Petrolina tinha um trato com Pelópidas, seu marido. De dia ele cuidava da casa enquanto ela trabalhava na casa de dona Karliane; à noite ela ficava em casa enquanto ele trabalhava como vigia na fábrica de botinas. Ao vir para casa, na boca da noite, Petrolina passaria na bodega do seu Rivaldávio e traria o pão para o café da noite.
O casal estava feliz desde o dia anterior, data inesquecível em que o doutor Agnobaldo confirmara o segundo mês de gravidez de Petrolina. Com um sorriso tatuado na cara, naquela tardinha ela entrou na bodega e recebeu um galanteio de um dos cinco homens que se encontrava sentados em tamboretes ao redor de uma mesa de quatro penas e uma quebrada, escorada com tijolos, na calçada, e comendo torresmos.
- Uma mulata dessas é tudo o que o Perivaldo aqui precisa pra ser mais feliz ainda.
Sem olhar para o engraçadinho, foi ao balcão, pediu os pães já sabidos pelo merceeiro e, ao sair, ouviu a mesma voz:
- Traz aqui os pães pra sobremesa de nós dois, morena.
Ao chegar em casa, botando fogo pelas ventas, o sorriso apagado da cara, contou o ocorrido ao ciumento Pelópidas, que se encontrava de bermuda, estirado no sofá, assistindo a um programa pinga-sangue qualquer na TV em preto e branco.
Ultrajado, com as orelhas vermelhas, Pelópidas foi à cozinha, colocou a peixeira na cintura e saiu gritando:
- Vamo vê quem é esse macho que mexe com muié casada!
Não se deu ao trabalho de sequer vestir a camisa. Petrolina não fez gesto ou emitiu som para desencorajá-lo, homem seu tinha mais é que defender sua honra.
Calçado de suas alpercatas com o calcanhar já gasto, Pelópidas chegou à bodega, cravou a peixeira no balcão e, enquanto batia nos peitos com as mãos abertas, desafiou:
- Quem é esse tal de Perivaldo que ofendeu minha Petrolina?
- Aqui fora!, gritou Perivaldo.
Pelópidas tomou a faca de volta e saiu pisando forte levantando poeira. A bodega se esvaziara e a calçada de fora já mostrava gente se apinhando na expectativa de sangue na sarjeta.
Ao perceber que quatro homens acompanhavam Perivaldo, Pelópidas encheu-se de cuidados.
- Sente aqui conosco, amigo. Gavilaldo, puxa um tamborete pro amigo.
Era Perivaldo com um sorriso franco pendurado no bigodinho fino.
- Prefiro falar com o senhor de pés! Hôme que ofende muié minha tem que se retratar ou vai provar da minha justiceira!
- Que é isso, camarada? Não ofendi sua mulher, não. Se o amigo olhar por outro lado, eu estava elogiando o senhor pelo bom gosto e pela sorte de ter uma mulher tão formosa ao lado. Destranque essa cara, sente conosco e vamos prosear tomando uma branquinha.
Armado de faca e desarmado de espírito, Pelópidas perdeu o rompante. Hesitou.
Em casa, orgulhosa do homem que tinha, Petrolina punha a chaleira no fogo para preparar o café, abria a lata de sardinhas que amassaria para fazer um patê, lava as folhas de alface e cortava tomates para o sanduíche. Nas noites de folga do marido a refeição noturna era caprichada, prenúncio de prazeres sem fim, hoje amplificados pela boa nova e pela soberba que sentia de seu defensor.
O tempo passava, o café esfriou e nenhuma notícia da pendenga entre Pelópidas e Perivaldo. Será que haviam chamado a polícia? Não, notícia ruim anda rápido. Se algo tivesse acontecido, alguma vizinha fofoqueira teria vindo avisá-la.
Depois de duas horas de espera, no alto de sua impaciência, ouviu a porta da frente ser aberta e vozes vindo da sala. Corre para lá a tempo de ver seu Pelópidas e Perivaldo abraçados, bêbados e às gargalhadas:
- Mulher, conheça Perivaldo, o futuro padrinho do nosso filho e nosso compadre.
_____________________________-
Este conto não está no De Depois de Já, meu livro que você pode adquirir me mandando um e-mail (pontes.mr@gmail.com)
Blogged with Flock
Nenhum comentário:
Postar um comentário