Obrigado Rejane pelo mote
A pequena Argolo estava em polvorosa, a filha caçula da viúva Etelvina iria se casar. Não era mulher rica, mas luxenta. Luxo, aliás, sob sua ótica, significava muito perfume com cheiro acre e por demais adocicado, e muitas cores no vestir, casa sempre limpa e enfeitada, embora o poeirão da rua dificultasse a missão, cortinas espalhafatosas e a comida que fosse possível naquele fim de mundo sobre o fogão de lenha, mesmo que a metade fosse para os porcos e galinhas que criava no quintal quilométrico.
O marido, Galinálvio, morto por ataque cardíaco durante discussão com freguês caloteiro, lhe deixara o armazém e três filhas donzelas e bem apessoadas. Etelvina, ao lado da sepultura, lhe jurara encaminhar as meninas para um bom casamento e vida digna. E assim vinha fazendo. Casara Geldicélia com Ariosto, motorista do prefeito. Fizera as núpcias de Sofildes com Beliastro, bom moço de Mucuri, que tem um restaurante à beira da BR, e agora era a vez de entregar Jemira Solineide nos braços de Fúlvio, rapaz íntegro e trabalhador, operador de trator da fábrica de celulose em Itabatã.
Não foram fáceis esses dezessete anos sem Galinálvio. Cuidar do armazém, comprando e vendendo, e cuidar das meninas, a mais velha com oito anos e a caçula com quatro, educar, alimentar, vestir, curar os machucados e dodóis e ficar de olho para domar suas artes. O adjutório veio de dona Evelândia, rezadeira, parteira e comadre, que lhe ensinara que para acabar com as aprontações das crianças deveria dar-lhes uma peia de sete chibatadas com folhas de espada-de-São-Jorge numa sexta-feira de lua cheia. Dito e feito, depois da surra as meninas ficaram calmas e obedientes, nunca mais viraram bicho e nem deram dor de cabeça.
Sem a ajuda de homem, com os parentes morando longe, as duas filhas casadas e morando em outras cidades e os poucos amigos sem recursos e sem tempo, Etelvina se encarregara sozinha de todos os preparatórios do casamento.
A paróquia local estava sem padre e os párocos de Mucuri, Aimorés, Itabatã, Teixeira de Freitas e Medeiros Neto se recusavam a ir celebrar as núpcias em outra cidade. A festa não poderia ser em outro local se não em Argolo, com padre ou sem padre o casamento aconteceria pertinho de Galinálvio. E a data não poderia ser outra: domingo, onze de agosto, dia dos pais e aniversário de nascimento do marido morto. Nesse dia festivo que prestaria contas de seus bons serviços de mãe e esposa para o primeiro e único homem que tivera.
Padre não queria? Pois então haveria apenas o casamento civil e Jemira Solineide compareceria com os mesmos vestido e véu brancos que Etelvina e as duas primeiras filhas vestiram. Aí também havia um problema: convencer o juiz, do alto de sua arrotada autoridade, a trabalhar no domingo.
Conversou, esbravejou, apelou de joelhos, rogou pragas, mandou presente e pediu bênçãos até que o juiz, o prepotente Adênio, para se ver livre do cerco de Etelvina, cedeu. Faria a cerimônia.
O dia era hoje!
Etelvina morava do outro lado da rua, bem em frente ao fórum. Se o casamento fosse na igreja a noiva chegaria no centenário tílburi enfeitado de flores e puxado por cavalo branco, mas numa distância tão pequena, como fazer uma chegada triunfal? Achou a solução entre a sala e a cozinha de sua própria casa.
Às dez da manhã a pequena população de Argolo, toda pomposa em suas melhores roupas - as mulheres com brilhos e flores no decote, os homens em seus ternos e gravatas pretos usados nos domingos de missa ou culto evangélico – aglomerava-se em frente ao fórum, pouco se importando com o casamento, desejando, na verdade, a feijoada que seria servida no quintal de Etelvina, entre galinhas e porcos, e as fofocas que rolariam no dia seguinte. Um corredor de gente começava na porta da noiva e terminava na porta do fórum.
Etelvina sai na frente, nas mãos a passadeira vermelha de três metros de comprimento que estendeu no chão de piçarra. Vem a noiva, braços dados com o irmão do noivo. Devagar o par cobre aqueles três metros e pára. Etelvina retoma a passadeira e volta a estendê-la à frente da nubente e seu padrinho. Os dois percorrem mais três metros e param, e assim a operação se repete até a porta do fórum, vinte e um metros à frente.
Por muitos e muitos anos a população comentaria sobre a primeira noiva da cidade a pisar num tapete vermelho.
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