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segunda-feira, novembro 28, 2005

O que difere uns de outros: Morrer é fácil, difícil é viver.



Cansaço

Na sala um sofá e uma poltrona de um mesmo conjunto, mas diferentes no uso. Enquanto o sofá aparentava nunca ter sido usado, a poltrona se mostrava gasta, o molde perfeito de um corpo em suas almofadas puídas. Na estante, de Joyce a Paulo Coelho, centenas de livros manipulados, tirinhas de papel, aos milhares, saiam de cada volume com pequenas anotações.

Os móveis antigos contavam a história de suas vidas, a do morador e a de seu pai, de quem os herdara. A segunda estante, a que ele chamava de estante de som, sustentava um antigo aparelho três em um do qual jamais se livraria. Nele eram ouvidos os muitos discos de vinil de Dolores Duran, Pixinguinha, Yes e Edu Lobo, entre os mais de quinhentos títulos. Aquele aparelho tocava as inúmeras fitas cassete de sua infância, as mesmas fitas que seu pai ouvira tantas vezes no Corcel 74.

No quarto se via a cama de solteiro com um velho colchão de molas e roupas de cama gastas, sempre desarrumadas. Sobre ela uma toalha de banho molhada. Uma estante de madeira de lei abrigava exemplares e exemplares de revistas velhas e uma tevê sintonizada num canal popular.

Ainda escorria a água do último banho pelas paredes, cortina e chão do banheiro de portas abertas que recendia o cheiro enjoativo do sabonete barato.

Sobre a mesa da cozinha uma folha de papel ofício com umas poucas palavras escritas em tinta de esferográfica: "Não há motivo, não há culpado, assim como nunca houve razão antes disso".

Nu, ajoelhado diante do forno onde enfiara sua cabeça depois de abrir o gás, dormia eternamente o corpo amarelado do dono de tudo aquilo.

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