Águas passadas não movem barquinhos.
A Felicidade Pode Esperar
Selvana sentou seus setenta e cinco anos de idade e cinqüenta de espera naquele banco de praça à sombra da mangueira. Ainda faltavam duas horas para a hora marcada do encontro, mas a ansiedade a impelira.
Não via Silas desde o dia em que ela recebera as rosas roubadas do jardim da igreja que Adamastor lhe oferecera. Seu Sidônio, o pai, alagoano plantador de fumo em Arapiraca, não admitia sua filha dar trela para o almofadinha da capital. Mesmo Selvana tendo já vinte e cinco anos e sendo a única da prole ainda solteira, a despeito de seus dons de dona de casa, sua beleza morena acima da média das moçoilas do lugar, os ciúmes do pai não permitiam que lhe fizessem a corte. Depois de ter expulsado dois pretendentes com uma peixeira em uma das mãos e o reino na outra, os rapazes evitavam olhar a prendada Selvana.
Irascível, seu Sidônio enviou a filha para a casa da madrinha em Cabrobó. Dona Eudócia, bem mais liberal, incentivava o embelezamento de Selvana com carmim e pó nas faces, vestidos mais curtos, dança na quermesse, quadrilha no arraial, onde ela conheceu Baltazas, com quem casou-se e viveu feliz por trinta e sete anos.
Do casamento nasceram Berenice, Brasilino e Bosco. Os filhos casaram-se, o marido faleceu e ela mudou-se para um sítio fora da cidade com as comodidades modernas, a companhia de dona Jucimara, empregada tão antiga que tornara-se irmã, e as visitas de Bosco, que lhe comprara um computador e lhe ensinara a comunicar-se com o mundo através da grande teia.
Se tornara uma velhinha moderna com MSN e Orkut, talvez a decana dos usuários. Nessas aventuras internéticas descobriu a comunidade da família Verçosa e nela o Silas Verçosa Neto, a quem adicionara como amigo e aos poucos foi-lhe conquistando a confiança e trocando confidências. Assim descobrira que o jovem era neto do Silas que esperava agora.
Trêmula de ansiedadae, não sentia o calor da tarde ensolarada, não ouvia os gritos dos vendedores ambulantes, apenas os olhos estavam vivos e ao ritmo do coração, procurando em cada canto ao seu redor um velhinho qualquer que ela sabia difícil de reconhecer. Sabia que ainda faltava muito tempo, aquelas duas horas eram mais demoradas que os últimos cinqüenta anos. Tinha medo de não conseguir esperar mais. O peito acelerado recebia doses extras de oxigênio quando inspirava fundo, na tentativa de acalmá-lo.
Um leve toque no ombro a trouxe para perto quando escarafunchava a distância com o olhar cansado.
- Selvana?
O velhinho de camisa de algodão branca impecável por dentro da calça de tergal cáqui, cinto marrom, elegantes óculos de aros grossos e lentes bifocais, sapatos lustrados e brilhosos, inspirava respeito e serenidade.
- Silas?, mal conseguiu balbuciar.
Levantando-se automaticamente abraçou o irmão que lhe restara, abraço demorado e carinhoso regado de lágrimas de quatro olhos. A sublimação do carinho.
Sem palavras, deram-se o braço e saíram caminhando na certeza de que aquele seria o Natal que todo aquele tempo não permitira acontecer.
Não via Silas desde o dia em que ela recebera as rosas roubadas do jardim da igreja que Adamastor lhe oferecera. Seu Sidônio, o pai, alagoano plantador de fumo em Arapiraca, não admitia sua filha dar trela para o almofadinha da capital. Mesmo Selvana tendo já vinte e cinco anos e sendo a única da prole ainda solteira, a despeito de seus dons de dona de casa, sua beleza morena acima da média das moçoilas do lugar, os ciúmes do pai não permitiam que lhe fizessem a corte. Depois de ter expulsado dois pretendentes com uma peixeira em uma das mãos e o reino na outra, os rapazes evitavam olhar a prendada Selvana.
Irascível, seu Sidônio enviou a filha para a casa da madrinha em Cabrobó. Dona Eudócia, bem mais liberal, incentivava o embelezamento de Selvana com carmim e pó nas faces, vestidos mais curtos, dança na quermesse, quadrilha no arraial, onde ela conheceu Baltazas, com quem casou-se e viveu feliz por trinta e sete anos.
Do casamento nasceram Berenice, Brasilino e Bosco. Os filhos casaram-se, o marido faleceu e ela mudou-se para um sítio fora da cidade com as comodidades modernas, a companhia de dona Jucimara, empregada tão antiga que tornara-se irmã, e as visitas de Bosco, que lhe comprara um computador e lhe ensinara a comunicar-se com o mundo através da grande teia.
Se tornara uma velhinha moderna com MSN e Orkut, talvez a decana dos usuários. Nessas aventuras internéticas descobriu a comunidade da família Verçosa e nela o Silas Verçosa Neto, a quem adicionara como amigo e aos poucos foi-lhe conquistando a confiança e trocando confidências. Assim descobrira que o jovem era neto do Silas que esperava agora.
Trêmula de ansiedadae, não sentia o calor da tarde ensolarada, não ouvia os gritos dos vendedores ambulantes, apenas os olhos estavam vivos e ao ritmo do coração, procurando em cada canto ao seu redor um velhinho qualquer que ela sabia difícil de reconhecer. Sabia que ainda faltava muito tempo, aquelas duas horas eram mais demoradas que os últimos cinqüenta anos. Tinha medo de não conseguir esperar mais. O peito acelerado recebia doses extras de oxigênio quando inspirava fundo, na tentativa de acalmá-lo.
Um leve toque no ombro a trouxe para perto quando escarafunchava a distância com o olhar cansado.
- Selvana?
O velhinho de camisa de algodão branca impecável por dentro da calça de tergal cáqui, cinto marrom, elegantes óculos de aros grossos e lentes bifocais, sapatos lustrados e brilhosos, inspirava respeito e serenidade.
- Silas?, mal conseguiu balbuciar.
Levantando-se automaticamente abraçou o irmão que lhe restara, abraço demorado e carinhoso regado de lágrimas de quatro olhos. A sublimação do carinho.
Sem palavras, deram-se o braço e saíram caminhando na certeza de que aquele seria o Natal que todo aquele tempo não permitira acontecer.
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