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terça-feira, outubro 25, 2005

Comer, beber, e amar... O resto não vale um níquel.
(Lord Byron)




* Ainda não foi ao site do Pedro? Tá esperando o quê?


* Volto a lembrar do livro da minha amiga Paula. Quem gosta de bons causos, de aviação e da fascinante vida dos comissários de bordo já podem começar a pensar em adquirir o seu.




Ela


Sempre tive verdadeira paixão pelas mulheres. Não me tornei um mulherengo por causa da timidez e da completa falta de jeito para a coisa, embora volta e meia seja chamado de canalha e cafajeste, adjetivos que reputo injustos. Nunca fui casado por ser seletivo. Entre tantas de todos os matizes e belezas, alturas e gorduras, intelectos e burrices, jamais me perdoaria de me permitir ser escolhido por aquela que descobriria mais tarde não ser a mais certa para meus padrões. Não quero dizer com isso que nenhum me mereça, muito pelo contrário. Talvez eu não mereça nenhuma delas. Já me vi atraidíssimo, caidinho por muitas delas, mas nunca dei a sorte grande de poder retirar umazinha desse harém natural.

O motivo dessa crônica, porém, não são as mulheres da minha vida, mas uma mulher que passou diante de mim centenas de vezes sem nunca ter-me permitido entrar na vida dela.

Seu nome: Ela. Não fui eu quem a batizou, mas um dos cento e cinqüenta alunos internos do colégio em que estudei, em Manaus. Logo se vê que ela não era minha ou de qualquer um dos outros.

Ela passava pontualmente às sete, meio dia, treze e trinta e dezoito horas sob nosso imenso janelão de oitenta metros de comprimento, toda a extensão do nosso alojamento do terceiro andar. Ia e vinha, provavelmente para e do trabalho.

Nós acordávamos às seis e meia ao grito da corneta, fazíamos a hogiene pessoal, descíamos ao refeitório para tomar o café e subíamos novamente ao alojamento para pegarmos os livros, prontos para as aulas.

Todos sabem como são alunos na hora de ir às aulas, sempre fazem uma cerinha até criarem coragem ou até que o sacrifício seja inevitável.

Certo dia, numa dessas enroladas de praxe, um dos alunos, debruçado no janelão a viu passar. Deus do céu! Que mulherão! E deve ter chamado mais um ou dois colegas para olharem. Como estavam todos, ou quase, com o mesmo propósito de "encerar", mais alguns prontamente se juntaram aos primeiros e hajam gritos e assobios até Ela sumir de nossas vistas. Depois os comentários: "cê viu?", "que pernas!", "que peitos (que adolescente não diz seios, ainda mais quando estão juntos)!", "que bunda!" e uma vaia para quem dissesse "que cabelos!".

O que não imaginávamos é que na manhã seguinte Ela passaria de novo. Talvez um dos iluminados pela visão do dia anterior tivesse se enchido de esperanças e ficara de plantão na janela para vê-la passar, talvez até sem ter descido para o café. O fato é que se ouviu o alarme de "lá vem Ela!". E não era qualquer mulherão, lhes garanto. Daquelas que qualquer executivo gostaria de ter como secretária, mesmo que ela não soubesse nada de datilografia (tá, isso já aconteceu há um tempinho) ou como atender um telefone.

Desse dia em diante a vigília matinal passou a ser sagrada e fazíamos até turnos de sentinelas para vigiar sua passagem.

Um mais chegado a estatísticas anotara seus horários da tarde e da noite o que quase nos fez agradecer-lhe com beijos. Para sorte dele o preconceito e o militarismo que nos cercavam não permitiam tais intimidades.

O código estava criado: Ela. Mal Ela surgia na esquina o grito ecoava no alojamento: Lá vem Ela!

Até o dia em que saí do colégio, um ano e tanto depois, Ela nunca se atrasara ou faltara e, se duvidar, ainda hoje a garotada se espreme no janelão na euforia de ver um movimento como aquele logo pela manhã cedinho.

Certo dia não pude me juntar à turba no janelão para esperar a feliz hora. Precisava resolver algum problema no comando da companhia que ficava no mesmo andar, separado do alojamento por duas paredes e um corredor. Alguma de que não me lembro eu havia aprontado e por isso fora chamado à sala do capitão. Ao entrar, junto com o comandante encontravam-se três sargentos, o subtenente e, de quebra, um soldado, todos na janela, a hierarquia esquecida, fazendo comentários sobre o avião pontual em seu vôo rasante.

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