Quem pede para ser enganado, merece ser enganado
"Três Contos no Conto da Loteria"
Seu Vilson sustentava dona Bena e os onze pimpolhos sem luxo, mas sem carências, com as vendas de sua bodega lá nos confins de Coquinhos.
Feijão de corda, rapadura, querosene pra fifó, miss pro cabelo, carmim pros beiços das moças, cachaça pros da roça, jerimum do quintal, fumo de corda pra seu consumo e dos camaradas, jornal de ontem vindo da capital, arroz com casca e descascado, Q-Suco de morango, chope da fruta com água da torneira, pilhas Ray-O-Vac amarela pros radinhos de todas as casas do arraial, corda pra laço e esporas... de tudo tinha na bodega.
Vidinha pacata de gente pacata. Mas os filhos cresciam e Waldomiro, o mais velho, já sonhava em estudar na capital; Jeisane se encantara com Zé dos Dentes, o retratista, e queria casar; Ariosvaldo queria comprar a picape do compadre Tinzim e fazer frete na feira. Os sonhos eram muitos e o pequeno conforto dado pela renda da mercearia estava virando aflição. Pai zeloso seu Vilson não podia frustrar os desejos da filharada, mas não tinha estudo, não tinha ciência de como melhorar os ganhos, não tinha capital para ampliar o negócio. Os santos da igreja de dona Bena não atendiam aos pedidos de melhoria, fora a carestia do dia a dia.
Valdirene e Valenciane, mocinhas bonitas e siligristidas, já chamavam a atenção dos rapazes e careciam de roupas novas, berloques e maquilagem. Tava ficando difícil...
Passou a desviar uma moeda por dia da féria para ir a Ibicaraí no sábado e fazer uma fezinha nos treze pontos da loteria. Sua salvação estava no cartão perfurado. Passara a sonhar com os milhões de cruzeiros do prêmio.
Venderia a venda, compraria uma casinha em Ibicaraí, mandava os meninos estudarem onde quisessem, compraria a picape pro Ariosvaldo e uma Rural para ele, trocaria o radinho de pilha por uma televisão Telefunken das que vira na loja em Itabuna, compraria aquele jogo de sofá de napa vermelha que dona Bena tanto gostara... Surrupiava a moeda e sonhava.
Todo domingo ligava o rádio no final da tarde e conferia os treze jogos, mas nunca passava de sete acertos. Na segunda-feira via a notícia de que um apostador de São Paulo ganhara a bolada. Na outra semana, um de Minas e um do Rio de Janeiro. Na terceira, um de Curitiba, dois de São Paulo e um de Fortaleza. E pensava, Deus só gosta dos ricos, para ele capital era lugar de ricos com todos aqueles automóveis, cinema, teatros, lojas, gente bem vestida.
Talvez Deus fosse o segredo para ganhar na loteria.
No domingo surpreendeu dona Bena vestido, cedinho, com sua melhor roupa. Iria à missa com ela naquele dia, coisa que não fazia havia anos. Passou na venda, pegou um pacote de velas e, de braço dado com a esposa, foi de linho branco rumo à catedral, que nada mais era que uma igrejinha branca com uma torre.
Assistiu a todo o serviço, ajoelhou, ficou em pé, cantou os hinos e se benzeu, tudo diretinho. Queria que Deus o notasse.
Terminado o culto religioso, foi até o altar, abriu o pacote de velas e acendeu todas as dez enquanto rezava e prometia a Bom Jesus da Lapa que se ganhasse na loteria contrataria um pau-de arara e levaria todos os velhinhos de Coquinhos para a romaria do santo em sua cidade no mês de agosto.
À noitinha, ouvido no rádio, conferiu o volante. Coração a mil a cada ponto conquistado, quase enfarta quando chega ao último e percebeu que não errara um jogo. Chamou dona Bena e cochichou na cozinha que estavam ricos, que ela não contasse nada a ninguém para evitar olho grande.
Na manhã seguinte colocou uma placa de "vende-se" na fachada da bodega. Iniciava ali a concretização de seus planos. Mandou as meninas tomarem conta do negócio e pegou a primeira cata-nica para Ibicaraí. Comprou uma casa e foi a Itabuna de onde voltou com a Telefunken.
Aos pouquinhos as coisas foram se arrumando. Vida nova para toda a família.
Não cumprira, porém, o pacto que fizera com o santo.
Os filhos foram saindo de casa até o dia que se viu sozinho com sua velha. O dinheiro acabou, não tinha mais bodega e passou a viver com a mesada que os fihos mandavem de longe.
