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terça-feira, fevereiro 12, 2008

Conivência

113 

Quando um cidadão comum, que trabalha oito horas de trabalho por dia, leva as crianças à escola, passeia com a família no final de semana, encara os contratempos cotidianos como fila de banco, repartição pública, maus pagadores, fornecedores impontuais e todo esse inferno cotidiano insiste em dizer que é um sujeito bem informado, muito provavelmente vai completar a conversa com uma notícia que viu ontem no Jornal Nacional.

Foi num grupo com alguns desses cidadãos que me encontrei dia desses. Era aniversário de um deles. Muita comida, muita bebida e a conversa rolando solta. Aos poucos o ambiente foi-se esvaziando, as mulheres levando os filhos para dormirem, aqueles que tinham compromisso na manhã seguinte se retiravam a contragosto, os velhos cansados com saudade de suas camas... Terminamos nós cinco ao redor da mesa resolvendo todos os problemas do mundo, como os bêbados costumam fazer.

Política, futebol, costumes, tudo fazia parte da conversa. Um assunto puxando outro. Chegamos, por fim, ao Tropa de Elite, sensação de qualquer bate-papo naqueles dias.

Um dos cidadãos bem informados, que havia assistido a uma cópia pirata do filme, assim como dois dos outros, tocou no ponto da trama que os jornais e revistas rebatiam, uns repetindo os outros: o consumidor de drogas mantinha os criminosos que, potencialmente, poderiam atentar contra a segurança dele próprio, de sua família e de toda a sociedade inocente.

Como não havia assistido ao filme, e ainda não assisti porque os cinemas da minha cidade viraram igrejas evangélicas e me recuso a consumir produto pirata, me reservava à posição de ouvinte. Ao tocarem, porém, nesse ponto em que crimes mais violentos eram financiados pelo consumidor classe média, me lembrei de discussões que levava com os colegas de escola lá em mil-novecentos-e-futebol-de-meia. Naquele tempo já havíamos chegado à mesma conclusão. Imagino que o diretor do filme esteja mais ou menos na mesma faixa etária que eu, não estranho que, com seus amigos, também tenham chegado a essa conclusão. Tão óbvia, por sinal, apenas repudiada por quem é cego para o problema ou tem interesses inconfessos.

O próprio governo federal, numa série de vídeos que faziam parte de uma campanha contra as drogas ilícitas, em um deles mostrava um rapaz tirando dinheiro da bolsa da mãe, ia até uma boca de fumo, repassava o dinheiro ao traficante que usava esse dinheiro para comprar uma arma e com essa arma, num assalto, atirava na mãe do viciado que a via morrer. Esse vídeo veiculou uns dois anos antes do filme de José Padilha.

Curiosamente, coisa rara entre bêbados, eu entre eles, não houve discussão. Falávamos e falávamos, cada um no seu volume mais alto, apenas para colocar suas impressões mais precisas. Estávamos todos de acordo com a tese.

No meio da conversa, um de nós retirou-se da mesa, voltando minutos depois com um cigarro de maconha. Choquei!

Caramba, aqueles caras sabiam que estavam dando dinheiro para bandidos que amanhã poderiam assaltar suas esposas, seqüestrar seus filhos, assaltar suas empresas e ainda assim continuavam consumindo a maldita marijuana!

Aceso o cigarro, eu e outro nos retiramos, com a desculpa que estava tarde e teríamos que acordar cedo. Os outros três ficaram com sua droga, sua droga de vida e com a minha total perda de respeito.

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