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quarta-feira, janeiro 16, 2008

Capão, outras histórias

pi_capao

Caro Valter, acabo de devorar seu Capão, outras histórias.
De cara a boa impressão despertada pela orelha da profesora Elisa Guimarães, da UFPA, minha escola numa terra deliciosa de gente interesantíssima. Deu saudade.
No Prefácio, minha única discordância ao ler "não podemos colocar o personagem em lugares (...) por onde nunca andamos". Em meus escritos tenho o hábito de imaginar meus personagens em lugares onde jamais pisei, talvez uma projeção do viajante que dorme dentro de mim. Posso citar melhor exemplo ainda: Budapeste, de Chico Buarque. O autor jamais havia estado naquela cidade, mas toda a trama se desenrola ali. Quando, por convite dos seus editores, foi conhecer a cidade, Chico admirou-se como havia encontrado lugares tão parecidos com o que imaginara, até mesmo uma rua com o mesmo nome da rua por onde passara seu estupefato herói. No caso do seu Capão, por se tratar de narrativa real, não de ficção, entendo seu ponto de vista, mas não concordo com a firmativa como absoluta.
Já a partir da Apresentação, começa uma apreensão, uma tensão sobre aquilo que leremos a seguir. E essa apreensão é justificada pela narrativa. Ambiente hostil, seres humans que agem de uma maneira que só os humanos conseguem agir. Frieza, maldade, crueldade... São ingredientes minorados pela face humana, pelas histórias, nem todas mal sucedidas, como a do cobrador que tornou-se empresário, de empregado a grande empregador. A linearidade objetiva nos faz compreender de onde vem certa parte da criminalidade.
"O quê que a polícia vem fazer aqui?", a frase do personagem justifica-se pelos esculachos sofridos por aqueles que deveriam apoiar, dar segurança e não extorquir e fazer cumplicidade com os bandidos que atormentam. Lei da selva, selva de concretos ou tijolos aparentes; lei da selva no meio da metrópole.
As frases curtas e diretas demonstram um enorme poder de síntese. Não divagam sobre o ambiente, vão direto à ferida e a cavucam, expondo os nervos de um sistema corroído. Não tiram do leitor o foco da histórias, ou melhor, histórias, todas elas. Não bastasse a linguagem das ruas, tão reais, quase palpáveis.
Espero que o autor e "Dona Elisa" não tenham levado para o litoral as noites despertadas no susto e que seus dias sejam mais tranqüilos. Moldaram-se à realidade da vizinhança para sobreviverem às catástrofes que os rodeavam, não somente por eles, mas pela segurança dos filhos que seguem o mesmo caminho, imagino eu, convivendo sem intimidade, mas contando com o respeito da marginália. Lei da selva...
Parabéns pela "reportagem" tão dura, embora quase poética, e sucesso nas vendas. Mais e mais gente precisa conhecer tal narrativa.
Abraço.

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