Feijão de corda, rapadura, querosene pra fifó, miss pro cabelo, carmim pros beiços das moças, cachaça pros da roça, jerimum do quintal, fumo de corda pra seu consumo e dos camaradas, jornal de ontem vindo da capital, arroz com casca e descascado, Q-Suco de morango, chope da fruta com água da torneira, pilhas Ray-O-Vac amarela pros radinhos de todas as casas do arraial, corda pra laço e esporas... de tudo tinha na bodega.
Vidinha pacata de gente pacata. Mas os filhos cresciam e Waldomiro, o mais velho, já sonhava em estudar na capital; Jeisane se encantara com Zé dos Dentes, o retratista, e queria casar; Ariosvaldo queria comprar a picape do compadre Tinzim e fazer frete na feira. Os sonhos eram muitos e o pequeno conforto dado pela renda da mercearia estava virando aflição. Pai zeloso seu Vilson não podia frustrar os desejos da filharada, mas não tinha estudo, não tinha ciência de como melhorar os ganhos, não tinha capital para ampliar o negócio. Os santos da igreja de dona Bena não atendiam aos pedidos de melhoria, fora a carestia do dia a dia.
Valdirene e Valenciane, mocinhas bonitas e siligristidas, já chamavam a atenção dos rapazes e careciam de roupas novas, berloques e maquilagem. Tava ficando difícil...
Passou a desviar uma moeda por dia da féria para ir a Ibicaraí no sábado e fazer uma fezinha nos treze pontos da loteria. Sua salvação estava no cartão perfurado. Passara a sonhar com os milhões de cruzeiros do prêmio.
Venderia a venda, compraria uma casinha em Ibicaraí, mandava os meninos estudarem onde quisessem, compraria a picape pro Ariosvaldo e uma Rural para ele, trocaria o radinho de pilha por uma televisão Telefunken das que vira na loja em Itabuna, compraria aquele jogo de sofá de napa vermelha que dona Bena tanto gostara... Surrupiava a moeda e sonhava.
Todo domingo ligava o rádio no final da tarde e conferia os treze jogos, mas nunca passava de sete acertos. Na segunda-feira via a notícia de que um apostador de São Paulo ganhara a bolada. Na outra semana, um de Minas e um do Rio de Janeiro. Na terceira, um de Curitiba, dois de São Paulo e um de Fortaleza. E pensava, Deus só gosta dos ricos, para ele capital era lugar de ricos com todos aqueles automóveis, cinema, teatros, lojas, gente bem vestida.
Talvez Deus fosse o segredo para ganhar na loteria.
No domingo surpreendeu dona Bena vestido, cedinho, com sua melhor roupa. Iria à missa com ela naquele dia, coisa que não fazia havia anos. Passou na venda, pegou um pacote de velas e, de braço dado com a esposa, foi de linho branco rumo à catedral, que nada mais era que uma igrejinha branca com uma torre.
Assistiu a todo o serviço, ajoelhou, ficou em pé, cantou os hinos e se benzeu, tudo diretinho. Queria que Deus o notasse.
Terminado o culto religioso, foi até o altar, abriu o pacote de velas e acendeu todas as dez enquanto rezava e prometia a Bom Jesus da Lapa que se ganhasse na loteria contrataria um pau-de arara e levaria todos os velhinhos de Coquinhos para a romaria do santo em sua cidade no mês de agosto.
À noitinha, ouvido no rádio, conferiu o volante. Coração a mil a cada ponto conquistado, quase enfarta quando chega ao último e percebeu que não errara um jogo. Chamou dona Bena e cochichou na cozinha que estavam ricos, que ela não contasse nada a ninguém para evitar olho grande.
Na manhã seguinte colocou uma placa de "vende-se" na fachada da bodega. Iniciava ali a concretização de seus planos. Mandou as meninas tomarem conta do negócio e pegou a primeira cata-nica para Ibicaraí. Comprou uma casa e foi a Itabuna de onde voltou com a Telefunken.
Aos pouquinhos as coisas foram se arrumando. Vida nova para toda a família.
Não cumprira, porém, o pacto que fizera com o santo.
Os filhos foram saindo de casa até o dia que se viu sozinho com sua velha. O dinheiro acabou, não tinha mais bodega e passou a viver com a mesada que os fihos mandavem de longe.
Esse conto participa do concurso interno da comunidade dos blogueiros malditos no Orkut.
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