão. E a queixa é quase sempre a mesma: o estado não investe em cultura e as empresas não investem em desconhecidos. Isso é tido e sabido, repetido a gerações, mas não é de todo verdade. Dentro dessa multidão, vi gente que se deu bem em seus projetos por conta de alguns fatores que há quem acredite que dê em árvores: talento, discernimento, conhecimento, elaboração, treino e competência. Não basta se gostar de uma coisa ou saber fazê-la, é preciso conhecê-la.

Apegados a essas máximas de falta de patrocínio, os fazedores de cultura se queixam da falta de verbas. Lógico que existe uma derrama de grana quando uma peça é encenada por um ator “global” ou dirigida por um sujeito de renome, mas em só de produções milionárias vivem os espetáculos. Se fosse assim, as bandas de pífanos nordestinas já haviam se extinguido, as rodas de carimbó paraenses não existiriam mais, as centenas de bumba-meu-boi maranhenses seriam apenas lembrança. Esses espetáculos são feitos, muitas vezes, por gente analfabeta ou quase, mas que conhecem a fundo seu ofício. Metem a cara no mundo, reúnem os vizinhos, parentes e amigos, ensaiam nos terreiros dos sítios ou nos quintais de suas casinhas suburbanas e saem às ruas encantando as gentes.

João Ubaldo Ribeiro, um dos meus prediletos autores vivos, meteu a boca no trombone essa semana porque o governo da Bahia deixou de repassar R$ 68 mil mensais para a Fundação Jorge Amado. O governador rebateu que esse corte já estava previsto desde o governo anterior. Vamos por partes. A Casa de Jorge Amado ainda precisa de verbas públicas para funcionar, estabelecida, visitada e adorada por baianos e turistas como ela é? Assim como a CJA, várias outras produtoras culturais já podem manter-se sozinhas, não acho justo que tenham que contar, a fundo perdido, com o dinheirinho que eu, tu e o rabo do tatu pagamos de impostos enquanto ficamos sem esgotamento sanitário, saúde decente, escolas que funcionem, estradas que permitam o trânsito com segurança... Uma questão de prioridade.

A meu ver, cabe ao estado dar condições para que as produções artística e cultural se desenvolvam e não bancá-las integralmente.

O governo baiano da época da ditadura, ACM à frente, cooptou os artistas bancando suas despesas de viagens, alimentação e até cachês. Aqueles que eram engajados contra a ditadura ficaram esquecidos, como o grande Capinam, os alienados que apenas batem tambor para o público balançar a bundinha ganharam as benesses em troca da propaganda carlista. E a Bahia, terra do samba de coco, de Adonias Filho, de Anísio Teixeira, de Amélia Rodrigues, do afoxé, dos bacamarteiros, do banho da paixão, dos termos de reis, das puxadas de mastro, da Irmandade da Boa Morte, dos bolinhos de estudantes, do Teatro Plataforma, dos cultos africanos, de Caymmi e de tantas e tantas outras culturas, passou a ser conhecida nacional e internacionalmente como a terra do axé music, de Caetano e do acarajé, por força da caixa alta e da propaganda exaustiva, mas nem por isso as demais manifestações culturais morreram.

Para alguns, infelizmente, fazer cultura é sinônimo de grandes públicos e altas fortunas.

Blogged with Flock

Nenhum comentário: