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sábado, maio 26, 2007

Pouco se me dá








Cada brasileiro vivente pertence a uma das três categorias: viveram ou são descendentes dos que apoiavam a ditadura militar de 64; viveram ou descendem dos que se opuseram; ou viveram ou são filhos dos que se alienavam, fosse por desinformação ou propositadamente para manterem-se distantes daqueles acontecimentos perigosos e traumáticos.


Como me disse uma psicóloga, a cada dia incorporamos novas ferramentas, mas as adquiridas na infância e na adolescência jamais são perdidas e são elas que nos ajudam a construir nosso dia a dia.


A história é contada pelos vencedores, sempre foi, e, por 21 anos, quem contava a história eram os militares e seus sustentáculos civis, tanto que o golpe militar foi chamado de revolução e ainda ganhou o pomposo apelido de a redentora. Quando a faixa presidencial foi passada a Sarney, em 1985, os revanchistas queriam uma reforma geral, militares na cadeia, fim da famigerada Lei de Segurança Nacional, pena de morte ou prisão perpétua para os torturadores. Mas o general Figueiredo, com toda sua cavalice, não era bobo. Antes de deixar a presidência aprovou a Lei da Anistia, ampla geral e irrestrita.


Alguns generais ainda tentaram evitar a volta do poder para os civis, mas a lenta redemocratização já se iniciara e, graças aos céus!, não havia mais volta.


Durante quatro anos Sarney encarregou-se de tentar vencer a monstruosa inflação, com o slogan Tudo Pelo Social, apagava as tentativas de incêndio que surgiam de um lado e de outro. Em nome de uma "reforma geral", foi convocada uma Assembléia Nacional Constituinte e surgiu esse monstrinho que nos rege, com mais da metade dos artigos ainda sem regulamentação legal, 18 anos depois. Substituindo a Carta Magna dos milicos, que proibia mais que permitia, a nova Constituição distribuiu direitos a torto e a direito, sem exigir as mesmas contra-partidas em deveres, crendo na consciência social dos cidadãos. Ledo engano.


Como sempre, por todos os milênios da história, quem detém o capital e a informação, manipula os demais. Com a voz enfim solta, o contribuinte fez-se fiscal da Sunab, fez greves, depôs presidente, exigiu e ganhou um Código de Defesa do Consumidor e muitos e muitos outros direitos naturais de volta ou acrescentados. O bipartidarismo virou uma sacola de siglas, a maioria, ou quase todas, sem sentido, partidos que nada acrescentam à vida republicana ou à democracia. Milhares de obras iniciadas e não terminadas nos governos militares apareciam diariamente nos jornais, uma demonstração de que as empreiteiras já metiam as mãos no erário, sem punição, sem leis que os enquadrássem, e saíam imaculados, com seus colarinhos branquinhos como quando entraram.


Roubar dinheiro público através de licitações viciadas é coisa antiga, isso já ocorria no Governo Vargas ou antes. Congressistas que costuram o Orçamento da União, e os que fazem os orçamentos estaduais e municipais, infiltram obras e conseguem manipular as verbas. Até os programas humorísticos pós-abertura, como Viva o Gordo, de Jô Soares, com seu Caçador de Corruptos, ou o exilado na França, criticavam as práticas das gangs de alto escalão. Foi nessa época que surgiu a expressão "crime de colarinho branco".


Pedro Collor, que perdeu a boquinha e não por ser um cidadão exemplar, dedurou o irmão presidente e seus asseclas; Ibsen Pinheiro comandou a CPI dos Anões do Orçamento, levando à queda de sete deles, e, no mandato seguinte, também foi cassado. Escândalos, antes encobertos pelo verde-oliva, se multiplicavam e poucos eram punidos, mas eram. Como Georgina e Escócia, que roubaram milhões da Previdência Social, foram presos, houve demissão do serviço público, no caso dela. Os mais fortes escapavam, como Maluf, que há mais de 20 anos aparece no noticiário policial e jamais foi punido, tirando alguns poucos dias na carceragem da Polícia Federal.


As grandes obras foram substituídas pela propaganda. Se a empresa ganhava a licitação para construir uma ponte, por exemplo, tinha que construí-la. Não o fazia, superfaturava a obra e depois deixava um esqueleto de concreto perdido no meio do nada. Com a propaganda não era necessário tanto e Collor descobriu a barbada. A propaganda é volátil. Hoje se vê um out-door, amanhã ele já não está mais lá; hoje você assiste a um comercial na tv, amanhã ele não veicula mais. Puft! Desapareceu. Assim caiu Duda Mendonça. Preso? Não, aí você está querendo de mais.


