Pode até ser sublime remover montanhas com a fé, mas ainda prefiro dinamite.
Michel e seu camelo
O Michel estava radiante por ter recebido a notícia de que ia ser pai. Como, de nascença, era um cara para quem não existia segunda-feira, irresponsável até o último gen da medula, foi convidando a todos os amigos que encontrava pela frente para irem ao bar do Pernambuco mó de comemorar a boa nova. Era apenas terça-feira, e daí?
Éramos vizinhos e bons amigos, mas como não havíamos nos encontrado naquele fim de tarde não fui convidado.
Às dez da noite dona Maura, esposa do Michel, bateu lá em casa, preocupada com o marido que ainda não havia chegado e seu telefone celular direcionava todas as chamadas para a secretária eletrônica.
- Por favor, Marcos, vai dar uma voltinha pra ver se encontra ele...
Mesmo tendo que acordar às seis horas da manhã seguinte não podia me negar a atender a um pedido de uma grávida. Lógico, falo isso porque não seria eu que teria que agüentar mais sete ou oito meses de desejos pela frente. Lá fui eu atrás do camarada.
A Maura é mesmo uma ingênua. Começou a namorar com o Michel quando tinha apenas treze anos, estão casados há sete, tem trinta e dois de idade e ainda acredita que o rapaz vai mudar e se tornar um bom cumpridor dos deveres.
Conhecendo bem meu amigo e ajudado pela geografia do bairro, fui direto ao bar do Pernambuco. Cercado por uns onze sujeitos embriagados, monopolizando as atenções, lá estava o Michel, copo em punho, pagando cerveja e cachaça para os amigos e quem aparecesse.
- Michel, vambora. Dona Maura está preocupada com você. Já ligou mais de mil vezes pro teu celular.
- Ih! Descarregou a bateria.
- Vambora, cara. Pensa na tua mulher. Ela não pode mais ficar se preocupando à toa.
- É, vambora, mas antes você tem que tomar um copinho comigo.
Veio a cerveja, me encarreguei de servir os copos rapidinho, tomei o meu quase que de uma talagada para irmos embora logo. Já dizem os botequeiros: "Uma das três maiores mentiras é 'essa é a saideira'".
Quase duas e meia da madrugada quando consegui convencer o novo futuro pai a ir para casa. Eu mesmo já me encontrava meio balançando de um lado para outro sem vento. O Pernambuco nem esquentava. Se acabasse o dinheiro da freguesia, ele punha no caderninho; se os caras não tinham sono, problema deles, de manhã ele tinha a mulher e a filha para abrirem a bodega.
O Michel pegou sua bicicleta, tentou montar e foi ao chão sob a gargalhada solidária dos demais bebuns. Tentou uma vez mais e de novo viu o chão de perto. Terceira tentativa, mais um tombo.
- Eu vou empurrando essa porra, assim não caio mais.
Pois é, cachaceiro, irresponsável e o maior cabeça fria.
Peguei a carona no carro de um amigo e fui pra casa. Caso resolvido. Não chamei a Maura porque não valia a pena acordá-la, se é que ela havia dormido. Já imaginava a manhã de trabalho horrorosa que teria.
Quatro horas da manhã fui acordado por batidas insistentes na porta. Era a Maura:
- Marcos, por favor, vá atrás do Michel, o homem não chegou até agora!
Agora quem se preocupou fui eu. Havia deixado o cara com o nariz apontado para sua casa.
Nem precisei andar muito. Dois quarteirões à frente encontrei o Michel todo arranhado, sentado no meio-fio, massageando a batata da perna direita. À sua frente mil pedaços amassados do que fora sua bicicleta.
- Que foi isso, Michel? Você foi atropelado?
- Atropelado uma porra! Eu vinha empurrando essa desgraça pra num cair, mas a cada cinco metros que andava o pedal batia na minha perna e me dava uma rasteira me derrubando. O jeito foi matar essa filha do cão a pauladas.
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