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terça-feira, novembro 27, 2007

Desilusão Havaiana


Teobaldo nutria por Ziluê um amor inexplicável. Nunca haviam conversado, não sabia o telefone um do outro ou sequer sabiam seus gostos, mas o frio na coluna e o embrulho na boca do estômago eram constantes è simples lembrança dela.

Tinham como amigos comum um casal que se casaria em fevereiro, vésperas do carnaval. Adevardo, o noivo, prático e farrista, idealizara a festa de recepção aos convidados como um baile de carnaval: decoração havaiana com cenário de papelão e plástico, vodca a rodo, bebidas tropicais a base de frutas e com sombrinhas de bambu, petiscos à vontade. Ambiente propício para o embebedamento geral.

Durante toda a festa Teobaldo vigiava Ziluê à distância. Via o alvo dos seus suspiros emborcar as taças e saracotear pelo salão. A moça nem percebia um assédio ou outro de algum solitário, sua festa resumia-se às bebidas e à dança, mais desenvolta e espalhafatosa depois de cada drinque. Não se passaram muitas as horas, mas as doses, sim, e suas passadas já não conseguiam ser retilíneas, o que fez o zeloso Teobaldo aproximar-se para o socorro que se fizesse necessário. E não demorou.

Ziluê entonteceu, ficou pálida, ensaiou um desmaio no meio do passe de uma música de axé. Antes que fosse ao chão teve o amparo dos braços do admirador, que a levou para um banco do jardim, abanou-a com uma folha de bananeira retirada da decoração, assistiu a seu vômito sem cara de nojo, trouxe uma garrafinha de água mineral para que ela deglutisse o gosto ruim e ouviu suas lamúrias de bêbada.

A moça falava o quão era infeliz, que se apaixonara pelo profesor de química da faculdade, mas não era correspondida; que para fazer ciúmes ao mestre tomara Caléfolas como namorado, justamente o mais feio, mais burro e sem graça colega da turma; que Caléfolas era feio e burro, mas tinha uma cantada infalível; que perdera sua pureza para Caléfolas; que depois de empanturrar-se, lamber os dedos e passar língua nos lábios, Caléfolas a abandonara; que engravidara; que fora expulsa de casa pelo pai, velho e conservador bedel da prefeitura; que, desempregada e sem poupança, fizera um aborto para não colocar no mundo uma criança sem pai e sem futuro; que morava num quartinho de pensão e vendia pules do jogo do bicho para manter-se; que gastava tudo em roupas para causar uma boa impressão e talvez ser beliscada pela sorte de um bom marido ou de um bom emprego, o que viesse primeiro estaria bem.

Teobaldo a levou em casa e prometeu-se nunca mais beber.


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Este conto também não está no livro De Depois De Já, que, por sua vez, já está quase encerrado (pontes.mr@gmail.com).

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