Aderaldo não dormia.Ainda bebê, recém saído do útero, já apresentava os olhos arregalados. Chorava quando sentia fome, chorava quando tinha sede, chorava quando sentia cólicas, chorava quando sujava os cueiros, mas não dormia.
A mãe o colocava no colo, cantava mil cantigas de ninar, mas o pequeno Aderaldo sequer mostrava sinais de sono. Caladinho, observava os lábios da mãe se mexendo, ouvia a voz melodiosa que todas as mães, mesmo as mais desafinadas, têm quando cantam “Tutu Marambá”, “boi da cara preta” ou qualquer cantiga para adormecer. Por horas a mãe se esforçava, até ficar rouca, mas nada do rebento dormir.
Com o tempo os pais desistiram, acostumaram-se com a insônia permanente do guri. Acreditavam que a criança dormia depois deles e não se preocupavam. O pai, curioso, passou a acordar de madrugada na esperança de flagrar o filho de olhos fechados no berço. Pé ante pé se aproximava, mas lá estavam aqueles pequenos olhos negros o observando.
Apenas por cisma, o levaram ao médico que não acreditou em seu relato. Por via das dúvidas, o deixaram internado por dois dias no hospital monitorado 24 horas por câmeras de vídeo e visitas constantes das enfermeiras, mas sequer um cochilo foi observado pelos olhos eletrônicos ou por aquele monte de eletrodos colados em sua cabecinha. Como os exames clínicos não acusavam qualquer anormalidade, o liberaram.
Aderaldo crescia, estudava, jogava bola, brincava com os colegas, batia e apanhava, apaixonava-se pelas professoras e pelas colegas... Vida normal de menino, mas não dormia.
Para preencher as madrugadas silenciosas, o garoto lia tudo o que lhe passava diante dos olhos abertos, jogava ao computador, estudava, assaltava a geladeira, fazia amigos virtuais, mas não dormia.
Tornou-se um funcionário exemplar no mercado financeiro. Seus olhos não perdiam nada do que acontecia nas bolsas de todo o mundo. De madrugada, quando seus colegas e concorrentes dormiam, Aderaldo acompanhava as bolsas de Tóquio e Seul. Investia, especulava, fazia fortuna.
Conseguiu uma velhice rica e confortável. Envelheceu desperto como vivera. Em seu enterro fecharam o caixão, mas não conseguiram fechar seus olhos.
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