O governo FHC não saiu incólume desse mar fétido. Muitas foram as denúncias contra seus ministros, presidentes do Banco Central, empreiteiros, compra de votos de deputados para aprovarem a reeleição... O Congresso impedia as devidas apurações e a instalação de qualquer CPI que pudesse macular o Executivo. Muito lixo foi empurrado para debaixo dos tapetes de Brasília. Muitas denúncias e quase ninguém punido. Só as piabas, os tubarões saíram apenas com pequenos arranhões e muitos continuam nadando do enorme oceano de lama brasiliense.


A UDN virou PDS, partido de apoio e legitimização dos militares e maior partido político do Ocidente. Depois da Ditadura virou PFL e hoje é Democratas. Muda de nome, mas nãos seus quadros e suas práticas. As mesmas hienas de sempre e presente em quase todos os escândalos políticos e ou financeiros. Até o Partido Comunista, com o fim da Guerra Fria, tornou-se PPS e, antes um partido convicto de seus ideais, independentemente de se gostar ou não de sua ideologia, hoje lança Gretchen como candidata a prefeita, em Pernambuco, e Rita Cadilac, em São Paulo. Tudo bem, é direito delas, mas não é uma boa referência para uma agremiação que lutava pela seriedade na coisa pública e que tem em sua história figuras importantissimas na formação da moderna política do país.


Aqueles que nos anos 70 não confiavam "em ninguém com mais de trinta anos"; que fumavam maconha como forma de contestação; que pichavam muros com frases de cunho político; que achavam o país careta; que moravam em comunidades antes dessas virarem sinônimo de subúrbio e favela; que não chamavam seus pais de pai e mãe, mas de "meus velhos"; que pregavem que a escola era uma prisão e precisava tornar-se aberta; que pregavam o fim da mais valia; que diziam que casamento era um costume pequeno burguês ultrapassado; que fumavam e bebiam ainda adolescentes como uma forma eficaz de auto-afirmação; que chamavam gravata de "nó de forca" e aliança de "bambolê de otário", freqüentaram boas escolas, boas universidades, formaram-se, casaram-se, montaram suas empresas e passaram a viver do lucro, empregaram mão de obra menos qualificada que eles, compraram suas casas financiadas pelo BNH, tiveram filhos, anestesiaram-se diante das questões políticas, alienaram-se. Os que mantiveram seus ideais por serem verdadeiros ideais e não moda, foram afastados, chamados de ultrapassados ou loucos. O combate aos maus políticos se enfraquecia.


Do outro lado da corda, os que sempre "mamaram nas tetas da viúva", impunes, proliferaram, tiveram discípulos, não se envergonharam, era algo normal e legal e socialmente aceito. Cooptaram autoridas policias, judiciárias, legislativas e executivas. Bancam campanhas políticas em troco de venda nos olhos de quem os deveria fiscalizar. Cresceram em influência e fortunas.


Milhões de brasileiros se indignam diariamente diante das notícias de corrupção; de invasões de órgãos públicos por parte de grupos de "sem-alguma-coisa", de estudantes manobrados que em nome de reivindicações legais servem de trampolim político para alguns espertalhões que não mostram a cara para dizerem exatamente quais suas aspirações; dos milhões de reais desviados dos mais diversos serviços públicos. Outros milhões de brasileiros viram as costas como se não fossem problemas seus. Mais alguns milhões gostariam de estar no lugar dos ladrões ricos e tirarem também sua fatia do bolo.


Nossas crianças, em sua grande maioria, estão sendo educadas com maus exemplos, muitos dentro de suas próprias casas quando vêem o pai fazendo "gatos" de energia e água; quando o pai "molha" a mão do guarda, que também tem filhos, para evitar uma multa; quando o professor passa 50 minutos batendo papo, falando de novela ou do jogo de ontem, quando deveria estar lecionando; quando o pai lhe empresta o carro para passear com a namoradinha ou para ir para a balada encher a cara com Ice junto com outros coleguinhas, mesmo quando o filho é menor de idade; quando o pai dá uma bronca na diretora ou troca o filho de escola, inconformado por seu filho te sido repreendido colando na prova e tenta defendê-lo com a arrogante e nojenta pergunta "e foi só ele?".


Milhões de brasileiros inconformados com a roubalheira que grassa em todo canto, diminuem a importância de dezenas de ações da Polícia Federal que levam políticos e empresários desonestos para a cadeia dizendo que isso é "apenas para melhorar a imagem de Lula, é coisa política". Pouco se me dá se Lula vai ficar bonito na foto ou não! O que me importa é ver essa corja encarcerada. Pouco se me dá se o delegado vai tornar-se celebridade e virar deputado federal! O que me importa é que os bandidos sejam afastados do convívio social. Mas o que me dói, de verdade, é ver as leis de mais de meio século serem tão complacentes com esses marginais, sejam eles de que patente forem, seja lá qual for a cor de seu colarinho, se sem nódoa ou encardido. Me causa asco ter que reprimir os aplausos depois da prisão porque no dia seguinte os gângsters estarão soltos por ordem judicial.

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