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segunda-feira, novembro 21, 2005

Como diminuir as filas nos caixas eletrônicos.
Os cartões magnéticos deveriam ser entregues somente a quem:
1. Sabe ler e escrever;
2. Saiba interpretar um texto;
3. Saiba usar um computador;
4. Tenha passado por psicoteste.




O Poetrando está atulaizado.




Nada de Anormal

Os mais simplistas podem dizer que são avisos do além, assim como os exotéricos e os bobinhos que acreditam em fadas, elfos e gnomos. Os mais céticos nem percebem a relação. Os descrentes afirmam que são apenas coincidências. Como, até hoje, não sei em que grupo me colocar, apenas acho interessante certas coisas co-relacionadas que nos acontecem de vez em quando.

Antes de vir para a Bahia eu morava em Belém. Entre os inúmeros amigos que deixei por lá havia o Paulo Rocha, Paulo Bico Doce, para os da turma. Esse apelido ele ganhou por ser o maior bicão que todos nós conhecíamos. Se ficava sabendo de uma festa, se auto-convidava; nas noitadas nunca tinha grana para dividir a despesa; cantava as namoradas nos amigos na maior cara de pau; aparecia na casa de qualquer um sempre na hora de alguma refeição; pedia para dormir em qualquer casa. Uma figuraça. Alguém o apelidou de Jibóia numa época em que estava cheio de pano-branco e, segundo dizem, não me comprometam, ele tinha "aquilo" do tamanho de uma serpente.

O sujeito era a cara do Dalto, lembra do Dalto? Mas esse apelido o enfurecia. Por uma questão de amizade preferimos não chamá-lo assim, a não ser quando queríamos vê-lo nervoso, o que é sempre divertido entre amigos de verdade.

O cara era tão bicão, mas tão bicão, que quando eu disse que estava vindo embora ele simplesmente se escalou, "vou com você", e veio! Agora, adivinhem quem bancou a vinda dele? Mesmo estando mais limpo que banheiro do Hilton, não consegui me livrar do cara. Eu tinha um convite de uma família amiga para me hospedar na casa dela até me arrumar. Um doce para quem adivinhar onde ele se hospedou. Ok, devo doces para todos. Apois num foi, gente? O Bico simplesmente arrumou um colchonete de um vizinho da tal família, vizinho esse que, logicamente ele não conhecia, e dividiu o quarto comigo.

Eu vim para trabalhar enquanto ele veio a passeio. Aliás, sempre deixou claro que veio ao mundo a passeio. Dois meses depois de se meter em mil confusões e se empapuçar de maconha com os amiguinhos que arrumou, bateu saudade dos urubus do Ver-O-Peso e voltou pra casa.

O pai dele, seu Rocha, era um outro tipo inesquecível. Um metro e oitenta, carequinha em cima e cabelos longos e lisos embaixo, era funcionário aposentado da FUNAI. Depois de tantos anos vivendo na floresta, não se habituava mais em viver dentro de casa, muito menos na cidade grande. Pegou suas economias e comprou uma casinha na praia do Outeiro. Guardando os resquícios da beleza que provavelmente tivera na juventude, passava os dias passeando pela praia só de short, com um rabinho de cavalo com os poucos cabelinhos que lhe sobraram. Sentava-se na barraca da Ana, pedia uma água de coco e gastava saliva xavecando o mulherio que aparecia. Dona Cléria nem tchun. Até se divertia com as tentativas de aventuras amorosas do marido.

Essa noite sonhei que estava num lugar misto do conjunto da Cohab onde a família Rocha morava quando a conheci e da praia onde a visitei pela última vez. Eu procurava a casa do Bico. De longe ouvi uma voz de tenor cantando alguma coisa e identifiquei a origem da música como uma casa de madeira trabalhada, uma miscelânea de pinturas e esculturas. Aquela aparência sui gêneris deixava claro que aquela era a casa do meu amigo. Ao bater à porta ele me recebia e a voz continuava em seus estertores tenores. Ao entrar eu identificava o Pavarotti como um sujeito cinquentão, mas forte, completamente careca, parrudo, branco como uma tapioca, com uma garrafa de cerveja na mão e alegre como uma pomba-gira.

Ele abraçava o Bico e dizia "está bem de pai novo, hein, meu filho?".

Peraí! Pai novo? Aquele cara era padrasto do Paulo Bico Doce? Por onde andaria seu Rocha?

Pelo ar de tristeza do meu amigo, deduzi que seu pai havia morrido.

Acordei com esse sonho na cabeça e fiquei com ele enquanto fazia a higiene pessoal.

Procurei uma agenda antiga onde anotara seu telefone e liguei. Eram sete horas. Do outro lado o Paulo atendeu, fez uma pequena festa quando soube que era eu, mas logo mostrou a voz triste ao dizer que estava chegando do velório do pai, que seria enterrado às dez.

Coincidência? Metafísica? Telepatia? Pouco importa. Fiquei triste por ele.

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